quarta-feira, 5 de março de 2014

Sábio conselho

Vinha eu correndo a pé pela rua Itápolis quando um senhor preto quase maltrapilho sai da calçada e começa a vir em minha direção. Logo fui pensando que estava bêbado, mas depois de ver os passos firmes e alegres dados por ele ficou claro que bêbado não estava. Diminui um pouco meu já lento ritmo, mas ele continuou vindo em minha direção. O senhor preto, corpo magro, forte e duro, de gingado suave, logo se deu conta de minha preocupação e desviou discretamente sua trajetória. Olhando nos meus olhos disse: “Ô atleta!... endireita estas costas. Você está correndo olhando para o chão. Olha para frente”. Tomei um susto com a bronca pertinente e imediatamente estiquei costas e o pescoço. Comecei a correr mais leve e agradeci. De canto de olho vi que ele seguiu cruzando a rua me olhando com atenção. Sorrindo e agradeci novamente. Quando já estava uns 30 metros atrás gritou “Abaixa o ombro esquerdo. Está tenso! Vai atleta!”. Nem olhei para trás e agradeci como se deve agradecer a seu bom treinador. Só bem mais a frente, já no final da subida, prestando atenção a minha postura ao correr, me bateu forte curiosidade. Quem será ele? Ainda vou acha-lo. Deveria eu ter parado? Não, ele não gostaria.
Ouvir conselhos é bom. Os que não gostam de ouvir usam o ditado “Se conselho fosse bom era vendido”. Por que não se permitir ser ajudado por outros? Estes últimos anos fizeram que as pessoas estejam mais impermeáveis aos conselhos, por mais simples e sensatos que sejam. Porque? Fruto da brutal violência que vivemos? Individualismo? Soberba? Quantos fatores serão? Quantos forem, é uma pena, ou melhor, uma tragédia.
Infelizmente praticamente parei de dar “conselhos” para os ciclistas, por mais inexperientes que sejam. Conselho parece ter virado ofensa. “Como você ousa interferir na minha forma de ser?” Sempre que pego a mochila pesada lembro das ferramentas que levo ali e que são carregadas para ajudar os outros. Hoje um esforço quase inútil. O ciclista está caminhando a pé empurrando a bicicleta, mas se recusa a receber ajuda dando qualquer desculpa. Dar conselho então... Quase não adianta tentar encontrar o discurso correto para fazer os outros entenderem que o selim está fora de posição, que precisam reaprender a partir ou parar a bicicleta, que luz branca piscando na cara de todo mundo e principalmente dos ciclistas é desagradável e perigoso para todos, principalmente para o próprio ciclista que usa a luz piscante desregulada. Acerta a cadência... Vira intromissão. “Quem é você?”

Conselho remete a autoridade, este é o problema. Autoridade? No Brasil?

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