quinta-feira, 2 de abril de 2015

As roupas do acordo social

No Museu da Porsche fui colocado numa mesa do restaurante (do térreo, péssimo) com um americano que jamais tinha visto. É uma situação relativamente comum em qualquer país civilizado onde o ponto de partida não é a desconfiança. Parte-se do princípio que é uma sociedade, que todos vivem juntos nela em paz e harmonia. Há um acordo social que está implícito em tudo.
Para entender, eu normalmente me visto com certa simplicidade e discrição por razões de segurança e para não ser descriminado aqui no Brasil. Como tenho cara de “alemão” ou “gringo”, e o povo assim me chama. Se estiver melhor vestido também sou graduado a “elite” e ou “mauricinho” e fico muito mais suscetível à violência generalizada. Esta situação no Brasil vem piorando muito de uns tempos para cá, principalmente depois que iniciaram a divisão do país entre coitadinhos e malvados exploradores. “Gringos”, “elites”, “mauricinhos e patricinhas” viraram alvo. A bem dizer, a baderna hoje é geral e todos são alvos, inclusive trabalhadores dentro de ônibus de periferia. A violência está completamente generalizada. Bom, enfim... Eu me visto com simplicidade, algumas vezes mal, por que tenho medo.
No último dia de Amsterdam, ao tentar ajudar uns portugueses perdidos, fui educadamente rechaçado, provavelmente por ter sido confundido com um junkie, ou seja pedinte ou drogado. A princípio fiquei chocado com a reação da portuguesa, mas um pouco depois caiu a ficha que minha vestimenta, calça cheia de bolso, pouco agasalhado com um velho e simples suéter preto, roupa de último dia de viagem, mochila velha nas costas, e ainda por cima desgrenhado, no escuro, fez lembrar um junkie. Peço desculpas aos portugueses, mesmo não fazendo ideia de quem são. Se fosse dia e eu tivesse oferecido a ajuda com menos ênfase não teria acontecido.
Voltando à Holanda, em Harlenn, conversando com um holandês enquanto esperava o trem perguntei se tinha filhos. “Duas meninas, de 11 e 14 anos”. “E é difícil ser pai de uma adolescente aqui na Holanda?” “É muito fácil por que há uma ótima rede de proteção social muito segura em torno das meninas adolescentes”, explicou. A conversa prosseguiu e ficou claro que a “proteção social” dita por ele traz muito além do poder público muito de um acordo social implícito e respeitado: segurança para todos, manutenção da paz, e uma contínua construção de uma ordem coletiva.

Em razão da nossa brutal violência cotidiana nós, brasileiros, temos que ser precavidos, desconfiados. Não existe acordo social quando se enfia no outro goela abaixo posições individuais ou de um determinado grupo social. Muito pelo contrário, este é o primeiro passo para novos problemas futuros.

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