terça-feira, 8 de setembro de 2020

Manifesto pró bicicletas entregue aos candidatos de 2008; comentários; o que mudou e não mudou

Soltei uma carta para o Fórum do Leitor do Estadão sobre o texto "A revitalização da agenda urbana". Confesso que quando li esta Opinião do Estadão fiquei bastante incomodado porque o texto coloca o manifesto do CAU/BR como se houvesse novidade. Não há, repetem muito do que foi proposto mais de uma vez, por mais de um grupo, no passado e acabou não dando em nada. 
Da parte dos Jurássicos, no qual me incluo, entregamos em várias eleições para os principais partidos manifestos que eram voltados para a bicicleta, mas não só. Por ironia do destino tivemos repercussão nacional quando a candidata a vice-presidente Rita Camata aceitou participar de uma pedalada, ficou sob minha responsabilidade, não fazia ideia do que era pedalar e no primeiro momento que deixei de olhar para ela, preocupado com os que nos acompanhavam, voou por cima do guidão e estatelou-se no asfalto, com direito a uma sequência maravilhosa de fotos que deu em primeira página de todos jornais. Pensei que eu seria esquartejado pelos responsáveis daquela campanha eleitoral, mas fui recebido como um herói. Rita Camata ficara conhecida em todo Brasil! E a questão da bicicleta também. Vai entender.

Desde 1986 entregamos manifestos pró bicicleta, em todos tive uma mãozinha. Olhando para trás digo que tristemente todos foram muito parecidos. Tristemente porque não acontecia nada. 
Para quem tiver paciência publico o Manifesto pró bicicleta e outros que entregamos em 2008 com comentários.
Mesmo que tenhamos progredido há muito o que reivindicar.  Manifeste-se!

Manifesto para a Viabilização do Uso de Bicicletas e outros Modos de Transporte Não Motorizados para o Município; POR UMA POLÍTICA MUNICIPAL PARA NÃO MOTORIZADOS 
Entregue aos candidatos de 2008


Sobre o número de ciclistas e bicicletas nas cidades brasileiras:

A bicicleta deixou de ser só um meio de lazer, esporte ou brinquedo e se tornou definitivamente uma opção de transporte. 
Comentário: sempre foi modo de transporte entre a população de baixa renda. Já era e diminuiu por conta do acesso a motos

Nestes últimos anos o número de ciclistas circulando pelo Município não pára de crescer, seja por questões de praticidade, economia ou por causa das deficiências do transporte público. Cresce seu uso, independente da faixa etária, sexo, condição social, econômica e da ausência do Poder Público no implemento de melhorias e ordenamento garantido em Lei.
Comentário: Não parou de crescer entre a população de classes médias e ricas. O Poder Público hoje reconhece a questão das bicicletas, o que é bom, mas comete muitos erros desperdiçando ou mal versando verbas públicas   

Há uma imensa demanda reprimida de usuários da bicicleta, o que pode ser comprovado nos fins de semana (em 2008 São Paulo tinha aos domingos sem chuva 1 milhão de ciclistas nas ruas, contra algo em torno de 250 ciclistas/dia de trabalho), quando a frota de bicicletas na rua aumenta sensivelmente. Somente um terço das bicicletas existentes no país saem às ruas. 
Comentário: como trazer mais usuários da bicicleta para lazer ou esporte para o uso no transporte? Esta resposta ainda está no ar. As ciclovias e ciclofaixas acabaram trazendo muitos para a bicicleta, como em todas as partes do planeta e em todas épocas, mas está provado que só isto não basta. O que falta para ter mais ciclistas ou distanciar o pessoal da mentalidade "cidade do automóvel" que é um problema real?

Sobre o traçado urbano e a topografia, e o uso da bicicleta:

O trânsito denso e pesado na cidade está concentrado em avenidas e vias expressas específicas o que cria ilhas de tranquilidade no interior dos bairros, que podem ser usados como excelente opção de caminhos alternativos voltado para ciclistas e outras mobilidades não motorizadas. 
Comentário: A política de popularização de automóveis arrebentou as cidades aumentando exponencialmente os congestionamentos. A dos caminhões baratos criou uma crise sem precedentes no setor de cargas e também dentro das cidades. O ambiente urbano para ciclistas mudou muito desde então.

