terça-feira, 6 de março de 2012

Juliana: mais uma

Os números oficiais e uma conclusão besta.

Nos últimos 10 anos pararam no IML paulistano mais de 6.000 pedestres. Os mesmos números dão conta que hoje temos um pouco mais de 60 ciclistas mortos por ano. Fazendo a regra de 3 é possível concluir que dentro 100 anos as autoridades competentes vão tomar alguma providência em relação a segurança dos ciclistas.

A brincadeira, aparentemente de mau gosto, tem lá seu sentido.

O pouco que foi implantado até hoje é praticamente todo voltado para lazer. Ciclista que se transporta, que é quem está mais exposto às tensões do trânsito, continua largado à própria sorte. O maior progresso que tivemos foi o fato de que as próprias autoridades terem percebido que a quantidade de ciclistas apontada pela OD Metro está muito abaixo da realidade. Ninguém sabe ao certo quantos ciclistas circulam nos dias de semana pelas ruas de São Paulo, mas todos concordam que está crescendo rapidamente. A morte de Márcia, que chocou a cidade, não diminuiu o ritmo de crescimento, e não será a morte de Juliana que o fará.

Eu já cheguei ao ponto de acreditar que o caminho é investir unicamente na educação e deixar de lado planos mirabolantes de ciclovias, ciclofaixas e outros. Duvido que o façam porque educação é planejamento para longo prazo e absolutamente invisível aos olhos do eleitor. Ademais há um problema de cultura das próprias autoridades, que em boa parte são xucros. 




Juliana

Diferente do acidente da Márcia, quando consegui falar com policiais que trabalharam no processo, o pouco que sei sobre o acidente de Juliana Ingrid Reis é o que está escrito nos textos publicados na Internet. E segundo depoimentos de testemunhas colhidos por estes, Juliana perdeu o equilíbrio depois de tirar a mão do guidão para argumentar com um dos motoristas envolvidos no acidente.

Infelizmente não temos uma polícia técnica com condição de trabalho ideal que permita saber exatamente o que houve. Acredito que a única saída para nossa guerra civil, sim, guerra civil, está na lei, no legalismo. Me recuso a apontar culpados, me recuso a linchar.




“Qualquer veículo mal conduzido é perigoso” – Luiz Dranger.

Sou guia de passeios desde 1988 e ensino quem não sabe pedalar a mais de 8 anos. Não tenho a menor dúvida que a maioria dos acidentes envolvendo bicicletas decorre do erro do próprio ciclista. Não é uma luz empírica de minha cabeça, mas o que os números internacionais apontam isto. Repetindo, como sempre: mais de 50% dos acidentes é responsabilidade direta do ciclista e em 90% dos casos o condutor (de qualquer veículo) tem alguma responsabilidade sobre o ocorrido.

No atual fenômeno do crescimento do uso da bicicleta pela classe média brasileira fica claro que há um grave problema na forma de condução destes novos ciclistas. Os erros vão desde bicicleta inapropriada para o uso, o mais comum, passando pelos vícios trazidos da condução do automóvel ou moto, e terminando na natural falta de prática, maturidade ciclística. O pior deles talvez seja acreditar que é um ciclista só porque consegue equilibrar a bicicleta. A tradicional classe média está passando por uma crise de identidade pesada que bate até na questão da bicicleta, mas é ir muito longe.



Escolha: conflito ou paz?

É absolutamente certo que quem briga no trânsito está muito mais suscetível a cometer erros ou sofrer acidente. É absolutamente básico em segurança geral, não importa se de trânsito, trabalho, caseira, ou onde quer que seja. Aumentou a tensão, aumentou o risco. Um mais um são dois.

Estimular para o conflito é absolutamente improdutivo, a história está farta de provar isto, mas há quem ainda acredite que é a única saída. Inocência, imaturidade, falta de cultura ou burrice mesmo? Um pouco de cada e todos juntos, mas normal em um país em guerra civil não declarada como o nosso.



Controle social, multa e educação

Desculpem os inocentes, mas sem controle social, sem punição e sem educação não se vai a lugar nenhum. Aliás, vai: se chega aos bairros das gangues, do tráfico, da violência. Anarquismo, não é o que maioria delira, definitivamente não é. Anarquismo para valer, com “A” maiúsculo, depende de uma sociedade altamente educada, muito responsável e, por consequência, com uma noção claríssima de coletividade. Completamente diferente da mediocridade que está por ai.

