sábado, 26 de setembro de 2020

Automóvel, utensílio; vício e poder

O termo "cidade do automóvel" provavelmente é muito mais abrangente que imaginamos. Será que o problema da cidade dos automóveis se restringe só aos congestionamentos, poluição, espaços viários e para estacionamento? Ou, indo só um pouco mais longe, ao direito social da utilização do espaço público e espaço privado de uso público?

Tem algo que me diz ser possível que princípios fundamentais do projeto de um automóvel hoje determinam vários fatores de nossas vidas, mesmo fora de qualquer relação direta com o automóvel e transporte. Para quem não entendeu, o que estou dizendo é que a relação deveria ser os padrões humanos gerando padrões para o carro e não o inverso. Como paralelo, o celular deveria servir as pessoas e não as pessoas ficarem dependentes e terem seu padrão de vida ditado pelo celular. Não é novidade, afinal o livro impresso mudou a humanidade; a TV dissociou a realidade... 

O que acontece quando o utilitário se transforma em comodismo e acaba no mais puro vício?

O melhor instrumento de vendas é o vício. Enquanto é uma simples venda o produto tem que servir ao consumidor; quando passa a ser vício o consumidor passa a servir o produto. A cidade do automóvel é o que? Teoria da conspiração? Quando é de comum acordo não. Exemplo:

Ciclistas insistem em fazer os mesmos caminhos do automóvel, incapazes de olhar em volta e perceber alternativas. A cidade dos ciclistas continua sendo a cidade dos automóveis. O automóvel dissociou a realidade da cidade. Não é o automóvel que dissociou, mas a mentalidade da população que permitiu.

Quem tem poder não muda porque quer, mas porque há uma situação que o força a mudar. Um pai só vai sair do vício do poder que lhe é concedido como como pai pela sociedade (e igreja) quando for inevitável. O caso mais extremo que presenciei foi o nascimento de um filho com síndrome de down que fez que todos valores anteriores, inclusive o poder, fossem exterminados no ato. Vamos ficar com a entrada da filha na adolescência, que para pais inteligentes e sensíveis já impõe grandes mudanças. Com um setor tão poderoso como o automobilístico está acontecendo o mesmo: a sociedade se deu conta que do jeito que está não dá mais. Além disto, a nova geração encontrou uma paixão que mudou conceitos: o celular; e o carro perdeu seu valor. O vício é outro. 

O vício pode mudar, mas os velhos hábitos definitivamente não, principalmente quando se coloca na conta um século de condicionamento comportamental, ou seja, a história do automóvel.

A chegada dos veículos autômatos está levantando uma série de questões sobre a relação entre o automóvel e seu condutor ou usuário. É óbvio que não querem perder seu poder, o que será fácil em sociedades cegas.

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