A desculpa da topografia acidentada não constitui problema tanto porque a maioria das bicicletas é dotada de marchas. o que permite vencer com certa facilidade até aclives acentuados. Isto faz com que o padrão técnico de declividade para uso de bicicletas existentes hoje seja outro.
Comentário: Hoje temos as bicicletas elétricas, mas o ideal seria ter cada dia mais ciclistas do pedal tradicional. Voltando à topografia, se aumentar o número de ciclistas circulando onde a topografia é agradável ou fácil já haverá uma grande mudança. São Paulo como exemplo, que normalmente se diz que a topografia não ajuda, está assentada em três largas bacias de rios: Tiete, Tamanduateí e Pinheiros, que juntas tem mais área que a maioria das cidades do Brasil. Temos que mudar o olhar que temos da cidade. 

A bicicleta é veículo ideal para pequenas e médias distâncias, muito eficiente até 4km. Tem uma média de velocidade urbana entre 12 e 18 km/h, dependendo do número de semáforos. Sua aceleração e manutenção de velocidade tornam incompatível o convívio do ciclista com trânsito de vias expressas. Portanto é dentro dos bairros e suas ruas tranquilas onde há a situação mais apropriada para estabelecer o uso da bicicleta. 
Comentário: Continua sendo ideal para dentro de bairros, mais ainda depois da pandemia. Estimular a economia local mesmo antes da pandemia já era uma saída macro econômica do país. Vários países da Europa têm esta política do interno de bairros ou de distâncias curtas, política econômica e social, até porque combate a violência.

Pensada com inteligência a bicicleta traz notáveis benefícios para o seu usuário, para a comunidade local e para a economia da cidade como um todo. Bicicleta abre as portas para um desenvolvimento urbano mais justo para todos os outros não-motorizados. 
Comentário: não só a bicicleta. Pensar em todas outras alternativas de mobilidade ativa veio para ficar. Não é a bicicleta pela bicicleta, mas é sobre a vida (na cidade)

O uso da bicicleta transforma e educa para a vida. 

A vida do ciclista e dos não-motorizados hoje:
Mudou de "não-motorizados" para mobilidade ativa. Zé Lobo, da ONG Transporte Ativo, sempre colocou restrições ao 

Não resta dúvidas que o uso da bicicleta está e continuará crescendo, independente da presença ou vontade dos Governos, o que positivamente não é uma situação ideal. A conseqüência disto está nas poucas estatísticas que mostram o aumento de problemas.
Comentário: Mobilidades ativas tem que ser política de Estado e não política de governo. A diferença é que política de governo dura o tempo que o governante eleito está no poder, o que aliás é um dos maiores problemas a efetivação de benefícios para a população. Política de estado obriga governos eleitos continuar o benefício público que está sendo realizado. Brasileiros estão exaustos de ver obras paradas, pela metade ou durarem décadas.

O descuido beira o inaceitável.
Comentário: primeiro tenho dúvida que seja descuido; depois inaceitável é pouco. Simplesmente não consigo entender nosso grau de aceitação de absurdos. 

Não é de interesse dos ciclistas e menos ainda de toda sociedade que, por descaso do poder público, haja mais um veículo gerando conflitos em vias que já estão no seu limite. 
Comentário: "mais um veículo" no caso é a própria bicicleta.

Esta situação pode apagar a imagem simpática que a bicicleta ainda tem, o que só faria piorar a situação.
Comentário: E prejudicou a imagem da bicicleta, ou melhor, dos ciclistas; mas não só por responsabilidade dos governantes. Houve um erro grotesco: não educar o ciclista. E não punir.

Pela ordem e o progresso respeitando todos direitos: 

Urge respeitar direitos e cumprir a Lei, fazer presente o poder público em suas obrigações com relação aos ciclistas e todos demais não-motorizados.
Comentário: vivemos no país onde tem lei que cola e lei que não cola, um absurdo total e absoluto. O resto é resto...

É conveniente abrir canais de comunicação e obter colaboração de ciclistas e outros não-motorizados experientes para a solução dos problemas.
Comentário: Este manifesto foi escrito em 2008, quando o que interessava era construir um futuro para a bicicleta, ciclistas e as cidades. Havia diferenças ideológicas, mas nos divertíamos com nossas "brigas" e no final lutávamos em grupo por uma causa comum. A chegada da nova geração de ativistas trouxe uma visão que tem que fazer, não importa como e a que custo, além de uma visão ortodoxa ideológica, tudo junto, o que acabou criando problemas inesperados. 