Trânsito e baderna mata. É simples. Ponto final. O contrário é disciplina no trânsito, que oferece segurança, tranquilidade e salva vidas. O Brasil não está preparado para esta entender esta diferença, principalmente agora que todos ganharam carro “quase de grátis”. “Liberô geral”. Foda-se a cidade, foda-se a vida.

Não conheço o orçamento da CET, mas a sensação que dá é que o investimento em educação para o trânsito é pífio. O que há está longe de ser o necessário. E não gosto do teor do programa implantado para pedestres. Gostaria de ouvir os criadores do programa para entender sua pedagogia, mas duvido que eles queiram vir a público.



Recomendação simples:

Por causa da minha prática com ensinar a pedalar eu recomendaria que se ensinasse a parar os veículos, o que a maioria dos condutores, principalmente motociclistas, faz mal. Tirar o pé ou a mão do acelerador é algo que não passa pela cabeça do pessoal. A diferença de tempo ai é grande e muda todo cenário de perigo.





Av. Paulista

Como fizeram a reforma da av. Paulista sem pensar nos ciclistas o mal já está feito. Só um cego não consegue ver a quantidade de ciclistas que passa por ali. Não dá para acreditar que simplesmente “esqueceram”. 

Não há outro caminho tão reto, plano e natural para o ciclista. As paralelas são mais estreitas, não são planas, estão saturadas, tem um trânsito que vai aos trancos, tem menos luz, há uma grande variação de sombra e luz,  situações pouco apropriadas para ciclistas.

A av. Paulista está congestionada boa parte do tempo. Gostaria de saber qual é a velocidade média dos carros e dos ônibus. Não deve estar longe da do ciclista. Talvez ai esteja a solução. Em Paris vários trechos de avenidas são partilhados entre bicicletas e ônibus, praticamente sem conflitos. Não sou estúpido, sei que há diferenças fundamentais, que são propositadamente exageradas em nossas pastagens, mas nada que creio seja impossível de resolver, pelo menos em São Paulo. O não reconhecimento do legado da CET por ela própria sempre aparece rapidamente quando os próprios não estão afins de algo. Nestas horas deixamos de ser todos humanos e os motoristas paulistanos passam a categoria de bestas do apocalipse.

O que nos falta?

·         Os ônibus parisienses são automáticos. O nível de ruído na cabine é muito menor que o dos nossos. O motorista é autoridade máxima dentro de seu veículo, o que faz uma brutal diferença no equilíbrio emocional do próprio motorista. Ele trabalha resguardado por uma meia cabina, que com um simples levantar de um vidro o deixa completamente isolado. Há policiais em bicicleta coibindo para valer, com multa imediata, qualquer invasão de motorista na faixa exclusiva dos ônibus. A sinalização viária é farta. O pavimento não tem buracos. O motorista dirige muito menos estressado e só trabalha por 7 horas diárias, máximo.

·         Julgar que o motorista de ônibus paulistano nunca conseguirá chegar ao nível de qualquer motorista de primeiro mundo é ter muita má vontade ou, pior, má fé. Pior, é não reconhecer o trabalho destes homens, o que é uma sacanagem.

·         Pela quantidade de pessoas circulando na Paulista os motoristas deveriam ter um critério de escolha e treinamento específico. Creio até que já haja algo neste sentido, mas se houver precisa ser aperfeiçoado. E de preferência manter sindicatos e outras corporações fora do jogo. Vai dirigir na Paulista e em outras vias específicos que tiver cacife para tanto. Meritocracia, meus caros, meritocracia. Um valor ainda complicado para brasileiros, mas garanto que meritocracia faz bem para a saúde geral da nação.

Tem gente que simplesmente acha impossível....




Pão e circo

Política é feita no reflexo do balanço das boas e más notícias. Numa situação crítica como a esta, de morte de uma menina na Paulista, entra no jogo especialistas em comunicação de emergência, com técnicas velhas conhecidas, para apagar o incêndio. Normalmente apagam com poucos danos colaterais, principalmente aqui no Brasil que a memória é curta. Basta dar presentes ao público e bater forte na divulgação de meio verdades. É a cabeça esmagada do ciclista em contrapeso da ciclo faixa de domingo. Bato uma aposta que ganha de lavada o lazer.










Julgamento

Bato uma aposta que quando alguém for julgado, por este nosso fantástico sistema de justiça, e condenado o demônio terá sido colocado atrás das grades e o caso encerrado. Lincha, lincha, lincha!!!! Assasssino!!!

Praticamente não foi tirado nenhum proveito da morte de Márcia, como bato aposta que não será tirado da morte de Juliana. Transitado, julgado, caso encerrado!

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