Nos últimos 10 anos pararam no IML paulistano mais
de 6.000 pedestres. Os mesmos números dão conta que hoje temos um pouco mais de
60 ciclistas mortos por ano. Fazendo a regra de 3 é possível concluir que
dentro 100 anos as autoridades competentes vão tomar alguma providência em
relação a segurança dos ciclistas.
A brincadeira, aparentemente de mau gosto, tem lá
seu sentido.
O pouco que foi implantado até hoje é praticamente
todo voltado para lazer. Ciclista que se transporta, que é quem está mais
exposto às tensões do trânsito, continua largado à própria sorte. O maior
progresso que tivemos foi o fato de que as próprias autoridades terem percebido
que a quantidade de ciclistas apontada pela OD Metro está muito abaixo da
realidade. Ninguém sabe ao certo quantos ciclistas circulam nos dias de semana
pelas ruas de São Paulo, mas todos concordam que está crescendo rapidamente. A
morte de Márcia, que chocou a cidade, não diminuiu o ritmo de crescimento, e
não será a morte de Juliana que o fará.
Eu já cheguei ao ponto de acreditar que o caminho é
investir unicamente na educação e deixar de lado planos mirabolantes de
ciclovias, ciclofaixas e outros. Duvido que o façam porque educação é
planejamento para longo prazo e absolutamente invisível aos olhos do eleitor.
Ademais há um problema de cultura das próprias autoridades, que em boa parte
são xucros.
Juliana
Diferente do acidente da Márcia, quando consegui
falar com policiais que trabalharam no processo, o pouco que sei sobre o acidente
de Juliana Ingrid Reis é o que está escrito nos textos publicados na Internet.
E segundo depoimentos de testemunhas colhidos por estes, Juliana perdeu o
equilíbrio depois de tirar a mão do guidão para argumentar com um dos motoristas
envolvidos no acidente.
Infelizmente não temos uma polícia técnica com
condição de trabalho ideal que permita saber exatamente o que houve. Acredito
que a única saída para nossa guerra civil, sim, guerra civil, está na lei, no
legalismo. Me recuso a apontar culpados, me recuso a linchar.
“Qualquer veículo mal conduzido é perigoso” – Luiz Dranger.
Sou guia de passeios desde 1988 e ensino quem não
sabe pedalar a mais de 8 anos. Não tenho a menor dúvida que a maioria dos
acidentes envolvendo bicicletas decorre do erro do próprio ciclista. Não é uma
luz empírica de minha cabeça, mas o que os números internacionais apontam isto.
Repetindo, como sempre: mais de 50% dos acidentes é responsabilidade direta do
ciclista e em 90% dos casos o condutor (de qualquer veículo) tem alguma
responsabilidade sobre o ocorrido.
No atual fenômeno do crescimento do uso da bicicleta
pela classe média brasileira fica claro que há um grave problema na forma de
condução destes novos ciclistas. Os erros vão desde bicicleta inapropriada para
o uso, o mais comum, passando pelos vícios trazidos da condução do automóvel ou
moto, e terminando na natural falta de prática, maturidade ciclística. O pior
deles talvez seja acreditar que é um ciclista só porque consegue equilibrar a
bicicleta. A tradicional classe média está passando por uma crise de identidade
pesada que bate até na questão da bicicleta, mas é ir muito longe.
Escolha: conflito ou paz?
É absolutamente certo que quem briga no trânsito está
muito mais suscetível a cometer erros ou sofrer acidente. É absolutamente
básico em segurança geral, não importa se de trânsito, trabalho, caseira, ou
onde quer que seja. Aumentou a tensão, aumentou o risco. Um mais um são dois.
Estimular para o conflito é absolutamente
improdutivo, a história está farta de provar isto, mas há quem ainda acredite
que é a única saída. Inocência, imaturidade, falta de cultura ou burrice mesmo?
Um pouco de cada e todos juntos, mas normal em um país em guerra civil não
declarada como o nosso.
Controle social, multa e educação
Desculpem os inocentes, mas sem controle social, sem
punição e sem educação não se vai a lugar nenhum. Aliás, vai: se chega aos
bairros das gangues, do tráfico, da violência. Anarquismo, não é o que maioria delira,
definitivamente não é. Anarquismo para valer, com “A” maiúsculo, depende de uma
sociedade altamente educada, muito responsável e, por consequência, com uma
noção claríssima de coletividade. Completamente diferente da mediocridade que
está por ai.
Trânsito e baderna mata. É simples. Ponto final. O
contrário é disciplina no trânsito, que oferece segurança, tranquilidade e
salva vidas. O Brasil não está preparado para esta entender esta diferença,
principalmente agora que todos ganharam carro “quase de grátis”. “Liberô
geral”. Foda-se a cidade, foda-se a vida.