Quem não usa veículos motorizados se encontra abandonado. É necessário rever a política de transporte para que esta inclua e integre todos os modais de transporte. 

Infelizmente, parece ser necessário lembrar que todo cidadão tem direito à mobilidade, ao compartilhamento do espaço destinado ao trânsito, à saúde pública, à redução de acidentes, à preservação do meio ambiente, enfim, ao respeito e a dignidade. 

É absolutamente impossível continuar negando a existência da bicicleta, do ciclista, do cadeirante, do deficiente, do pedestre e de todos outros não-motorizados. 
Comentário: O número de bicicletas circulando no Brasil era o maior entre todos os veículos porque era o veículo dos mais pobres e de trabalhadores de baixa renda. O que foi feito depois mirou as classes mais privilegiadas. Pouco foi feito para as populações de baixa renda. Interessante que isto aconteceu com discurso de esquerda. 
Até hoje pouco se fez para melhorar a vida dos ciclistas de baixa renda. 

Por uma política de trânsito democrática. 
Pela criação de uma política de mobilidades amplamente inclusiva. 

Pontos básicos de reivindicação: 

Para todos: 
  1. pedestres!: lembrar sempre que nós todos somos pedestres! 
  2. iniciar política voltada para todas as mobilidades. 
  3. respeitar os direitos de menores, idosos e não motorizados (e mulheres, com certeza)
  4. inclusão em curto prazo de pessoas com necessidades especiais (15% da população) 
Para o estímulo ao uso da bicicleta; 
Levantamento geral da situação atual: 
  • Mapeamento feito sob o ponto de vista do ciclista (sob o ponto de vista da cidade) 
  • Campanha Educativa (absolutamente necessária, um crime não educar)
  • Educação para o Trânsito voltada para Crianças e Adolescentes
  • Bicicletários, pára-ciclos e estacionamentos 
  • Criação de órgão responsável pelas bicicletas e não-motorizados para o Município e área Metropolitana 
  • Dar treinamento específico para policiais e técnicos
  • Criação de Polícia-ciclística 
  • Formação de orientadores / professores de segurança ciclistas (Bike Anjos são maravilhosos, mas fazem suas ações com autonomia de posições, o que para a segurança no trânsito não é o ideal. Só se chega a plena segurança seguindo regras que são estabelecidas em cima de dados precisos. Ainda se faz necessário professores / orientadores ciclistas oficiais, ligados ao órgão oficial de trânsito da cidade)    
  • Banco de dados específico (para bicicletas e outras mobilidades ativas. Incluo ai pedestres)
  • Contato com entidades representativas de motorizados 
  • Rever Leis e tomar providências necessárias (rever o CTB pensando na cidade futura. O que está lá foi pensado num tempo que não se sonhava com as perspectivas que se abrem agora)
  • Levar em conta todas alternativas - não restringir se a ciclovias (calming traffic - acalmamento de trânsito urgente! Aliás repensar tudo. Olhar os cenários que se abrem)
  • Planejamento e execução de projeto melhorias: Ciclo Rede (Não só. Repensar tudo. Avaliar qualquer possibilidade)
  • Colocar na rua orientadores / professores de segurança no trânsito voltados para o ciclista comum, que trabalhem pedalando e vivenciando os problemas da bicicleta > educação + pesquisa = banco de dados = segurança = menor custo 
  • Cadastramento e controle imediato das bicicletas profissionais – bicicletas de carga / entrega, definindo responsabilidades. (a Transporte Ativo fez um belíssimo trabalho no Rio de Janeiro que pode servir de parâmetro) 
  • Criar facilidades em estradas que cortam o Município. (Estradas conurbadas são um dos mais críticos problemas de segurança para todas as mobilidades ativas, em especial para ciclistas. É um absurdo não olhar com cuidado este velho drama)
  • Criar áreas de treinamento esportivo (cresceu muito o número de ciclistas esportivos em todo Brasil. Nas cidades grandes se faz urgente dar solução, e um dos exemplos pode ser o que foi feito em São José dos Campos. Ciclovias não atendem o treinamento esportivo, aliás, deixar ciclistas comuns e esportivos no mesmo espaço é um problemão, um risco que vem causando inúmeros acidentes)
  • Definir responsabilidade legal sobre a criança ciclista e uso de calçada 
  • Definir regras de uso em parques e espaços públicos

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