terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Estadão editorial / Data Folha, A mensuração do medo

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Quando comecei a sentir que a panela estava quente? Quando Fernando, um sujeito muito calmo, foi fuzilado sem reagir por um ladrão de relógios lá pelos idos de 1990? Quando vi, 1999, o carro da frente ser assaltado sem a mais remota reação de todos os motoristas que estavam em volta? Quando da janela do apartamento no Guarujá, 2005, assistíamos a um assalto armado atrás do outro sem parar com se fosse entrega de brindes? Ou vendo na TV, ouvindo na rádio, lendo no jornal, notícias horrorosas que a cada dia enchiam mais e mais os noticiários? A bem da verdade não faço ideia de quanto tempo faz que o mar não está para peixes, mas piora dia após dia no silêncio dos navegantes. Meu irmão desembarcou de uma viagem para Europa e foi recebido por um amigo com a piada-verdade "Bem vindo ao bang-bang!". De orelha em pé estou faz muito, e com razão.

Tereza diz que exagero quando para um amigo inglês que está aqui de férias peço para ir até uma loja de roupas populares comprar algo barato para o casal ficar com jeito de povão. Sim camuflagem. Tenho experiência, acredito que funcione, faz décadas que me visto o mais discretamente possível, o mais popularesco possível, e vem funcionando. Camuflado, sim. Sou ciclista, minha bicicleta é simples, básica, das que não desperta interesse em ladrões e assaltantes, técnica que aprendi com holandeses. Tenho medo de perder minhas paixões, leia-se bicicletas boas, raramente saio com elas. 
Medo de ser assaltado? Sim e não. Tenho medo do que vou sentir depois, melhor, me conheço e não quero sentir a raiva doentia do pós. Já corri atrás de assaltante, já tive automática engatilhada na cabeça, já evitei um sequestro (na rua México). Tenho medo da raiva e do ódio incontidos que sinto no pós evento, este me mata, me transforma em algo que não quero ser. Não tenho medo de minhas reações, mas dá ódio a covardia, o não agir, o abaixar as calças, como se dizia entre os que lutaram pela democracia. 
Vivemos o que estamos vivendo porque a imensa maioria "abaixou as calças", como se dizia nos anos de chumbo, anos duros da ditadura. Fato é que derrubamos o que é considerado anos de chumbo. Hoje é tempo de bala perdida, achada, não investigada... Temos o que temos porque aceitamos - literalmente.  Recebemos o que compramos, básico. Não reagimos. "Não se pode reagir" afirmam todas as autoridades da segurança pública, e concordo - em parte - com eles. Não se deve reagir da forma como fiz inúmeras vezes, de imediato, mas tenho certeza que pior é se calar, aí está nosso gravíssimo problema, a fonte de nossa horrorosa, asquerosa tragédia diária. Em algum momento, de alguma forma, se tem que reagir. Se tem, não, é obrigação reagir, tomar alguma atitude. Lembro a todos que ser assaltado não é chique. (Fui assaltado, portanto tenho poder aquisitivo. Quanto mais assaltado eu sou, mas interessante sou.) 
Meu medo de um roubo ou assalto? Meu problema é o que vou sentir sobre os outros, todos aqueles que sofreram agressão, de qualquer tipo, e se calaram, deixaram ficar como está porque "Não vai adiantar nada". Aceitar com muita dor a eventual perda, aceitarei. Mas não me peça para aceitar que alguém tenha um celular de vários mil Reais, com todos dados dentro, o mais trivial assalto em voga, e não ir fazer B.O., por exemplo, dentre o 'n' exemplos que estamos sofrendo. "Vou ficar horas até ser atendido..." Não consigo engolir o silêncio covarde e trivial que nos trouxe a este estado de barbárie. Estou velho para reagir, mas se por um acaso eu morrer reagindo, morro feliz. Mesmo que de maneira considerada inapropriada por alguns tantos, crumpri minha obrigação de cidadão: proteger o outro, lutar pelo bem coletivo, ajudar a construir um futuro de paz e progresso.
Reajam! 





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