terça-feira, 26 de agosto de 2014

Bicicleta, ecologia, socialismo e capitalismo

Cada um tem suas razões quando opta pela bicicleta. Comigo não foi diferente. Quando voltei a pedalar (1977), depois de uns cinco anos parado por conta do roubo de minha bicicleta, a razão era o puro e simples prazer, expresso na liberdade de ver a paisagem e sentir a vida na pele. E pegar pão quente na padaria, o pão italiano maravilhoso dos amigos José e Napolitano, donos da Padaria Vesúvio na rua dos Pinheiros que infelizmente não existe mais. Saía um pouco antes do almoço e do jantar e só quando voltava eu, minha mãe, meus irmão e irmã, sentávamos à mesa, faca e manteiga à mão. Ia quase um filão por refeição... e nunca mais deixei a bicicleta.
Um pouco antes do meu retorno definitivo à bicicleta eu andei tentando ajudar os ecologistas. Até hoje fico feliz por ter ajudado na proibição de pesca da baleia. Mas descobri que não tinha estômago para ficar ali, no meio dos ecologistas, quando fui a uma reunião onde apresentaram filmes de matadouros de bovinos, que seria nossa próxima luta. Na primeira cena de marretada eu me levantei e fui embora nauseado. Consigo ver gente morrer, mas ver a natureza ser brutalizada vai muito além de minha capacidade. 
E a partir dai as cores do pedalar mudaram completamente e ganharam outras razões. Eu já tinha uma boa dose de leitura sobre o impacto da bicicleta na questão ecológica, urbana e social, e nesta leitura encontrei a saída para dar continuidade às minhas crenças. Sim, crenças.
A grande vantagem de ir para a bicicleta, que então era uma área quase virgem, foi não ter que lidar com um pessoal que até tinha boas intensões e muita razão, mas era ortodoxo, fanático, duro, os famosos “ecochatos”. Na época não havia o fascismo do politicamente correto, o pior de todos, e capitalistas, esquerdistas, e os mais diversos grupos ortodoxos eram bem mais inteligentes e humorados do que são hoje. Retiro dai os Libelu (Liberdade e Luta), que eram muito chatos, intragáveis, por que não dizer os genitores do politicamente correto dos dias de hoje. A sociedade dos anos 80, por mais diversa que fosse, tinha senso de coletivo, o que é difícil de encontrar hoje neste oceano revolto de individualidades puritanas, propriamente sereias.
A falta de compreensão com quem optou pela bicicleta foi grande, maior que se possa imaginar, mas valeu a pena. Hoje olhamos para trás, os pedalantes daquela época, e nos divertimos com o passado. Dever cumprido.
Mas, nestes mais de 30 anos, a maturidade foi chegando, com leitura os pensamentos ficando mais claros, lógicos e sensatos. Fruto também da autocrítica. Bendita autocrítica!
Exemplos:
·         a bicicleta só voltou a ser popular quando o mercado americano, na década de 80, começou a produzir bicicletas sob o mesmo parâmetro dos automóveis; ou seja, com alta qualidade e status. A partir dai a bicicleta como coisa de pobre foi esquecida, o que resultou no boom mundial de ciclistas dos dias de hoje
·         o fenômeno mountain bike levou os ciclistas a questionar a vida e o meio ambiente de várias cidades dos Estados Unidos, principalmente na Califórnia
·         na Europa a bicicleta já era muito usada em países de alto PIB, que tinham políticas sociais sérias e sustentáveis, todas baseadas numa boa economia capitalista
·         não me lembro de ter lido uma linha sobre o uso intensivo da bicicleta nos países do bloco comunista. Aliás, quando caiu o muro de Berlim o que se viu foi uma invasão de Trabants, o simpático e poluente carrinho (pelo qual tenho paixão), mas nenhuma bicicleta
·         antes da Revolução Comunista a bicicleta, por questões de cultura e tradição, era odiada na China e Mao enfiou goela abaixo do povo
·         aqui no Brasil o PT, Partido dos Trabalhadores, nunca levantou uma bandeira a favor dos trabalhadores que enchiam as fábricas do ABC de bicicletas. Agora, passadas três décadas, oportunamente o faz. Aliás, nem PT, nem PDT, nem PTB, os ditos partidos representantes dos trabalhadores, pobres e oprimidos.
Tenho certeza que a bicicleta é uma revolução sensata. É um instrumento de desenvolvimento social quando permite ao seu usuário se transportar com um baixíssimo custo. Vide as mulheres paupérrimas africanas agraciadas pelo projeto Bike Africa. Pedalando viramos ser ecológico, ambiental, civilizado, coletivo.

Recomendo a leitura de:
Revista Exame; edição 1067 - ano 48 / nº11- 11/6/2014
Por que o capitalismo é tão injusto?:
Um plano B para as empresas:

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