Pelo meio da praça cheia de
crianças, bebes, cachorros, soltos, pais despreocupados, velhos e velhas
conversando, alguns sentados outros em pé, alunos de escola ainda vestindo uniformes
brincando, cruzam correndo e olhando para trás dois adolescentes rindo. Atrás
deles vem um jovem casal, também adolescentes, passo apressado e firme e reclamando.
“Vamos falar com a polícia” diz a menina. Ao encontro dos adolescentes que
terminaram de cruzar a praça e estão caminhando na rua em frente segue mais um
adolescente magro e alto falando, rindo e um tanto preocupado com alguma
situação deixada para trás. Ele para, vira e aponta, rindo, para os próprios
olhos desafiando alguém que está de olho. Ninguém na praça está preocupado, percebe
ou se dá conta da situação. Parecem jovens brincando, como é normal. Os dois
adolescentes que passaram correndo voltam ao centro da praça e juntam-se ao que
ri e desafia. Conversam um pouco, rindo, e caminham de volta para a rua.
Os três jovens sentados no mesmo
banco onde estou param de conversar e passam olhar para a outra rua com uma
leve preocupação, o que me faz olhar na mesma direção. Vejo a porta direita de um
carro de polícia abrindo e um policial saindo atrás dos três adolescentes. Todos
disparam pela rua e lá na frente dobram a esquina. O carro de polícia sai
também atrás, sem fazer alarde.
Tudo acontece sem que a vida da
praça mude. Não há um sinal sequer de anormalidade. Crianças, bebes e cachorros
continuam livres e soltos, os pais despreocupados, velhos e velhas seguem suas
conversas, nas bordas da praça muita gente está sentada nas mesas de rua das
cervejarias. O pequenino segue girando pela praça com sua bicicleta sem pedais seguido
por sua mãe que empurra o carrinho de bebe com sua irmãzinha que dorme. Uma
bola cruza o ar e cai mais uma vez dentro do chafariz...
Aqui o normal é normal.
A dois quarteirões dali, a rua
principal do bairro, uma avenida estreitada e muito bem reurbanizada, vive a
mesma situação de absoluta tranquilidade, com a população desfrutando da vida
coletiva na cidade. Os velhos amigos, bem velhos, estão sentados num longo
banco que fica entre dois parquinhos de brinquedos para crianças pequenas. Noutro
banco em paralelo com a rua está um grupo de cinco adolescentes. Um pouco a
frente é um estacionamento de motos e scooters. O trânsito da rua é intenso,
assim como o trânsito de pedestres que passam, fazem compras ou buscam um lugar
para tomar um café ou uma cerveja sentados nas mesas da calçada. É uma massa de
cidadãos felizes aproveitando a vida.
Esta é a Madri dos madrilenos.
Sai da Madri para os turistas, que não é só para turistas, mas para todos; e
todos a desfrutam por igual. Passei por um longo calçadão comercial. Mistura-se
ai de tudo, de distintas senhoras aposentadas a inconfundíveis jovens putas, de
blue collars a mendigos, de crianças soltas a ciclistas costurando com certo
perigo a multidão. Onde quer que seja, por praticamente toda Madri, multidão.
Tranquilos, felizes, vivendo. É normal.
É literalmente deprimente a baixa
qualidade de vida que estamos tendo no Brasil. Nossas cidades não merecem ser
assim chamadas. São praças de guerra, mesmo nos lugares mais tranquilos, menos
violentos. Menos violentos – ridículo, ridículo, ridículo! Anormalidade não é
normal.
Nestes anos de economia
estabilizada brasileiros viajaram muito para fora. Saem do Brasil e fazem um
turismo essencialmente de compras. Paupérrimo, imbecil, mesquinho, inútil,
imprestável. A maioria não aprendeu absolutamente nada sobre civilidade. Zero.