sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A família de bicicleta

Saímos de casa muito cedo em um feriado prolongado. Cruzamos uma cidade vazia, silenciosa, com um pouco de névoa, que não terminava mais. Eles não sequer estavam acostumados a ir tão longe dentro da própria cidade. Imagine só; a estrada nem havia começado. Eu estava tranquilo por que já conhecia esta saída e a ansiedade interminável de chegar na estrada para pedalar no acostamento com o cheiro do verde. Pouco depois de entrar na estrada paramos no primeiro posto e fomos tomar café. Até ali havia sido quase uma hora e meia de pedal e a cara do Zé e de Cristina mostravam uma mistura de prazer, incerteza e apreensão. Zé sorria o tempo todo e de vez em quando nos encarava e ria alto. Nervoso divertido.

Bateram os três cafés com leite e as médias com manteiga no balcão. A conversa era esparsa e trivial; frio, névoa, acordamos cedo, o bêbado voltando para casa...,como se fosse importante desviar da conversa o longo dia de pedal que teríamos pela frente. Cristina deu as costas e foi ao banheiro e Zé olhou um pouco mais sério, mas com seu sorriso incessante, e só ai perguntou “falta muito?”. Brinquei com ele, dos três o que menos prática tinha com bicicleta, se a Cristina estava indo muito rápido. Ele de uma risada alta e silenciou. Sacanagem minha.

O primeiro trecho da viajem sempre é o mais duro. O corpo ainda não está no espírito da longa pedalada. As pernas demoram a soltar para conseguir despistar a pesada ansiedade. Um pouco mais para frente, já em forma, o selim se faz presente. Esquecemos dele quando o rebolado cansar. E mais uma dezena que quilómetros a viagem realmente começa a mostrar seus plenos prazeres. O voo da bicicleta pelo asfalto liso vai engolindo a paisagem cada momento mais leve e bucólica, a diminuição do barulho dos carros, caminhões e ônibus que passam, e a leveza de espírito finalmente toma conta do ciclista. Pelo menos dos experientes. É um pouco sofrido para os novatos, mas o prazer da descoberta apaga o resto.

Cristina pedala com a leveza de uma menina, que então é. Alta, magra, bela e imponente, perfeitamente encaixada na bicicleta, com uma cadência de pedal quase perfeita, posso vê-la à frente com sua cintura fina e cabelos lisos e longos ao vento. É a pincelada final daquela paisagem. Lá no começo da estrada fiz o erro de colocar meu ritmo para todos e cansei o Zé desnecessariamente. estamos no ritmo de Cristina, bem mais tranquilo, mas Zé vem atrás, perto, e só sorri quando vê que estou olhando para trás com certa preocupação.

“Esta bicicleta é mais pesada que a sua”, diz Zé para mim. “São idênticas”. “Então são estas subidas”, replica ele rindo. Um pouco mais a frente cruzamos com uma família inteira numa bicicleta vindo de frente. O pai pedala com uma filha de uns seis anos entre as pernas, a mãe está sentada no bagageiro com uma criança de colo nos braços. Estamos todos sozinhos na estrada e é possível ouvir o rodar dos pneus grossos da bicicleta da família terminando a descida e iniciando a subida. Eu chamo a atenção de Zé e Cristina para a cena. Zé está emparelhado comigo. Olha o pai iniciando a longa subida sem sequer mexer o tronco. Pedala o peso da bicicleta e de toda família com as pernas sem reclamar. Torcemos o pescoço para acompanhar a longa subida que é feita no mesmo ritmo e sem parar. Agora estamos nós subindo. Zé olha para mim e como sempre sorri, praticamente ri. “Este cara está de brincadeira comigo. Foi você que mandou ele passar por nós. Não reclamo de mais nada”. Caímos na gargalhada e seguimos em frente. Cristina segue na frente quase impassível. Nosso caminho ainda é longo.

2 comentários:

  1. Olá Arturo, tudo bem?
    Comecei a acompanhar seu blog, que é muito interessante, pois sou estudante de Ciências Sociais na UFRGS e estou fazendo meu TCC sobre o uso de bicicletas em Porto Alegre, que felizmente a cada dia aumenta mais, bem como tudo o que envolve seu uso, implantação de novas ciclovias, estações de aluguel de bicicletas, aumento na participação das pessoas nos passeios ciclísticos e movimentos cicloativistas, utilização da bicicleta como meio de locomoção ao trabalho.. abraços

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    1. Danielle, boa tarde. Precisando de algo me escreve, mas no arturoalcorta@uol.com.br

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