quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A autoridade e o mar.

A praia é maravilhosa, isolada, quase virgem, limpa, sem construções a beira mar, só com algumas poucas passagens pelo meio da mata existente entre as ruas e as dunas com vegetação rala. Faz três dias que o mar vem ficando mais agitado e neste fim de tarde estava com ondas altas, picadas, irregulares, difícil para quem só quer nadar um pouco para se acalmar. Não vejo os poucos surfistas que até ontem ainda se arriscavam pacientemente para conseguir pegar ondas “gordas e curtas”, segundo eles. Cruzar a arrebentação, que não acontece muito distante da praia, e sair nadando a favor da correnteza me vai levar para onde está a sequência de bandeiras vermelhas indicando perigo. Nado até onde as ondas da primeira arrebentação param de espumar. Fico só com a cabeça para fora da água subindo e descendo ao sabor das ondas como uma gaivota. Sou levado pela correnteza para a frente das bandeiras vermelhas que somem e aparecem ao sabor das ondas. Fico de costas para a praia olhando as ondas que vem e repasso páginas de Sidarta, de Herman Hesse. Definitivamente minha vida não esta sentada a beira do rio olhando as águas que passam, mas o marejar daquele mar a cada minuto mais agitado vai aos poucos me dando paralelos de meus problemas imediatos, um balançar de respostas que vão trazendo paz. Continuar boiando só vai me levar para onde há mais bandeiras vermelhas.
São três crianças, 10, 8 e 7 anos. Foi um dia particularmente difícil para nós, os mais velhos. As três crianças juntas foram capazes de colocar em prática um ‘complô’ contra o pai, a avó e eu, que não sou nada ali, segundo eles próprios. Chegaram a beira do desrespeito. Ou chegaram ao completo desrespeito premeditado. Não sei mais, aliás, não sei mais nada, afinal são crianças, não fazem ideia do fio da navalha que há entre a gozação e o escárnio. Não sabem o que é escárnio, mas tem uma facilidade incrível de pratica-lo. Não fui pai, não sei quanto se deve esticar a tolerância; sou de uma outra geração onde o respeito social era princípio essencial. Sou de outro tempo, esta é a única dúvida que não me resta. Nestes últimos dias conseguimos pelo menos evitar que sentem à mesa jogando nos tabletes ou lendo gibis. Na casa deles os pais permitem. Algum controle a qualquer preço tem preço. Ontem pela manha uma vizinha comentava que seu filho de um pouco mais de um ano só senta a mesa se estiver com um celular na mão, que sabe que é um erro, mas permite; e que o marido fica furioso. Pequenos mal hábitos, pequenas concessões, grandes estragos ou pitadas de liberdade? Liberdade? Duvido. As três crianças de casa dificilmente respondem quando eu e a avó perguntamos algo. Somos serviçais e devemos, de preferência, ser invisíveis. Me sinto mal como se comunicam com os pais. Praticamente fazem o que querem. Eu não devo estar louco, talvez tenha algum direito que achar anormal. Ontem passaram uma longa reportagem na Globo justamente sobre este problema de crianças, melhor dizendo pais, que não tem ou dão limites com estes aparelhos.
Ainda subindo e descendo ao sabor das ondas do mar vejo que tudo está a cada minuto mais agitado aqui assim como lá no apartamento. Dou braçadas fortes e vou para o raso. Fico em pé nas minhas próprias pernas e saio andando, meio desequilibrado com as ondas que ainda me pegam pelas costas. Saio d’água, cruzo a arreia, subo o primeiro trecho de duna, paro e olho em volta. A praia está linda, já contornada pela delicada névoa amarelada que vai chegando suavemente com o por do sol. O mar está muito agitado, se vê mesmo de longe, mas lá dentro me senti uma gaivota. Tenho que abrir as asas e voar.
Volto ao apartamento e as crianças estão surpreendentemente tranquilas vendo Forest Gump. Tereza conseguiu controlar a situação, não faço ideia como. Me pergunto quem sou eu e qual o valor de meus valores. As ondas do mar não são as mesmas nem nunca serão. Consigo boiar com muita facilidade, mas por mais que me esforce parece que estou destinado a morrer com a inflexibilidade de um pau que desce com a correnteza. Pau de chuva? Ou estou errado? Que Brasil é este?


Leiam a notícia que Thiago Benicchio, do ITDP, fala sobre os problemas das ciclovias de São Paulo. Estarei errado? Que cidade é esta?

Nenhum comentário:

Postar um comentário