Cada um tem suas
razões quando opta pela bicicleta. Comigo não foi diferente. Quando voltei a
pedalar (1977), depois de uns cinco anos parado por conta do roubo de minha
bicicleta, a razão era o puro e simples prazer, expresso na liberdade de ver a
paisagem e sentir a vida na pele. E pegar pão quente na padaria, o pão italiano
maravilhoso dos amigos José e Napolitano, donos da Padaria Vesúvio na rua dos
Pinheiros que infelizmente não existe mais. Saía um pouco antes do almoço e do jantar
e só quando voltava eu, minha mãe, meus irmão e irmã, sentávamos à mesa, faca e
manteiga à mão. Ia quase um filão por refeição... e nunca mais deixei a
bicicleta.
Um pouco antes do meu
retorno definitivo à bicicleta eu andei tentando ajudar os ecologistas. Até
hoje fico feliz por ter ajudado na proibição de pesca da baleia. Mas descobri
que não tinha estômago para ficar ali, no meio dos ecologistas, quando fui a uma
reunião onde apresentaram filmes de matadouros de bovinos, que seria nossa
próxima luta. Na primeira cena de marretada eu me levantei e fui embora
nauseado. Consigo ver gente morrer, mas ver a natureza ser brutalizada vai
muito além de minha capacidade.
E a partir dai as
cores do pedalar mudaram completamente e ganharam outras razões. Eu já tinha uma
boa dose de leitura sobre o impacto da bicicleta na questão ecológica, urbana e
social, e nesta leitura encontrei a saída para dar continuidade às minhas
crenças. Sim, crenças.
A grande vantagem de
ir para a bicicleta, que então era uma área quase virgem, foi não ter que lidar
com um pessoal que até tinha boas intensões e muita razão, mas era ortodoxo, fanático,
duro, os famosos “ecochatos”. Na época não havia o fascismo do politicamente correto,
o pior de todos, e capitalistas, esquerdistas, e os mais diversos grupos ortodoxos
eram bem mais inteligentes e humorados do que são hoje. Retiro dai os Libelu (Liberdade
e Luta), que eram muito chatos, intragáveis, por que não dizer os genitores do politicamente
correto dos dias de hoje. A sociedade dos anos 80, por mais diversa que fosse,
tinha senso de coletivo, o que é difícil de encontrar hoje neste oceano revolto
de individualidades puritanas, propriamente sereias.
A falta de
compreensão com quem optou pela bicicleta foi grande, maior que se possa
imaginar, mas valeu a pena. Hoje olhamos para trás, os pedalantes daquela
época, e nos divertimos com o passado. Dever cumprido.
Mas, nestes mais de
30 anos, a maturidade foi chegando, com leitura os pensamentos ficando mais
claros, lógicos e sensatos. Fruto também da autocrítica. Bendita autocrítica!
Exemplos:
·
a bicicleta só voltou a ser popular quando o mercado
americano, na década de 80, começou a produzir bicicletas sob o mesmo parâmetro
dos automóveis; ou seja, com alta qualidade e status. A partir dai a bicicleta como
coisa de pobre foi esquecida, o que resultou no boom mundial de ciclistas dos
dias de hoje
·
o fenômeno mountain bike levou os ciclistas a questionar
a vida e o meio ambiente de várias cidades dos Estados Unidos, principalmente
na Califórnia
·
na Europa a bicicleta já era muito usada em países de
alto PIB, que tinham políticas sociais sérias e sustentáveis, todas baseadas
numa boa economia capitalista
·
não me lembro de ter lido uma linha sobre o uso
intensivo da bicicleta nos países do bloco comunista. Aliás, quando caiu o muro
de Berlim o que se viu foi uma invasão de Trabants, o simpático e poluente carrinho
(pelo qual tenho paixão), mas nenhuma bicicleta
·
antes da Revolução Comunista a bicicleta, por questões
de cultura e tradição, era odiada na China e Mao enfiou goela abaixo do povo
·
aqui no Brasil o PT, Partido dos Trabalhadores, nunca
levantou uma bandeira a favor dos trabalhadores que enchiam as fábricas do ABC
de bicicletas. Agora, passadas três décadas, oportunamente o faz. Aliás, nem PT,
nem PDT, nem PTB, os ditos partidos representantes dos trabalhadores, pobres e
oprimidos.
Tenho certeza que a
bicicleta é uma revolução sensata. É um instrumento de desenvolvimento social quando
permite ao seu usuário se transportar com um baixíssimo custo. Vide as mulheres
paupérrimas africanas agraciadas pelo projeto Bike Africa. Pedalando viramos
ser ecológico, ambiental, civilizado, coletivo.
Recomendo a leitura
de:
Revista Exame; edição
1067 - ano 48 / nº11- 11/6/2014
Por que o capitalismo
é tão injusto?:
Um plano B para as
empresas:
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