domingo, 27 de janeiro de 2013

Comer bem

           Semana passada tive que ir a dois novos restaurantes ditos chiques e novos aqui nos Jardins, região nobre de São Paulo. O preço por pessoa não nega: R$ 75,00, sem couvert, entrada ou qualquer bebida especial. São, de fato, ditos chiques, seja lá o que hoje em dia signifique isto. Prato principal, um suco num, uma cerveja long neck noutro, e uma sobremesa para dois nos dois restaurantes; nada além, exceto o preço, R$ 75,00. Os dois restaurantes, novos, bem decorados, organizados e bem servidos, bem ao gosto da nossa classe emergente em sua busca quase desesperada de ser chique.

Mas... e gosto, o sabor, a qualidade da comida? Ao final das contas é o que realmente vale. Ou não?

                No primeiro comi um gnochi trufado, que se não me engano custou R$ 46,00 o prato. Estava bom, servido (ou perdido) num lindo imenso prato fundo decorado, mas horas mais tarde continuava me acompanhando. No segundo um bacalhau, R$ 51,00, que não estava tão bom e horas depois também me fazia companhia, não o bacalhau, mas o excesso de azeite. Tenho companhias melhores para passar à tarde comigo, que além de tudo e felizmente não me doem no bolso.

Restaurantes como o quilo barato (R$ 25,00/quilo) da Sandra, do Estação Pinheiros, visinha de minha casa, tem vários sabores maravilhosos, como por exemplo a salada de berinjela miudinha ou a acelga com gengibre e pimentão picadinho; e o quilo do Gustavinho, República Gastronômica, um pouco mais caro, mas também de excelente sabor geral, principalmente no dia “árabe” (quinta-feira, creio), são bom exemplo que comer é uma coisa, pagar por frescura é outra.

Saber cozinhar para valer é um dom para poucos, bem poucos. Outros se tornam bons porque se auto disciplinam e se auto educam para o bom sabor. Trabalham sua própria sensibilidade. Entendem a importância de seguir passos, respeitar regras, dentre elas saber degustar. O desenho animado Ratatouille descreve genialmente o que digo.

O fato é que boa parte destes chefes que ai estão servem os próprios egos. A cultura de paladar que tem provavelmente é precária ou viciada. Quantos deles tiveram a possibilidade de comer a comidinha caseira. Dos poucos que tiveram esta oportunidade, quantas famílias tiveram acesso a ingredientes bons, a tranquilidade para cozinhar, a tempo para servir bem, degustar em paz?

O pior mesmo é o público que se sente feliz em ser enganado. Esta é o pior de toda esta história.


 
Em Alachati, no Mar Egeu, Turquia, provei um dos melhores restaurantes de minha vida. Quatro mulheres simples tocam o negócio que tem zero de engana bobo. É uma porta numa casa pequena, simples, com uma mesa grande no meio da sala onde ficam os mais de 10 acompanhamentos para o carneiro ao alho e arlequim que fica no forno. Pedi todos acompanhamentos, feitos de legumes e verdes, e comemos numa das mesinhas na rua. Simplesmente prefeito. Suave, leve, com cada gosto bem definido, misturas equilibradas, tempo de cozimento exato. Perfeito. Gostaria de ter dinheiro para um dia voltar. Vale a pena. Como gostaria de voltar a comer o ovo estalado do Salumeria Rose de NY (Amsterdam próximo à Broadway). Custa, mas vale cada centavo. E tantos mais. Mas gastar dinheiro com estes pseudo chefes daqui não dá, definitivamente não dá.

Numa das vezes que fui para Buenos Aires em ônibus, no meio do nada da Província de Entre Rios e perto da hora do almoço, o motorista parou no acostamento e perguntou aos passageiros se queríamos desviar da rota para comer a melhor milanesa da Argentina. Aceitamos e de fato comemos milanesas com salada colhida no quintal (alface, rúcula, tomate e muita cebola, bem picados e temperados na terrina) que estava divino. O motorista sumiu. Reapareceu com aquela cara indisfarçável de quem tinha dado uma ótima trepada com a dona do pequeno restaurante no meio do nada. Milanesas inesquecíveis!

Minha mãe, que adorava cozinhar, estudava o assunto e criava pratos maravilhosos, fazia um suflê de polenta perfeito que mesmo respeitados chefes não conseguem repetir. Meu pai está aposentado e hoje se dedica aos maravilhosos jantares de terça-feira. O bouef bourguignon dele, resultado de praticamente 24 horas de forno e fogão, é insuperável aqui ou mesmo na França. Infelizmente nunca mais vou comer a perfeita batata palha feita na hora na casa de tia Nene, a torta pasqualina da querida Maria, as milanesas perfeitas com salada de Yaya, o almoço de Natal dos deuses de Dona Marta Falzoni (mostarda de Cremona, creme de trufas, talharins, pudim de alcachofras, mouse de chocolate amargo), o arroz seco e solto, o feijão preto e a couve milimétrica suavemente passada no alho de Mariazinha, os pasteizinhos de queijo delicados de (tia) Milão, o bolo de nozes quebradas na hora de minha irmã, a geleia de mexerica do rio feita em família, as sopas de resto de Silvia... Posso dizer que tenho uma boa base de cultura culinária.

 

3 comentários:

  1. Tõ rindo até agora da história do motorista argentino, comeu e não pagou ahahahahahah

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  2. Um belo texto. Aqui no Brasil gostamos de complicar o que não devia ser complicado.
    Comida é uma delas.

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  3. Estamos nos achando ricos e rasgando dinheiro. Não vai dar certo. Já vimos isto aqui no passado e eu vi na Argentina, durante as minhas férias. Argentina se destroçou e segue afundando aos pedaços. Pelo jeito vamos pelo mesmo caminho

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