quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Cidades brasileiras, seus sonhos, sua realidade

Houveram sonhos sobre como deveriam ser as cidades brasileiras, muitos; alguns realistas, plausíveis, uns se tornaram realidades pontuais, outros possíveis e necessários nunca saíram do papel. Teve de tudo, inclusive os malucos, que não faziam qualquer sentido, e mesmo assim uns foram em frente e tornaram-se realidade.

São Paulo, quem diria, já foi chamada de "Cidade Jardim" pela quantidade de belos parques que teve. 
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Rio de Janeiro teve jeitão de uma Paris, com uma orla para a Baia de Guanabara muito bem construída, decorada, ajardinada, funcional, e principalmente visitada, vivenciada, aproveitada.

Rio de Janeiro acaba recebendo a Coroa Portuguesa e com isto o progresso, os ares de Europa. A economia do Brasil durante o Império dá um belo salto e o país enriquece, o que reflete nas principais cidades. 
O contato com a Europa se faz cada vez mais constante, o que nos traz referências, em particular de Paris, uma das capitais do mundo de então, que na segunda metade do século XIX foi remodelada, boa parte mandada abaixo e reconstruída sob o comando de Haussmann, abrindo grandes avenidas, retificando ruas e quarteirões, criando uma estrutura de serviços subterrâneos de água, esgoto e energia, organizados e funcionais, o que por sua vez abriu espaço para a construção das primeiras linhas de metro inauguradas em 1900.  
Como nosso sonho europeu vem os artesões, técnicos, engenheiros, quando não a construção completa literalmente, de casas a palácios.
Rio de Janeiro e depois São Paulo mandam abaixo parte de seus passados coloniais para a abertura de imponentes avenidas, mas a reorganização das cidades para nos seus centros.
Por outro lado, como resultado da Guerra do Paraguai surgem as primeiras favelas na Capital Federal Rio de Janeiro, que acabam definindo o futuro não só das cidades, mas de boa parte da população brasileira.
 
Sonhos e upotias: 

Rio de Janeiro o projeto de Le Corbisier, 1923, previa um imenso edifício cortando a cidade. Neles haveriam moradias, comércio, escolas, e sobre a imensa edificação uma via expressa.

São Paulo teve o seu Plano de Avenidas de Prestes Maia, 1933, que pretendia reconstruir o desenho urbano de todo centro, mas não só. Na avenida Nove de Julho no trecho entre a Praça das Bandeiras e o túnel Nove de Julho, sentido bairros, ainda se pode ver nos viadutos espaços laterais e escadarias do que deveria ter sido uma das linhas de metro de São Paulo; 40 anos antes da inauguração da primeira linha em 1973. Previa também o uso do rio Tiete para navegação de transporte de cargas e passageiros. Dentre outras.
No mesmo 1933 era inaugurado o Bairro Apollo, na região sul de Amsterdam, também conhecido como "Escola de Amsterdam", projeto de um prefeito comunista que dá espaço para todos, de todos níveis sociais, em construções padronizadas por uma simples e refinada estética art deco, só diferenciadas pelo tamanho e posicionamento, com comércio nas vias principais, grandes escolas espalhadas, e estádio de esportes. 
Rio Tiete faz um semicírculo

Ponte das Bandeiras

Metro Estação São Bento 1933. Seguia pela Nove de Julho.

Na mesma época São Paulo a companhia City abre novos bairros planejados em seus traçados, Pacaembu, Jardins, City Lapa, nos quais eram vendidos lotes com regras definidas de construção. Estas regras foram respeitadas até mais ou menos a década de 80. Interessante contar que o Clube Harmonia surgiu numa área comum interna do quarteirão, uma praça. No plano original se pode ver o Clube Paulistano também como praça.     

E o Brasil foi crescendo e ficando rico, industrializado, olhando cada vez mais para um futuro e menos para suas origens, seu colonialismo. Boa parte de nosso patrimônio histórico e nossa memória, portanto nossas referências, desaparecem. 

