Logo
a frente vai rodando o garoto na sua BMX. Ele baixa o pedal e deixa a pequena
bicicleta com o selim lá em baixo deslizar com sua perna esticada e a outra
perna cruzada, com uma leve garça. Um pouco a frente troca de perna e volta ser
uma garça, e assim por diante, na dança típica do pessoal do BMX. Desliza
rápido. A BMX é de primeira, pró, numa pintura alaranjada quase fluorescente.
Eu vou me aproximando aos poucos admirado com a dança ritmada da pedalada e
vejo comprazer e inveja ele dar um bob no meio fio e a água da chuva parada.
Garça! Mesmo grudado nele não ouço o tocar da roda no chão.
Tomo
um educado cuidado para ultrapassa-lo, abaixo a cabeça como saudação e também
reverência, e sigo na minha cadência, com uma pitada de inveja de seu estilo.
Vindo de frente na ciclovia um ciclista que de longe fica claro que está
bêbado. Paro de pedalar por um momento e faço uma discreta sinalização com a
mão direita com absoluta certeza que o BMX entenderá, o que realmente acontece.
Pedalar com quem sabe é uma outra história. Diminuo mais um pouco a velocidade
pedalando mais leve e toco a campainha para chamar a atenção do bêbado que
se aproxima em uma linha incerta e gesticulando com a mão. Quando o bêbado está
bem próximo levo minha bicicleta um pouco para o centro da ciclovia de forma a
proteger o BMX. O bêbado passa por mim, olho para trás e ele passa sem
problemas pelo BMX. Seguimos em frente com o BMX me seguindo em silêncio de
perto. Vou desviando das poças de água deixadas pela chuva. Numa das esquinas diminuo
a velocidade na frente de um carro para proteger o BMX e ele me ultrapassa e
retribuiu a ação na próxima esquina. E assim fomos pelos 3 km da ciclovia. Não
trocamos uma palavra, nem é necessário, só seguimos. Quando viro à esquerda ele
passa por mim e disse simplesmente "Boa noite".
Anteontem
na ciclovia da Faria Lima uma menina, linda por sinal, quase arranca a camisa
de um pedestre num trecho que ainda é só calçada para em seguida passar a mil raspando
no braço de uma criança bem pequena que se segurava desajeitada na mão da mãe.
A ciclista sequer diminuiu a velocidade, não sinalizou a aproximação, não pediu
desculpas, seguindo em frente como se estivesse numa competição. Para que?
Estava fugindo de mim? Ou era mais uma que vê as ciclovias um bom local para
treinar? Não sei o que passa pela cabeça deste pessoal, mas tenho a clara sensação
de que estão fazendo racha. Tão parecido com os boyzinhos...
Como
é raro quem consegue entender o que é uma bicicleta e mais raro ainda os que rezam
pelos dogmas do pedalar bem, tenho sentido muita saudade do tempo que eu
pedalava no meio dos carros. Era muito mais seguro. Experiências como a pedalada
com o garoto do BMX estão se tornado joias perdidas na cidade.
Ciclismo
é a arte da suavidade!
Também ressinto disso: suavidade. Não só no ciclismo, mas nas relações humanas, sejam comerciais ou pessoais. Tenho percebido ao longo dos anos (estou nos 62) o desaparecimento da gentileza ou mesmo a simples boa educação entre as pessoas. Que parecem levar à barbárie como padrão de comportamento, vide o noticiário policial...
ResponderExcluirComeço a desconfiar que aqueles filmes de ficção apocalípticos estão errados... o futuro me parece bem pior.
Gentileza, com certeza gentileza. Onde está a gentileza?
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