Um bobcat, pequeno
trator de serviço leve, ia cruzando a rua e a ciclovia de lá para cá, de cá
para lá, descarregando o caminhão parado do outro lado da rua e ciclovia. A
medida que os ciclistas se aproximaram o condutor do bobcat subiu na entrada de
carros da casa, girou o pequeno trator para ficar de frente e poder ver os
ciclistas que iriam passar e antes da chegada deles cortou o motor para os deixar
passar com a máxima tranquilidade possível. Os ciclistas cruzaram o bobcat, se
afastaram um pouco e só então o condutor acionou o motor do pequeno trator e
voltou a trabalhar.
No Aroma, de uma rede
concorrente ao Starbucks, o jovem funcionário estava recolhendo pratos, xicaras
e outros das mesas, e colocando tudo no carrinho de com muito cuidado, sem
bater nada, preocupado em não fazer barulho e perturbar os clientes sentados ao
redor.
No meio de uma rua
estreita passei entre dois mendigos que conversam fechando o caminho. Eles veem
minha aproximação e abrem o caminho gentilmente. Um deles me cumprimenta “boa
noite, senhor” e respondo. Ele tem na mão direita uma garrafa de bebida
alcóolica, que tem consumo proibido no meio da rua. Quando percebe seu erro
imediatamente buscou esconder a garrafa atrás do corpo; sorriu desapontado e
preocupado com seu erro, como se pedindo desculpas e compreensão. Parei na
esquina, próximo aos dois e pude ouvir a conversa em espanhol. O que está com a
garrafa de bebida na mão orienta o outro a lidar com os policiais. O novato
estava dormindo no gramado de uma praça, o que não é permitido, e foi retirado
por um policial. Não tinha gostado da história, mas também não mostrava raiva. As
praças verdes, ajardinadas, impecáveis. O da bebida, experiente, diz que tem
que obedecer a policia, que é boa forma de viver bem nas ruas. Não há ressentimento
no tom de voz dos dois; só constatação dos fatos.
Foram preservadas boa
parte das construções em art deco. Miami Beach, que eu não sabia, é uma cidade
independente. Sabe que sua sobrevivência depende da preservação de sua história;
dai seu turismo. Infelizmente há uma quantidade grande de edifícios altos, grandes,
e modernos, um deles na ponta da cidade, é um aborto, um monumento à idiotice que
destoa de tudo. Faço um paralelo com a cidade de Santos, de arquitetura riquíssima,
mas que não sabe tirar proveito. O turismo brasileiro tem números ridículos.
O Centro de Miami está
praticamente irreconhecível, com uma linha de frente de edifícios altos e
modernos, mas continua muito agradável. Basta procurar a cidade, não as lojas.
Brasileiro não sai das lojas, mas os nativos daqui dizem que a nossa festa
diminui muito, quase parou.
É difícil pedalar por
que o calor e umidade são muito altos. Pedalei com uma bicicleta comunitária
aqui em Miami Beach, pesada, mas roda bem, como todas outras. Fui até as 3 ilhotas
residenciais que pontuam o velho caminho de pequenas pontes que fica entre Miami
Beach e o Centro de Miami. Local simplesmente chique que remete ao Guarujá dos
anos 60.
Não dá para ficar pedalando
debaixo deste sol o calor infernal. Tenho circulado num Ford híbrido, a
gasolina com assistência de motor elétrico, que é ótimo. Indo com calma ele
praticamente não usa o motor a combustão. O silêncio do motor elétrico é
mágico.
Bem ao sul de Miami, em
Pinecrest Gardens e Cutler, que é maravilhosamente arborizada, vem de novo a horrível
sensação da pobreza de nossos ricos brasileiros. Uma coisa é mostrar-se rico, mesmo
com dinheiro grosso, outra é ser rico. E riqueza tem pouco ou nada a ver com a
histeria patética que temos por ai. Nossas confusões sociais começam pela
distorção que vem de cima.
Comemos pela segunda
vez em um restaurante italiano, Fratelli la Bufala. Comida perfeita. Falei
sobre a péssima qualidade da maioria das cantinas paulistanas, que não passam
de enganação para dessedentes que perderam suas raízes. Desde quando qualquer
italiano que se preze faz ou come uma pasta mole, passada do ponto?
Se conto estas
histórias no Brasil vão dizer que estou virando besta. Pena. Eu não acho. Só
gostaria que meu país, meus compatriotas, nosso futuro, fosse construído da
melhor forma possível. Se você fala sobre os problemas é besta. Se deixa as
coisas desandarem é um imbecil.
A quantidade de
bicicletas por todas as partes é bem grande. Infelizmente, tem um monte de
ciclista circulando pela calçada, que são lisas e limpas. Mesmo aqui, onde o
trânsito dos carros é muito organizado, ciclista é um caso a parte, faz mais o
menos o que quer, vai por onde bem entende. É muito fácil pedalar no meio do
trânsito. Limite de velocidade é seguido à risca. O máximo que encontrei foi
45milhas/h em vias expressas. Avenidas 35milhas/h, ruas 30 ou 25m/h. Na frente
de escolas, com luz piscando, é 15 milhas/h, ou literalmente parado. E no sinal
de ‘pare’ todo mundo para mesmo, aqui no centro, ou na área rural a 30 km do centro,
por onde passei. Os ciclistas circulam com tranquilidade. Só em raros trechos
há ciclovia ou ciclofaixa, no demais o ciclista vai junto.
Só para saber: aqui,
em Miami Beach, até os motociclistas tem o direito de conduzir suas motos sem
capacete. Interessante.