Nestes
últimos anos o Brasil perdeu muito de seu charme. Virou o produto da liberdade
completa de empreiteiras e do setor automobilista. Deu nisto. Nossa cidade,
nossa alma construída, dita “pobrezinha”, como a maioria faz questão de afirmar,
recheada de pequenas casas, sobrados, e algumas construções mais imponentes,
umas poucas coloniais, a maioria em estilo eclético do princípio do século XX,
praticamente desapareceu. Ou está destroçada.
Gente
culta, de fato, que por aqui passou, olhava maravilhada nossa diversidade.
Coisa única no mundo; preciosidade; não aos nossos olhos.
A
massa, independente do nível social, vai para a Europa e fica fascinado com a
arquitetura local. Aliás, no passado já havia acontecido algo semelhante quando
houve a invasão de Buenos Aires. Grandes capitais européias e Buenos Aires em
particular têm uma imponência que realmente impressiona. Assim como as capitais
dos Estados Unidos, em particular Nova Iorque, mas ai com outro espírito e
estilo. O brasileiro de todas as classes sai daqui e como ainda se diz nas
classes abastadas, a elite ou “zelite”, como queira: “Vou tomar um banho de
civilização”. Babam por lá, isto quando as compras e o peso das sacolas
permitem olhar para outra coisa que não seja o chão. E voltam para os
tupiniquins contando vantagens heróicas que só o dinheiro pode trazer, picotado
de desprezo pela própria história. Que vergonha! Como brasileiro tem vergonha de
si, dos seus, de seu país. Precisamos ficar igual, ninguém duvida. Sem isto não
temos futuro. Coisa de personalidade. Ou será caráter?
Uma
das melhores provas desta visão edificante seja a avenida Paulista, símbolo máximo
de fato de São Paulo. Um amontoado de egos de arquitetos e engenheiros,
desconectada entre si, concorrendo entre si, sem unidade, sem urbanidade, sem
ligação, com espaço público comum desconectado, de passagem, como fosse um
mostruário de lojinha de bairro. Está um tanto déjà vu, mas ainda serve como
referência para o futuro do desenvolvimento de toda Brasil. Tudo se faz mais ou
menos igual. Agora os edifícios estão na fase envidraçada. Genial, arquitetura
de país de primeiro mundo, daqueles do hemisfério norte, com latitude bem acima
dos trópicos, clima frio. Genial para um país tropical, de clima ensolarado e
quente. Se quebrar o ar condicionado central, o que acontece, como as janelas
não abrem quem trabalha lá fica alguns meses trabalhando a 32°C até o problema
ser resolvido. Não pode ficar nu, mesmo assim quem não gosta de sauna? Mas é
moderno, chique! Muito chique; deveras chique!
Nossa
arquitetura real vai aos poucos dando lugar a construções imponentes - no
tamanho. Não há regras, os bairros da vez são assaltados por incorporadoras em
nome do progresso. E neste espírito, o dos viajantes, dos complexados, dos
capitalistas pós selvagens, vai tudo para o chão. Um conjunto de casas em construção
colonial na rua Fernão Dias, verdadeiro patrimônio histórico, memória viva do
bairro de Pinheiros, deram lugar a edifícios sem que houvesse um pio contra o
crime. Que crime? Há piores.
Um
imbecil qualquer, que a sociedade dá o direito de falar sobre desenvolvimento
urbano, disse na TV que não há problema neste padrão de crescimento porque o
metro vai resolver todos os problemas. Olhe a foto do movimento na Linha
Amarela, Vila Sonia - Luz, FORA DE HORÁRIO DE PICO e tirem suas conclusões.
Infelizmente
o brasileiro não sabe quem é. “Que país é este?”.
Um
dia este país sonhou com um futuro melhor, com um progresso ordenado, com
cidades civilizadas, vidas melhores, educadas, felizes, sadias, comunitárias. Brasília
é o símbolo máximo deste sonho. Quando criança havia o mesmo respeito e orgulho
pela nova capital do Brasil, recém inaugurada, como por Ouro Preto, Parati,
Olinda, São Luiz do Maranhão e tantas outras cidades históricas. Algumas delas foram
declaradas patrimônio da humanidade e estão minimamente preservadas. Vergonhosamente,
se for comparado a qualquer daqueles países que invejamos. Em qualquer lugar
civilizado a população sabe da importância de preservação por uma questão de
auto-respeito, de referência; e porque não, também para gerar turismo, ou seja,
renda. É inteligente preservar, pelo menos lá fora. Mas fazer o que? Somos
Brasil. E nestes tempos até Brasília está ameaçada de perder o título de
patrimônio da humanidade por falta de preservação. O desmoronamento de 3
edifícios em pleno do Centro do Rio foi um simples acidente. São Luiz do
Maranhão pouquíssimo se fala, apesar de ser o símbolo máximo do desprezo pelo
nosso passado. Fazer o que? Todos nós, brasileiros, aceitamos calados os Sarney
da vida. Montanhas deles... Parabéns!
O
que isto tem a ver com bicicletas? Nada! A bicicleta não tem nada a ver com as
mudanças na cidade. Nada! Cidade e urbanismo nada têm a ver com ciclistas e
pedestres... Desculpe minha ignorância.
O
que importa? A esperança de todos está na ciclovia, como a que está sendo
inaugurada neste exato momento no rio Pinheiros e no sonho de um dia ter bicicletas
comunitárias, como em Paris. Chique, não? É uma simples questão de cultura. Nada
é interligado.
Um
passo atrás: educação. Só educação de qualidade pode nos tirar o complexo de
inferioridade. Que país é este? Como diz um amigo: “O Brasil não precisa de surrealismo”.
A
pergunta que se deveria fazer é o que é progresso? Brasil progrediu? Melhorou?
O que é melhorar? Como se pode fazer uma comparação do ontem e hoje? Será que
os esquecidos de ontem não são os lembrados de hoje com os mesmos problemas
estruturais, mas com carrinho na garagem e TV de plasma na sala?
Será
que este país de carros de vidro escuro circulando e TVs ligadas até em espaços
públicos é socialmente melhor? O que é certo é que isto é resultado desta nova
cidade que todos nós permitimos que surgisse. Esta ai.
O colunista, pelo jeito, tem vergonha de ser brasileiro.
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