Belo Horizonte com JK ganhou seu Conjunto Arquitetônico da Pampulha (1943) com obras de Oscar Niemeyer, Burle Marx, Ceschiatti e Portinari. 
Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, ganha a dita modernidade depois que foram criados o aterro do Flamengo, inaugurado aos pedaços entre 1955 e 1960, e o alargamento e calçadão de Copacabana com projeto de Burle Marx em 1970.
Brasília, o sonho de Brasília, é inaugurada em 21 de Abril de 1960 com projeto de Lúcio Costa e arquitetura de Oscar Niemeyer, uma revolução urbana para sua época, mas muito vinculada ao sonho do automóvel e de suas indústrias recém inauguradas no Brasil.
O que hoje chamamos de "cidade do automóvel" era então um fenômeno mundial, não exclusivo ao Brasil. Os erros cometidos em nome desta aposta estão por todas as partes, incluindo cidades que atualmente são consideradas modelos de mobilidade ativa dos países mais avançados.

Curitiba foi transformada e organizada pela administração Jaime Lener entre 1971 e 1975 que coloca dentro do plano diretor o transporte coletivo como prioridade para organização das moradias e comércio. Mesmo dando ótimos resultados o legado de Lener e sua equipe foram pouco ou nada usados por outras cidades do Brasil. Mas foram aproveitados com ótimos resultados por Bogotá, Colômbia, por exemplo. Curitiba respeitou um bom plano diretor, o que é raro no Brasil.

As histórias dos sonhos e do desenvolvimento urbano são inúmeras e não raro nebulosas.
Permitiram que fossem construídos edifícios altos de frente para a praia de Copacabana, o que faz com que a circulação de ar no resto do bairro seja prejudicado, causando uma série de problemas inclusive para a saúde dos moradores. E arreia fica sombreada boa parte do dia.
Pelo Brasil afora edifícios foram construídos no meio de tradicionais bairros residenciais com o aplauso da maioria. Pelo interior é comum ver pequenas cidades com um único edifício encravado no meio, o que não faz sentido. Ótimo exemplo está em Andradas, Minas Gerais, com seu Andradas Palace Hotel, por muito tempo um arranha céu isolado que se via de longe destoando. Estes edifícios apontam para privilégios de uns poucos, o famoso "você sabe com quem está falando?" que viria a causar profundas deformações em todas as cidades brasileiras, e não só nas cidades. Em várias cidades estes edifícios foram construídos só para demonstrar poder perante outra cidade, até perante outra vila.

E os projetos que poderiam ter transformado nossas cidades para o bem:
Em São Paulo: Por que e para que foi aberta a av. Faria Lima? Como e por que ganhou o traçado que tem hoje? E a av. Berrine? Faria Lima e Berrine deslocaram do Centro escritórios comerciais, esvaziando o Centro e levando ao abandono que temos hoje. Berrine em particular foi projetada sem levar em consideração a vida dos trabalhadores na hora do almoço e depois do trabalho. 

Ainda em São Paulo, porque não foram para frente os bulevares das avenidas Paulista e JK que realmente poderiam ter dado outro sentido não só a seus bairros, mas para toda cidade? O corredor de ônibus da av. Santo Amaro com seus terminais coletores proposta na administração Covas não só parou, mas foi deformada pela administração seguinte de Jânio Quadros. E os Planos Diretores, tão discutidos, tão desejados? Tanto se falou sobre a nova Barra Funda, foram apresentados projetos, desenhos, vídeos, sonhos... e? Os erros foram muitos e muitos deles tiveram plena aprovação da população.

Fui procurar o Projeto original da ciclovia Ibirapuera - Cidade Universitária USP, que eu sempre soube que eram de Sérgio Luiz Bianco, Adriano e mais alguém que não me lembro o nome, e dei com História dos Estudos de Bicicleta na CET - Meli Malatesta. No meio tem coisa que também pensei que eram de autoria do Projeto Ciclista comandado por Gunter Bantel. Projetos entregues a CET simplesmente não aparecem, e foram tantos.

Olhar para frente e não repetir os erros do passado; será que temos capacidade?

Houveram sonhos sobre como deveriam ser as cidades brasileiras e os sonhos foram água abaixo. Por que? Pode-se dizer que nosso pensamento intelectual não olhou para a nossa realidade. Arrisco dizer que a maioria não fazia a mais remota ideia do que existia do lado de lá, de como era a "cidade" dos pobres que crescia numa velocidade impressionante e sem controle. E um corporativismo feroz, um dos mais devastadores do futuro deste país. Por outro lado, é certo que virou esta baderna porque se permitiu que uns poucos fizessem o que bem entendessem, num quem pode mais chora menos. Para completar é líquido e certo que entre nós mais vale o olho no umbigo que a mão estendida para o coletivo. Salve-se quem puder!

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