Fiquei aqui pensando como
poderia explicar quais as diferenças entre o Projeto de Viabilização de
Bicicletas como Modo de Transporte, Lazer, Esporte e Turismo, de 1982, e o que
se está fazendo hoje em dia. Nesta de ficar pensando acabou caindo a fixa que é
muito possível que os órgãos competentes, em especial a CET, nunca tenham
entendido corretamente sobre o que se tratava. Tenho certeza que houve um vazio
de comunicação, tanto por que a bicicleta era coisa estranha para eles, uma
espécie de disco voador aterrissando nas ruas paulistanas; como pelo fato de
que o que se propunha era então uma grande novidade, uma mudança de conceitos.
Não tinha nada de especial, beirava o óbvio. Pretendíamos usar a experiência de
ciclistas comuns, incluindo mulheres, usuários da bicicleta, para implantar uma
rede cicloviária de caminhos alternativos às vias de trânsito saturado ou
perigoso, que percorresse os trajetos com topografia menos acidentada.
Pretendia-se que o ciclista circulasse dentro de ilhas de tranquilidade
formadas nos internos de bairros, e que fizesse o cruzamento das vias de
trânsito pesado em pontos de menor risco. A princípio seria uma rede de 255 km
tendo como base o Centro Expandido de São Paulo, mais rotas até Santo Amaro na
Zona Sul e até a Pena, na Zona Leste. Esta era uma das etapas a ser vencida, a
mais palpável para os ciclistas e cidadãos comuns, já o Projeto de Viabilização
de Bicicletas tinha um olhar abrangente sobre a bicicleta, apontando
transformações necessárias na indústria, bicicletarias, educação, políticas
públicas, leis, impostos....
A preocupação básica era o respeito
pelo então existente, e fazer com que o resultado final levasse a toda cidade e
seus cidadãos uma melhora na qualidade de vida. O Projeto de Viabilização não é
um projeto de ciclistas apaixonados só para ciclistas.
São Paulo dá Pedal, proposta apresentada
e aceita pelo concurso São Paulo 450 anos de 2004, seguia os mesmos passos do
Projeto de Viabilização, mas com dois projetos pilotos de baixo custo, fácil e
rápida implantação.
A grande diferença, principalmente
do São Paulo dá Pedal, para o que está sendo feito ou proposto hoje era a
formação da equipe que assinava o projeto. Para começar, dois vinham de
famílias com passado ligado ao automobilismo e à sua indústria. Três eram
ciclistas cotidianos, um deles pedalava mesmo tendo uma deficiência física de
nascença; o segundo era um ciclista comum, mas fora o responsável pela
introdução de uma das marcas de bicicleta mais importantes (Specialized) do
mundo, e o terceiro pedalou quase toda a vida, para transporte, lazer,
cicloturismo e competição, além de ter uma boa prática em ensinar pessoas a
pedalar do zero e no trânsito. Três eram técnicos vindos da CET e outros órgãos
de trânsito e rodoviários. Todos eram pedestres. Duas mulheres, quatro homens, três
pais de família; um professor secundário, dois engenheiros, dois arquitetos, quatro
funcionários públicos, um empresário e especialista em vendas, marketing e logística.
O São Paulo dá Pedal tinha um grau de experiência notável, que fechava
praticamente todos os pontos relativos à questão da do sistema cicloviário, da bicicleta,
do ciclista, da qualidade da bicicleta, da educação, das leis, do uso do espaço
público, do direito dos outros: pedestres, motociclistas, motoristas, pessoas
com deficiência, das crianças, mulheres, idosos, da propaganda, do financeiro,
cronograma de evolução, variáveis... Hoje fala-se em só sistema cicloviário. Além
do pessoal que assinava a proposta havia uma equipe de colaboradores por trás
que optaram por não assinar, mas que estiveram ligados ao processo, a maioria
primeiro escalão do setor público e privado. Como curiosidade, dois destes colaboradores
fizeram cálculos de econometria para dimensionar o número real de ciclistas
circulando em São Paulo em 2005 e ver como seria a curva de crescimento do uso
da bicicleta, cálculos estes que se provaram corretos. Ao todo éramos mais de
15 pessoas, todas de primeira linha. Deve se render agradecimento a alguns
funcionários públicos que ajudaram muito o projeto fornecendo dados e
informações que deveriam ser públicas, mas não eram. Para se ter ideia do
esconde-esconde de então, não nos foi dado acesso aos mapas oficiais da cidade
e a apresentação do São Paulo dá Pedal foi feita com um mapa desenhado a mão.
No São Paulo dá Pedal havia um
cronograma de etapas, de forma a que todos envolvidos, técnicos, funcionários
públicos, agentes de trânsito, polícias e população, fossem treinados e se adaptassem
na nova situação. A primeira etapa seria o entorno do Ibirapuera, seguindo para
o Centro – Zona Norte, pilotos para as sequentes implantações no resto da
cidade.
O projeto Ibirapuera abrangia o
Parque Ibirapuera, Vila Nova Conceição e Jardim Luzitânia, trabalhando todas
ruas no interno dos bairros, todas as entradas e saídas do Parque do
Ibirapuera, mais todos os caminhos alternativos e seguros para se chegar ao
parque. O do Centro – Zona Norte abrangia todo Centro, o entorno do eixo da av.
Tiradentes, cruzava a Ponte das Bandeiras e do outro lado do rio abrangia
Parque Anhambi, entorno do Campo de Marte, Shopping Center Norte, Center Norte
e Carandiru, hoje Parque da Juventude.
Em tudo estava incluído mapeamentos,
sinalização vertical e horizontal, totens, para-ciclos, bicicletários,
orientadores ciclistas (o que hoje se conhece como “bike anjo”), material
educativo em todas formas e mídias, site, propaganda, criação de um padrão de
comunicação, treinamento em todas bicicletarias, lazer, esporte, cicloturismo
urbano, melhorias para pedestres, paisagismo, meio ambiente...
Um pouco depois ainda se fez
uma tentativa de viabilizar estas ideias com o Ciclo Rede Butantã, e seus 100
km de sistema cicloviário de alimentação das ciclovias Eliseu e Paraisópolis.
Mesmo tendo uma forte entidade internacional por trás o projeto não só morreu, como
desapareceu. Puft!
São Paulo dá Pedal: Arturo Alcorta; Luiz Dranger; Sérgio Luís Bianco; Fernando Gutieres; Úrsula Miranda; Eliana Haberli.