Subir o morro, deitar na relva e
ver as estrelas é mágico. Em São Tomé das Letras, Minas Gerais, a magia é mais
profunda por que as montanhas no fundo do horizonte fazem uma linha suavemente abaulada,
como um vestido grudado ao corpo das curvas de uma bela mulher chamada Terra.
Minha prima Thais contava que além do céu limpo cheio de estrelas viu um fogo
fátuo descendo a rua, apavorante. O pequeno cemitério fica no Centro do
lugarejo e os ventos levam os fogos fátuos e suas almas.
Quando era criança conseguia ver com
clareza as estrelinhas e outros corpos celestes. Outro dia, depois de um forte
vento de final de tarde, tive o imenso prazer de ver que São Paulo ainda tem
estrelas. A luz da cidade e a forte poluição simplesmente roubam este prazer d’alma
que deveria nos pertencer. É muito provável que haja uma geração que nunca
chegou ver um céu cheio de estrelas e constelações, assim como galinha é aquele
bloco de carne congelado no frízer do supermercado. Muita criança digital entra
em pânico frente a uma penosa viva, ciscando e cacarejando.
Mais um pouco faz 40 anos que entrei
num navio cargueiro para uma viagem de 15 dias rumo aos Estados Unidos. Saímos
de Salvador rumo a Macapá para de lá subir sem escalas para Baton Rouge,
capital da Louisiana, Estados Unidos. Depois de passar em alto mar pelas luzes
das cidades litorâneas iluminadas, um traço pontilhado abaixo de um estrelado
quase sem fim, o navio e todos nós nos lançamos ao alto mar, completamente
distante das luzes da civilização. Na época, pela falta de completa confiança no
radar e para facilitar a visão noturna, desligava-se todas as luzes externas do
navio, deixando só as de posição. E ai o céu estrelado aplasta a consciência de
quem se atreva olhar. Somos insignificantes, absolutamente insignificantes.
Nada!
Deitei no teto do navio e lá
fiquei. Por um tempo infinito meus olhos então jovens se adaptaram e mais e mais
estrelas, planetas, corpos celestes, galáxias iam surgindo. Imensidão. Deus; dai
terá saído teu nome, teu conceito, nossos pavores? Somos insignificantes
perante a natureza. Tua ou nossa natureza? Nos cremos algo. Ridículo.
Nos dias seguintes, navegando em
alto mar, sem qualquer referência a vista, a não ser o grande navio, descobri a
fragilidade. Referências, nossa vida vale as referências que temos e levamos em
conta. A galinha vale o cheiro do churrasco e nada mais. Nas refeições nos
reuníamos. Depois sentávamos em silêncio no convés a olhar mar sem fim. A
expressão daqueles homens do mar mudava e respingava nos olhos o medo daquele
monstro vivo em ondas, espumas e fortes correntes submersas, mesmo assim amado,
razão de vida. Aprendi a solidão, sua força, seus ensinamentos, sua sabedoria.
O destino prega peças. O papel no
meio fio me chamou atenção e abaixei para pega-lo. Senti um vento. Quando
levantei a senhora ao meu lado estava lívida. O espelho do ônibus passou por
sobre minha cabeça. Quase. Olhei em volta e todos esperavam como eu, pontas dos
pés no meio fio, para cruzar a rua sem temer os ônibus que zuniam a centímetros
de seus corpos. Referências. Vou pegar a bicicleta. Não me faz qualquer diferença
os carros que passam raspando, como dizem os ciclistas. “Quase...” Quase? Quase
o que? Referências.
Venta forte. Limpou o céu.
Incrível, a quanto tempo não vejo estrelas em São Paulo. Já ia me esquecendo
delas...
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