Vinha eu correndo a pé pela rua Itápolis
quando um senhor preto quase maltrapilho sai da calçada e começa a vir em minha
direção. Logo fui pensando que estava bêbado, mas depois de ver os passos
firmes e alegres dados por ele ficou claro que bêbado não estava. Diminui um
pouco meu já lento ritmo, mas ele continuou vindo em minha direção. O senhor
preto, corpo magro, forte e duro, de gingado suave, logo se deu conta de minha
preocupação e desviou discretamente sua trajetória. Olhando nos meus olhos
disse: “Ô atleta!... endireita estas costas. Você está correndo olhando para o
chão. Olha para frente”. Tomei um susto com a bronca pertinente e imediatamente
estiquei costas e o pescoço. Comecei a correr mais leve e agradeci. De canto de
olho vi que ele seguiu cruzando a rua me olhando com atenção. Sorrindo e
agradeci novamente. Quando já estava uns 30 metros atrás gritou “Abaixa o ombro
esquerdo. Está tenso! Vai atleta!”. Nem olhei para trás e agradeci como se deve
agradecer a seu bom treinador. Só bem mais a frente, já no final da subida, prestando
atenção a minha postura ao correr, me bateu forte curiosidade. Quem será ele?
Ainda vou acha-lo. Deveria eu ter parado? Não, ele não gostaria.
Ouvir conselhos é bom. Os que não
gostam de ouvir usam o ditado “Se conselho fosse bom era vendido”. Por que não se
permitir ser ajudado por outros? Estes últimos anos fizeram que as pessoas estejam
mais impermeáveis aos conselhos, por mais simples e sensatos que sejam. Porque?
Fruto da brutal violência que vivemos? Individualismo? Soberba? Quantos fatores
serão? Quantos forem, é uma pena, ou melhor, uma tragédia.
Infelizmente praticamente parei
de dar “conselhos” para os ciclistas, por mais inexperientes que sejam.
Conselho parece ter virado ofensa. “Como você ousa interferir na minha forma de
ser?” Sempre que pego a mochila pesada lembro das ferramentas que levo ali e
que são carregadas para ajudar os outros. Hoje um esforço quase inútil. O ciclista
está caminhando a pé empurrando a bicicleta, mas se recusa a receber ajuda
dando qualquer desculpa. Dar conselho então... Quase não adianta tentar
encontrar o discurso correto para fazer os outros entenderem que o selim está
fora de posição, que precisam reaprender a partir ou parar a bicicleta, que luz
branca piscando na cara de todo mundo e principalmente dos ciclistas é desagradável
e perigoso para todos, principalmente para o próprio ciclista que usa a luz
piscante desregulada. Acerta a cadência... Vira intromissão. “Quem é você?”
Conselho remete a autoridade,
este é o problema. Autoridade? No Brasil?
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