quarta-feira, 12 de março de 2014

A conta sempre vem, para o mal ou para bem

Ele segue caminhando por ai. Estudou comigo e era um garoto normal. Um dia exagerou na dose e o barato saiu caro, muito caro. Ele chegou na festa completamente empapuçado e ao passar por uma parede espelhada, daquelas que se vê o corpo inteiro, não sabia mais de que lado do espelho estava. A partir daí nunca voltou ao normal. Pirou total. Estava ao lado dele, era a outra imagem em pé refletida no espelho, e imediatamente percebi que ele não estava brincando, mas realmente não sabia mais quem era quem, se ele ou a imagem. Sempre o vejo pelas ruas caminhando com sua pastinha debaixo do braço. Fala sozinho, de vez em quando parece que está falando com você, dando uma bronca ou reclamando enfaticamente sobre algo incompreensível.
Naquela exata noite fumei pela primeira vez um baseado. Foi uma das mais mágicas experiências de minha vida. No carro de um amigo ouvi Yes, And You and I, a primeira viagem. Ri sem parar por mais de 30 minutos. A maconha daquela época, lá pelo início dos anos 70, tinha outra qualidade, muito mais leve, alucinógena, risível. Todos nós, os fumantes, tínhamos limites, e mesmo alucinados procurávamos manter um mínimo de educação, cordialidade social e civilidade. Pelo menos tentávamos. Violência ou grosseria eram consideradas inaceitáveis; quem extrapolava não era bem visto e afastado. Era uma curtição aparentemente inconsequente.
Por alguma razão a boa maconha foi desaparecendo. O barato foi ficando a cada dia mais pesado, depressivo, desagradável. Fazia mal. Até ouvindo boa música a viagem nunca mais foi igual. A saudade do passado virou uma constante nas conversas de praticamente todos fumantes, excluindo viciados e chatos. Estavam adubando a erva? Possível. Nós havíamos mudado? Com certeza. A maioria foi largando e tomando suas vidas adultas.
A maconha e outras drogas começaram a me incomodar depois de ter visto uma campanha na Suíça que dizia, com toda a razão, que cada cigarro (de haxixe) fumado (portanto comprado) significava uma bala de fuzil na mão de traficantes de guerrilha. Foi “O” tapa na cara. Ainda fumei durante alguns anos, cada dia com sentimento de culpa e mais incomodado com a perda dos “bons modos” de todos, fumantes, distribuidores e das bocas de fumo (traficantes). A gota d’água, vergonhosamente tardia, veio quando um amigo que teve que puxar a arma para sair inteiro da boca de fumo que sempre o serviu. Engenheiro agrônomo, “por sorte” sempre teve que andar armado por causa de bichos do mato e grileiros, estes então cada dia mais violentos. Os suíços estavam absolutamente corretos: cada puxada (tragada) é uma bala para os inimigos.
“Não existe almoço grátis” (There is no free lunch - Milton Friedman) é uma verdade incontestável. Minha geração, pós Woodstock, encantada errônea e tardiamente com o Paz e Amor do Flower Power, viajou sem consequência. O resultado está ai. Não sei quanto aos meus amigos, mas eu peço desculpas a toda sociedade. Sou responsável por parte da barbárie que está ai, não posso negar. Se pudesse voltar atrás..., mas é impossível. Tenho que tentar limpar a merda, que é o mínimo.
Bicicleta acabou sendo meu novo barato. Como não tenho paciência nem para vícios o pedalar sempre me fez bem. E continua fazendo.

Exatamente como o barato das drogas, a bicicleta esteve e está ligada a um sonho de uma vida mais leve, alegre, divertida e fácil para todos. Foi e é uma viagem maravilhosa e principalmente real, digna, de futuro. Para quem pedalou o sonho viveu um barato que valeu a pena, mesmo que hoje se venha sentindo alguns efeitos negativos causados pela minoria viciada, pelos fanáticos, ortodoxos, chatos, medíocres, sempre presentes, ativos e infelizmente marcantes em sociedades pouco afeitas à realidade, como a nossa, brasileira.


2 comentários:

  1. Não vou prolongar a conversa! Mas não concordo com esse slogan Suíço! Acho sim que deveria ser comercializado como qualquer outra droga e o dinheiro arrecadado com o comércio ser usado na educação e prevenção!

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  2. Da forma como está e todo mundo aceita, principalmente os usuários, é assinar em baixo que a violência é valida. Todo mundo se cala

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