domingo, 3 de janeiro de 2016

O tempo do silêncio

As ruas continuam vazias, como sempre ocorre depois das noites de Natal e Ano Novo. Melhor dos sonhos para quem tem gosta de paz e simplesmente pedalar. Tão vazia que dá para ouvir os carros de longe e cruzar boa parte dos cruzamentos sem pensar ou mesmo diminuir a velocidade.
Sou de uma época que o trânsito fluía mesmo nos piores congestionamentos e se encontrava vaga para estacionar o carro até na porta da faculdade. Não existia motoboy, tinham uns poucos loucos motociclistas passando correndo e praticamente nenhum ciclista pedalando durante a semana, fora os entregadores e suas cargueiras. Demorou a até chegar ao ponto que meus amigos começaram a ter e usar bicicleta. Caminhei muito e pedalei praticamente só numa São Paulo quase bucólica. Estabeleci uma relação muito especial e particular do pedalar com a paisagem e meu bem estar. A bicicleta me ofereceu longos momentos de silêncio, distanciamento, quase uma meditação sobre a vida maior, a vida da cidade e de suas diferenças; e quantas diferenças!
Veio a primeira onda de moda do mountain bike e eu encontrava amigos pedalando por ai. Sabia de quem era cada uma das bicicletas que circulava na minha área. O trânsito era um pouco mais carregado, mas a noite e nos fins de semana a cidade ficava muito tranquila e pedalávamos horas livres, conversando ou vendo com muita calma a paisagem. A cidade não tinha limites, nem de violência social ou de trânsito. Fora o selim, nosso prazer não tinha limites.
Éramos indivíduos. Tínhamos tempo e isolamento para ser. E éramos coletivos porque tínhamos tempo de sobra para pensar, repensar e avaliar nosso próprio papel e valor como indivíduos na sociedade. Esta construção era lenta, com tempo para respirar, para se dar o direito de sofrer, ser feliz, ou simplesmente viver sem nada pensar. “Desliga”, se recomendava aos mais tensos. Quem já pedalou na tranquilidade total sabe bem o prazer o que é desligar.

Sempre tive inveja de meus amigos que viveram suas infâncias, juventudes e adolescências em bairros onde todos se conheciam. Eram comunidades. A vida estava lá, viva e ao vivo, em frente aos olhos e ouvidos de quem quisesse ou não, ensinando o que a vida realmente é, o que somos. Contato humano, quente, pulsante. A cidade grande era quase um mistério a ser desvendado. Tudo tinha seu tempo. A bicicleta tem uma velocidade e escala de tempo humana.
O tempo hoje é você quem faz. Whatsup! e pronto. O social é você quem faz. Whatsup! Mesenger, Twiter... blimm, chegou mensagem, imediato. Você está dentro ou fora, simples assim, sem meio termo, sem tempo para pensar, dependendo se você está na rede social. Tem um monte de ciclista passando, um monte. Passam pelas ruas que lhes são definidas como seguras, passam rápido, apressados; lá vai a boiada. What’s up? A rota segura, a paz de pedalar na ciclovia. E as ruas ficam para trás pedalando.

Nestes últimos dias tenho guardado distância e tem sido ótimo. Quero entender onde estou. Estava intoxicado de mim mesmo, da minha dificuldade para compreender o que vem acontecendo. É muito bom ver todo este povo pedalando por ai, mas é duro não ter mais minha solidão, meu silêncio. What’s up? Não se dá mais o direito ao outro de ter seu tempo. Neste novo tempo o tempo é coletivo, socializado por todos que estão ligados, plugados, conectados. Tão livre e tão boiada.

Um comentário:

  1. Qta nostalgia!!! Acho q entendi q vc gosta de solidão, mas tb gosta da conversa animada e do riso q rola solto, mas tudo no seu tempo e qdo digo seu, quero dizer no tempo determinado por vc. Tb percebi uma certa discrepância qdo vc diz: " Sempre tive inveja de meus amigos.....no bairro onde todos se conheciam. Eram comunidades. " WhatsApp, tb é uma comunidade e vc pode deixá-la c a cara q vc quer, dependendo das pessoas q fazem parte dessa comunidade e vc pode estar dentro ou fora. Mas é mt bom qdo vc está longe e pode mostrar para as pessoas q vc lembra delas e q sente a sua falta e pode partilhar momentos, enviando fotos ou mensagens. Isso é coisa de quem gosta e sente falta dos amigos. Você é um sonhador e gosto mt das suas histórias, elas me fazem viajar . FELIZ ANO NOVO .

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