sábado, 21 de julho de 2012

Honestidade perdida


Tive que dar um tempo a mim mesmo. Estou vivo, tenho estômago e a semana foi um horror de notícias. Há limite para tudo, mas nós, brasileiros, parecemos querer ser medalha de ouro em aprofundar o fundo do poço e criar novos absurdos sociais.

Foi notícia em todos jornais, TVs e rádios, a devolução de R$ 25.000,00 encontrados por um casal de moradores de rua. A honestidade virou notícia, recebeu seus merecidos minutos de fama. Vivemos hoje, neste Brasil do nunca antes, tempos onde honestidade causa espanto. Vale tudo. Eu não sigo novelas, mas dizem Avenida Brasil é um dos melhores textos escritos na história da dramaturgia brasileira. Expõe o que somos, ou melhor, onde chegamos. Onde chegamos? (Sem querer errei a tecla e a grafia e saiu “Onde chagamos?”, que também é uma boa pergunta). O brasileiro é, em sua maioria, honesto; mas nos dias atuais não ‘estamos’ honestos; principalmente honestos com nós próprios.

Também foi notícia, e também não é nenhuma novidade, que o Brasil é um dos campeões em mortes violentas contra crianças e adolescentes. Conta ai só barbárie de trânsito, assassinados, executados...; descarta-se qualquer outra violência, daquelas que matam o ser humano, mas mantém a pessoa viva e aos pedaços, o que é vivido diariamente por milhões. Genocídio físico e moral.

Roberto da Matta, antropólogo da PUC-RJ, deu uma entrevista na TV Cultura sobre seu livro “Fé em Deus e pé na tábua” onde falou sobre o trânsito ser um espelho da condição social. Nada mais óbvio e sensato. João Assumpção, meu caro primo, ponderou que trânsito é um dos sistemas legais mais simples criados pela humanidade e que todos saem de casa conscientes de que vão respeitar ou desrespeitar as leis. Também nada mais sensato e óbvio. Até uma criança pequena sabe que vermelho é para parar e verde é para seguir e que 50 km/h da placa é 50 km?/h do velocímetro. Como nós, brasileiros, (infelizmente) não acreditamos na lei, e (infelizmente) com alguma razão, fazemos o que achamos adequado. Simples. Salve Roberto da Matta!

Ai entra a bicicleta. Brasil sempre teve usuários da bicicleta como modo de transporte; dezenas de milhares sempre fazendo da bicicleta o veículo mais usado do Brasil. Trabalhadores, periferia, pobres, se movimentando principalmente fora do horário de pico do trânsito motorizado. Portanto invisíveis. Inexistentes para o poder decisório que vai trabalhar de carro. Eu próprio fui um deles. Pedalei por mais de uma década numa São Paulo onde bicicleta em bairro chique praticamente só circulava uma vez por ano, no Passeio Ciclístico da Primavera. É fácil entender como os ciclistas pensam. Se eu, ciclista, não existo, porque devo seguir regras? Se não existo para eles, os outros, porque eu, ciclista, devo fazer o que eles mandam? Bem vindos à parte da liberdade que a bicicleta traz.

O ciclista que respeita as regras e leis o faz por causa de sua honestidade, tanto a social como a com consigo próprio. Creio que a própria seja a mais preciosa. Nada como deitar e dormir em paz – literalmente. A maioria de nós (mais de 90% da população) joga neste time; inclusive ciclistas. Bicicleta oferece liberdade, o resto fica pelo bom senso do ciclista. Ou da sociedade.

Honestidade existe. Primeiro passo vencido. O segundo é reconhecimento e respeito. Segue educação, ou treinamento. Passo a passo. No caso do trânsito, em muitos países civilizados o primeiro passo é dado na escola com a ajuda da bicicleta. As crianças são educadas desde muito cedo a pedalar com civilidade. São países com baixíssimos índices de mortalidade no trânsito, portanto com alto índice de honestidade social, que fazem a criança entender que se comportar bem, ou melhor, cumprir as estritas regras, vão ter o direito da liberdade do uso da bicicleta. O resultado é que a relação com trânsito, cidadania e vida será honesta, tranquila, civilizada, pacífica. Funciona maravilhosamente.  

Bicicleta consegue melhorar índices sociais de países ou cidades onde estes índices já são baixos, civilizados, considerados exemplares. Imagine o que não aconteceria se ela, bicicleta, fosse estimulada (com Inteligência) na baderna social que temos nestes dias de nunca antes. Mas eu não me engano com o projeto social deste pessoal que comanda o Brasil do nunca antes é ver todo mundo dirigindo seu carro novo. É isto ai. Muito justo, muito honesto! E eu não tenho dúvida, eles estão certos; bicicleta é coisa de pobre.

Um comentário:

  1. Será que podemos rever a entrevista do sociólogo Roberto da Matta, tem um link para esse programa na internet? Devorei o seu livro citado aqui mas eu nuca vi ele falar!
    Um dos desafio dos ciclistas, eu acredito que é sua valorização. Os ciclistas não podem continuar caindo nessa maneira de pensar que que não modifica a estrutura da sociedade na qual o ciclista não deve ser respeitado porque é pobre. Um primeiro passo talvez é respeitar os pedestres (mais fracos) tanto quanto queríamos ser respeitados por motoristas (mais "fortes"). Caso contrário, ninguém nós respeitará nem os mais fracos...

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