Basta uns poucos metros pedalando
para você ter uma ideia muito clara que quem é a pessoa que está em cima da
bicicleta, tanto como ciclista como gente, cidadão ou ser humano. Um pouco de
vivência e interesse e logo algumas características escondidas vêm à tona,
ficam patentes. Normalmente a verdade não está no que parece que é, mas em pequenos
detalhes involuntários, menores que uma unha roída, exemplo dos mais simplórios.
O individual é o reflexo do entorno, que se misturam. Quem veio primeiro? O ovo
ou a galinha?
A menina para na plataforma entre
os vidros de acesso ao vagão do metro e fica lá encapsulada no seu celular. A
composição chega, ela mal percebe, continua entre as portas. As portas abrem e
ela segue a espera no mesmo lugar, encapsulada. Todos entram e ela continua lá.
Quando o apito do fechar das portas toca alto ela olha o vidro a sua frente, se
dá conta de sua real posição e entra rápida e furiosamente no vagão. Lá dentro
para com um olhar perdido, tira os fones de ouvido do bolso, os coloca nos
ouvidos, e novamente some da multidão, se encapsula. Ela não está no vagão, os
passageiros em seu entorno talvez eventualmente lhe existam. Provavelmente vai
chegar em casa sem conseguir realizar o seu caminho e a vida que minutos atrás a
cercou. Não interessa. Não interessa a tantos outros dentro daquela estação,
dentro daquele vagão, na vida coletiva da cidade. Sempre fomos um pouco assim, mas
mudou. Nos dias de hoje há um grande vazio, um distanciamento providencial e
imune ao coletivo, ao que não diz respeito única e exclusivamente ao
individualismo. Eu!
Entrei no mesmo vagão a esquerda
dela, segurei no corrimão, e meus dedos ficam grudados num chiclete. Aquele chiclete
tem tantas semelhanças com aquela menina... Ele, chiclete, está ali, nada mais.
Dentro de minha viagem interna, sem celular, vou passando rapidamente, quase zapeando,
por memórias. Nisto sou igual aos que ali estão. Somos todos iguais. Nas minhas
costas dois jovens navegam... Minha geração diria que estão viajando. Dá na
mesma. Tínhamos, não faz muito, tempo para o silêncio. Parece que não há mais. Quase
ontem tentei explicar para uma aluna o valor do silêncio, talvez o mais
precioso bem que a humanidade concebeu. O silêncio da bicicleta a sua magia,
que fica quieta e nos leva oferecendo as paisagens, o convívio, o equilíbrio, o
sentir e viver a vida numa escala humana, compreensível. “Escala humana?” perguntou
outra aluna. Escala humana sim. Aquela que respeita o biológico de nosso corpo.
“Compreensível?” Há uma diferença brutal entre parecer e ser de fato, entre acreditar
que sabe e compreender. Volto à realidade com a chegada à minha estação. Saio
do vagão e paro para deixar a massa subir e assim pegar a escada sem apertos. Não
me sinto confortável neste empurra-empurra.
Eu havia saído do cinema, muito
bom filme. Lá, no Cinema (Livraria) Cultura, elite cultural brasileira, filme
para público seleto, sessão praticamente lotada, sentado ao meu lado, um jovem
quase senhor muito bem vestido estraga meu prazer seguidamente atendendo o
celular em voz baixa e lendo mensagens com meia luz de tela. Não para mesmo com
meus pedidos delicados. Na fila à frente, duas cadeiras à esquerda, outro faz a
mesma coisa. E lá na frente, em vários pontos, também. Na audiência ninguém reclama,
ninguém se incomoda, parece normal. Deve ser... para eles. É assim neste ou em
qualquer outro espetáculo, missa, reunião, confraternização... no trânsito, nos
pedais... “Eu!”
Já me pediram para que pare de
pegar lixo das ruas. Disseram que estou ficando maluco. Ficando maluco? Por
querer uma cidade limpa, sadia e higiênica para todos? Por sonhar ver nossos
rios limpos?
Pego a bicicleta e vou para casa.
Não adianta pedir aos ciclistas para abaixar o farol dianteiro com pisca-pisca
que arde nos olhos. Vários passam com fones de ouvido aos berros e cara de
idiota, como se estivem me acusando de ter que tira-los de sua vida particular,
seu direito à utopia individualista. “EU!” Não adianta tentar explicar aos que
ainda ouvem que aquela luz cega os outros ciclistas que estão trafegando na
mesma ciclovia. “Você gosta desta luz no seu olho?”, pergunto, mas não adianta.
Viram para frente, ajeitam os fones e partem igual.
Alguém na lista de discussão da
UCB disse que nenhum estado corrupto vai
dizer como ele faz a própria segurança. Lembra tanto o pessoal de extrema
direita americana... O causo se deu por conta de uma discussão sobre a
obrigatoriedade ou não do uso do espelho retrovisor em bicicletas que está em
discussão no DENATRAN. Digo que segurança é ciência e não achismo, e deixo parte
do grupo furioso.
Esta Copa mostra mais uma vez que
nós, brasileiros, somos ótimos festeiros. É uma forma de coletivo, mas hilária,
uma viagem. E o que mais? Quem somos nós, o Brasil? Como você vê os pequenos
sinais do todo?
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