segunda-feira, 25 de agosto de 2025

A fuga da cachorra

A linda vira lata cruza a rua Piaui caminhando como seu que dono a estivesse seguindo tranquilo. É um homem imenso que vem atrás dela e que do caminhar passa a correr, o que faz a cachorra disparar avenida Angélica abaixo entre pedestres. Estou subindo pedalando a avenida, sou cachorreiro, e de imediato me fica claro que ela está fugindo de seu dono, que suponho ser o grandão. Olho para ele e aviso que eu vou atrás, dou meia volta e disparo pedalando forte na contramão para tentar parar a linda e desesperada vira lata bege com coleira rosa, jovem, agil, muito rápida. Ela corre pela calçada bem mais rápido do que eu que pedalo pedindo para os carros saírem da frente. Para meu pavor cruza direto a primeira rua, a Maranhão, por sorte com sinal fechado para os carros, e se aproxima rápido do próximo cruzamento, a Higienópolis, larga avenida também com o trânsito parado no sinal. Os pedestres se assustam, olham a fujuna preocupados. No meio do quarteirão um carro sai da garagem, ela diminui, quase para, contorna por trás, eu grito para os pedestres que sobem e estão mais a frente pedindo que alguém tente pega-la. Impossível, ela passa batido e segue desembestada. Meu desespero cresce. O pŕoximo sinal, a Veiga Filho abre, os carros começam a se movimentar e eu gelo despencando a avenida de frente para o trânsito. Estou longe, não consigo me aproximar, não vou conseguir frear os carros. Para meu alívio ela dobra a esquina, passa voando por uma senhora com dois cachorrinhos na coleira. Paro meus gritos, um erro estúpido, desespero, que talvez só esteja aumentandoa vontade dela fugir. Ninguém vai conseguir segurá-la. Minha esperança é que ela começa a mostrar um cansaço. Ela cruza a entrada do estacionamento do shopping. A perco de vista. Com o trânsito em movimento, lento, ela cruza mais uma rua traçando entre os carros em movimento. Meu emocional está saindo pela boca. Sigo atrás sem saber onde esta correria vai parar. Minha esperança é que este quarteirão é longo e que talvez ela canse e diminua o passo. Vou conseguir ultrapassá-la e talvez consiga pegá-la.
Felizmente ela para num portão de garagem de um edifício e fica olhando desesperada para dentro. Passo por ela na rua, atrás so carro está estacionado e em silêncio, subo na calçada uns metros a frente. Vejo que dali ela não sairá, peço a uma garota que caminha que com calma, bem devagar, faça carinho e segure a coleira. A desesperada e ofegante vira lata está presa. Aperto o interfone e pergunto ao porteiro se a cachorra é de lá. Ele responde que não. Deixo a bicicleta, vou até a vira lata, que está deitada se mijando toda de medo. Me agacho lentamente e faço carinho. Ela me olha com medo, mas vai se acalmando. Lemos a plaquinha de indentificação da coleira, Maxime, e do outro lado o telefone. Um rapaz começa a discar o número e o portão começa a se abrir. Ela num tranco se solta e entra desesperada, corre até o segundo portão, o rapaz vai atrás. Grito para que o porteiro feche o portão para que ela não fuja novamente, o que ele faz, mas aciona o segundo portão e ela corre para dentro. Aparece uma menina de uns 18 anos com uma coleira na mão, pergunto se a fujona é dela, ela diz que sim e pergunta onde está. Dizemos que entrou e ela responde que "esta é minha casa", não fala mais nada e desce para a garagem. Algumas pessoas, incluindo mãe e filha com dois cachorros grandes, esperam ansiosas por notícias. O rapaz demora um pouco para sair dizendo que Maxime foi direto para a porta do elevador. Meu coração e fígado estão na boca. Emocionalmente estou acabado, nas minhas últimas forças, quase trêmolo. Retomo meu caminho, volto a subir a avenida pedalando bem devagar para me recuperar, exausto. Chego no cachorródromo do parque de onde começou a correria. Paro na grade a aviso o grandão que terminou tudo bem. Ele vem até a grade acompanhado de seu bassê e conta que tudo começou por que alguém deixou os dois portões do cachorródromo abertos, um comportamento absurdo,  inaceitável,  entre cachorreiros que usam o espaço. São dois portões, u tem que estar sempre fechado. Como pode alguém deixar escancarado um cachorródromo?

Sigo meu caminho devagar subindo a avenida. Volto para casa arrebentado. Poucas vezes na vida me senti tão cansado.

Umas horas antes fui levar minha prima que tem Alzheimer para tomar um café na padaria que fica na esquina das duas avenidas, Higienópolis com Angélica. Ela adorou estar na rua e tomar um longo banho do sol que transpassava por entre as folhas da frondosa árvore. A padaria estava lotada e sentamos na calçada, ela na cadeira de rodas, eu e Gra em cadeiras que pegamos lá dentro. Lá ficamos até o sol se esconder, um bom tempo. Doença maldita, dias melhores, dias piores. Naquela manhã ela estava alegre e dentro da conversa, mas não demora muito ela cansa e desaparece na sua doença ou sabesse lá onde. Percebi que tinha cansado e pergutei se queria voltar para casa. Ela respondeu com sua eterna suavidade que não, que o sol estava gostoso, mas seu olhar bem distante aponta para as profundesas de seu mundo. Ninguém sabe qual, é difícil.

Dois dias antes estive com a enfermeira chefe para saber como iam as coisas. Tudo bem, sem grandes sobressaltos, o que para esta doença é bom, ou talvez não, ninguém sabe ao certo, nem o melhors dos médicos. Conversamos sobre o sumiço de todos os que sempre viveram muito próximos dela. Sobrou para mim e mais ninguém. "O normal é este. Todos desaparecem".

O outro não importa. Não consigo aceitar que um cachorreiro deixe os dois portões abertos. É fuga do cachorro e desespero na certa.
Thereza sobrou na minha mão. Todos que convivera com ela sumiram. Sequer telefonam. Fiz reunião com todos e pedi ajuda. Saíram de fininha. Quem pegou o pepino que fique com ele. 

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