Junto à padaria do supermercado um senhor bem vestido em um terno sóbrio fala baixo no celular de costas para o balcão dos pães enquanto saboreia um pequeno iogurte. O funcionário por trás do balcão tira a máscara do rosto e tenta chamar a atenção do senhor, que indiferente segue tomando a garrafinha de iogurte até terminar tudo. Então gira um pouco o corpo a ponto de ver o balcão, e assim que o funcionário volta ao seu serviço e está distraído, o sóbrio senhor joga no lixo a garrafinha e vai embora. Termino minha compra e sigo para a caixa e lá está o senhor, tranqüilo, em caixa pagando outras coisas. O iogurte foi por conta da casa.
No mesmo local, uns dias depois, vejo um dos seguranças abrir a geladeira, pegar um isotônico qualquer e passar para trás do balcão de pães. Dá um tapinha nas costas e diz algo sinicamente simpático para uma das duas atendentes constrangidas, esconde meio corpo atrás de uma parede, toma rapidamente a bebida, joga no lixo a garrafa, fica de frente para o público, agradece as atendentes que tratam de permanecer insensíveis em seu trabalhos. No caixa vejo o mesmo segurança, cara de mau, preocupado com os possíveis ladrões do supermercado.
O sobrenome é de uma das famílias mais tradicionais da época de ouro do café. Tiveram dinheiro, educaram seus filhos, formaram excelentes profissionais, mas também são até hoje conhecidos como gente de soberba acentuada. São viajados, usam esta experiência para fazer pesadas críticas pessoais, sociais, e políticas a este país, que por eles teria ordem as custas de muito sangue e “prisão dos vagabundos”. Se sentem perfeitos, pelo menos se esforçam para sê-lo dentro de seus parâmetros, procurando sempre manter a estirpe. Na saída do velório discretamente um deles desembrulha uma bala, coloca-a na boca, amassa o papel e o joga no chão. A menos de 10 metros dali jaz quieta uma cesta de lixo boca aberta.
Ontem deram a notícia que de 20 em 20 minutos, 24 horas por dia, todos dias da semana, entra alguém na Delegacia do Guarujá para fazer ocorrência de roubo ou assalto. Vão para lá os casos mais pesados. Não aparece o pessoal que não faz ocorrência porque crê que não adiante nada. De um apartamento de frente para o mar em Pitangueiras sempre foi possível a qualquer um certificar-se que esta história é muito velha. Os garotos assaltam um atrás do outro sem que se faça nada. Virou banal como o bater das ondas do mar. Como será o retorno destes garotos a suas comunidades. Como ficará a feira do rolo nestas épocas de muitos turistas na cidade. Qual o impacto social que este ciclo tem nas vidas de tantos que vivem no lado pobre?
Qual é o tamanho da contravenção para ser considerada uma contravenção com conseqüências sociais relevantes? Pequenas infrações, roubos, assaltos, latrocínios são tão comuns que não faz mais diferença. O nível de distorção da sociedade brasileira é tão absurdo que ninguém é mais sensível ao descalabro. Todos temos alguma janela de vidro, só pode ser isto, porque ninguém se anima a tentar jogar a primeira pedra. Os que tentam fazer as coisas de maneira correta são estranhos ou trouxas. Quem denuncia é dedo-duro, traidor, mal visto até por quem é do bem. Isto por que há uma politização ridícula no meio da história. Dos dois lados, esquerda e direita. Denunciar é desmontar o próprio castelo social, em cima, em baixo, à direita, à esquerda, leste, oeste, norte, sul.
Qualquer país é feito de exemplos. Somos o país das esmolas, umas nas cuecas, gordas, algumas volumosamente impensáveis; outras feitas de uns trocados para calar a boca dos pobres de dinheiro e de conhecimento de história, e que vai inchar o bolo sem ter uma forma grande suficiente para não derramar a massa. Dos velhos aos novos coronéis a técnica é mesma de compra de votos.
Quem gosta de esmola não está preocupado com exemplos. “Tia, me dá um trocado?”. Deram. Esmoleiro depois de receber o seu quer que o resto se exploda. Exemplo? Para que?
Numa destas esmolas históricas, ou estratégia política, instruíram a criminalidade para melhor se organizar. Dos dois lados. Organizaram tão bem o crime que um rouba por baixo e outro por cima. Tem uma boa faixa que vive de migalhas e sorri em nome de uma pretensa utopia. Viva os inocentes úteis!!! No meio desta bandalheira fica gente de bem que no dia a dia constrói o Brasil de verdade, feito de trabalho, tijolo sobre tijolo. É este pessoal que faz os verdadeiros milagres brasileiros. É uma massa silenciosa, distante, cumpridora dos próprios deveres, mas ausente da coisa pública, do coletivo, omissa, e por isto mesmo também criminosa.
Como tratar os “bonzinhos” que estimularam os movimentos sociais a invadir os mananciais das represas Billings e Guarapiranga? Eu não acredito que foi movimento espontâneo porque há muita gente que diz que foi orquestrado, gente de várias correntes políticas, dos que são contra aos que acham lindo. Qual a conseqüência destas invasões para a vida dos visinhos, tão pobres quanto, que estão dentro da lei? Qual a conseqüência destas ilegalidades para toda a população da cidade? Então, devemos anistiar os maestros? E o pessoal que devastou em nome de condomínios ecológicos fechados? Então, vamos anistiar porque há um campo de golfe ou uma maravilhosa marinha? Qual o lado político que devemos anistiar? Quem é bonzinho nesta história?
Nunca vi qualquer usuário de droga ilícita ficar constrangido porque morreu alguém de bala perdida. Nem porque algum parente foi assaltado na esquina. O mesmo com quem compra pirata ou de procedência inexata. Feira do rolo total. E nossos bêbados de cada dia? Parece que as conseqüências de nossos pequenos atos não importa. O segurança é pago para garantir o negócio no qual ele pratica pequenos roubos. O abastado joga no chão o papel que não ele não ousaria jogar na Europa ou Estados Unidos. O assalto a coisa pública é pior quando é realizado pela direita ou pela esquerda? A fauna e flora vale o bife? Desliza o morro, mata famílias inteiras, e foi inesperado. O jardim pantanal assume seu nome e submerge os invasores; culpe-se então o rio, processem a natureza. Esmolados, ricos e pobres, não podem ser culpados.
A sádica desintegração nossa de cada dia está se aperfeiçoando e se torna mais suave. Nosso grande futuro provavelmente não sofrerá com pequenos ilícitos ou pela ausência do poder público. Mas não se preocupe, durma bem, até que se prove ao contrário nenhum cidadão deve para a coisa pública, portanto você não tem nada a ver com isto.
Feliz Ano Novo
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