O ciclista dobrou a esquina e
entrou na avenida uns 50 metros a frente. Está paramentado por completo; roupa
de franga verde clara coladinha ao corpo, sapatilhas, meinhas e luvas pretas,
capacete bem ventilado com aba, pedala montado numa híbrida de fibra de carbono
e pneus 700/23; luz vermelha piscando. Eduardo vem pedalando pela avenida e vê
o ciclista entrar a sua frente. Eduardo veste roupas normais, calça jeans,
camiseta, tênis; pedala uma bicicleta básica, destas de supermercado, pequena
para seu corpo. Vem rápido na volta para casa. Fim de dia.
A diferença entre as bicicletas é
enorme, principalmente nos pneus. Quem pedala uma bicicleta básica com Levorin
básico abiscoitado, pesados, borrachudos, grudentos, lentos. Eduardo olha o
ciclista a frente, sente que dá para acompanhar e decide se divertir. Vai
diminuindo aos poucos a diferença para a híbrida até chegar, cola a roda por um
bom tempo e quando ultrapassa diz um boa noite não respondido, talvez desprezado,
talvez sequer percebido; quem sabe? Não olha para trás e segue na sua cadência rápida,
suave, vibrante dos pneus abiscoitados.
A resposta não tarda. O ciclista
ultrapassa Eduardo, mantem-se por curto tempo no selim e logo sobe nas
sapatilhas e dá um sprint. Esta aberta a brincadeira, está jogada a disputa. Eduardo
vem de longe pedalando pesado, sabe que não tem forças e que um possível sprint
com aqueles pneus vai ser inútil, perda de energia. Mas vê a frente o trânsito
parado. Entende que o sprint do ciclista é inútil. Logo o ciclista senta e
freia para passar entre os carros. Ponto contra. Eduardo, uns 10 metros atrás, ergue
a cabeça, olha bem a frente com calma e vai por outro caminho. Ali, no meio do
trânsito, as diferenças entre as bicicletas dão lugar a experiência do
costurar. Momento de ir para frente. O sprint do outro ciclista não só foi um
gasto inútil de energia, mas também uma perda crucial do tempo de olhar e estabelecer
uma estratégia de onde ir, de qual o melhor caminho. Os dois correm
praticamente lado a lado, paralelos entre os carros, o ciclista no meio da avenida,
Eduardo entre os espelhos dos carros e o meio fio que raspa no pedal. O caminho
do ciclista vai se fechando, ele vai diminuindo, e não resta outro caminho que
virar a esquerda pela frente de um carro. Eduardo vê de relance por sobre a capota
do carro a cabeça do ciclista girar e olhar Eduardo passa rápido raspando pela
roda dianteira do ciclista. Eduardo segue em frente com uma grande vantagem
olhando o semáforo a frente. Agora dá um Sprint na esperança que o sinal feche
para o ciclista que deve estar vindo atrás. Eduardo nem olha para trás, põe suas
forças nesta vantagem. Imagina que o erro de estratégia tenha custado uns 30
metros para o ciclista. Cruza o sinal e olha rapidamente para ver se entra o
amarelo e o vermelho. Só vai olhar para trás caso entre rápido o vermelho e o
trânsito nervoso siga em frente e feche o caminho do outro ciclista. Não
acontece. O ciclista deve estar chegando, é inevitável que ele passe Eduardo, a
diferença das bicicletas é muito grande. Acabou a brincadeira. Mas Eduardo
segue pedalando muito forte na esperança do próximo congestionamento. Respira
alongado para baixar o coração. Olha para trás e não vê mais o ciclista. A
brincadeira acabou. Diminui o ritmo, relaxa e curte. Foi divertido.
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