Não conheço o orçamento da CET, mas a sensação que
dá é que o investimento em educação para o trânsito é pífio. O que há está
longe de ser o necessário. E não gosto do teor do programa implantado para
pedestres. Gostaria de ouvir os criadores do programa para entender sua
pedagogia, mas duvido que eles queiram vir a público.
Recomendação simples:
Por causa da minha prática com ensinar a pedalar eu
recomendaria que se ensinasse a parar os veículos, o que a maioria dos condutores,
principalmente motociclistas, faz mal. Tirar o pé ou a mão do acelerador é algo
que não passa pela cabeça do pessoal. A diferença de tempo ai é grande e muda
todo cenário de perigo.
Av. Paulista
Como fizeram a reforma da av. Paulista sem pensar
nos ciclistas o mal já está feito. Só um cego não consegue ver a quantidade de
ciclistas que passa por ali. Não dá para acreditar que simplesmente
“esqueceram”.
Não há outro caminho tão reto, plano e natural para
o ciclista. As paralelas são mais estreitas, não são planas, estão saturadas,
tem um trânsito que vai aos trancos, tem menos luz, há uma grande variação de
sombra e luz, situações pouco
apropriadas para ciclistas.
A av. Paulista está congestionada boa parte do
tempo. Gostaria de saber qual é a velocidade média dos carros e dos ônibus. Não
deve estar longe da do ciclista. Talvez ai esteja a solução. Em Paris vários
trechos de avenidas são partilhados entre bicicletas e ônibus, praticamente sem
conflitos. Não sou estúpido, sei que há diferenças fundamentais, que são
propositadamente exageradas em nossas pastagens, mas nada que creio seja impossível
de resolver, pelo menos em São Paulo. O não reconhecimento do legado da CET por
ela própria sempre aparece rapidamente quando os próprios não estão afins de
algo. Nestas horas deixamos de ser todos humanos e os motoristas paulistanos
passam a categoria de bestas do apocalipse.
O que nos falta?
·
Os ônibus parisienses são automáticos. O nível de ruído na cabine é
muito menor que o dos nossos. O motorista é autoridade máxima dentro de seu
veículo, o que faz uma brutal diferença no equilíbrio emocional do próprio
motorista. Ele trabalha resguardado por uma meia cabina, que com um simples
levantar de um vidro o deixa completamente isolado. Há policiais em bicicleta
coibindo para valer, com multa imediata, qualquer invasão de motorista na faixa
exclusiva dos ônibus. A sinalização viária é farta. O pavimento não tem
buracos. O motorista dirige muito menos estressado e só trabalha por 7 horas diárias,
máximo.
·
Julgar que o motorista de ônibus paulistano nunca conseguirá chegar ao
nível de qualquer motorista de primeiro mundo é ter muita má vontade ou, pior,
má fé. Pior, é não reconhecer o trabalho destes homens, o que é uma sacanagem.
·
Pela quantidade de pessoas circulando na Paulista os motoristas
deveriam ter um critério de escolha e treinamento específico. Creio até que já
haja algo neste sentido, mas se houver precisa ser aperfeiçoado. E de
preferência manter sindicatos e outras corporações fora do jogo. Vai dirigir na
Paulista e em outras vias específicos que tiver cacife para tanto.
Meritocracia, meus caros, meritocracia. Um valor ainda complicado para
brasileiros, mas garanto que meritocracia faz bem para a saúde geral da nação.
Tem gente que simplesmente acha impossível....
Pão e circo
Política é feita no reflexo do balanço das boas e
más notícias. Numa situação crítica como a esta, de morte de uma menina na
Paulista, entra no jogo especialistas em comunicação de emergência, com técnicas
velhas conhecidas, para apagar o incêndio. Normalmente apagam com poucos danos
colaterais, principalmente aqui no Brasil que a memória é curta. Basta dar
presentes ao público e bater forte na divulgação de meio verdades. É a cabeça
esmagada do ciclista em contrapeso da ciclo faixa de domingo. Bato uma aposta
que ganha de lavada o lazer.
Julgamento
Bato uma aposta que quando alguém for julgado, por
este nosso fantástico sistema de justiça, e condenado o demônio terá sido
colocado atrás das grades e o caso encerrado. Lincha, lincha, lincha!!!!
Assasssino!!!
Praticamente não foi tirado nenhum proveito da morte
de Márcia, como bato aposta que não será tirado da morte de Juliana.
Transitado, julgado, caso encerrado!
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