Acho que foi através de uma música do Sting que descobri que o Alcorão fala sobre o aprendizado relacionado às dores. Somos, melhor, estamos a sociedade das alegrias, prazeres, da vida sem dores, do tudo legal, do bom e do melhor, senão não valeu. A verdade definitivamente não é esta. Como se diz, o que acharíamos do tudo bom caso não houvesse momentos difíceis? A resposta vem num "que chatice!"
Desconhecia esta declaração da Rita Lee. Boa!
"Amor cura tudo". Quanta besteira! Começando porque a palavra "amor" virou carne de vaca, aliás, nem isto é mais porque quem ama de verdade não mata (portanto amor é vegetariano, vegano ou afins).
Quem ama de verdade? O que é amor? Fomos tão longe em nossas besteiradas que é provável que tenhamos amor politicamente correto ou não. Não duvido nem um pouco.
Quantos de nós sabem de fato o que é amor? Qual amor, perguntarão? Pelo menos o genérico, o que faz efeito, mas não tem marca definida.
Estou com o pescoço travado. Tensão. Saco cheio além dos limites. Estou tendo que controlar os "amores" de uma figura louca por uma prima. Namoraram na década de 60, cada um fez seu caminho, e a figura resurgiu do nada, elouquecido. Ela esta com Alzheimer, e ele acredita com todas as letras que pode voltar ao que era então daqueles anos dourados. Amor? Será isto amor? Ou o que?
A vida vai ensinando, ou não. Amor de verdade é difícil de definir, mas definitivamente não é paixão, aquela que queima no peito, vai arrefecendo e morre. Paixão, ah! a paixão! que bela encrenca. "Amor é bom enquanto dura", repetia o eterno apaixonado Vinícios de Moraes. Apaixonado, paixão, passageira.
Nesta vida aprendi que a dor, as cicatrizes da vida, é que constroem o sentimento de amor. Rita Lee falou em cima da sabedoria que só os atentos pescam da vida. Quando tudo beleza, maravilha, se está no campo da paixão, que acaba quando vem a primeira pedra do caminho ou uma nova paixão.
Amor se constrói. Pode até começar com uma paixão, mas acaba sendo fruto de uma construção sobre bases sólidas e algumas marteladas no dedão.
"Amor é amor e dor é um horror", quanta besteira! E aí? O que acontece no meio destes dois extremos? Respondo eu: a vida!
Amor: uma madrugada, voltando pedalando da casa de minha "amada", fazendo zig-zags com a bicicleta pela rua deserta, a roda da frente fechou, eu voei tipo supermam no asfalto, e ralei toda minha pele esquerda das pernas, peito e braço. Limpar a sujeira no banho foi bem divertido (?!?), digamos, fazer a estupidez de dormir no lençol e acordar com ele grudado na pele, foi mais divertido ainda. Abrir a porta e dar de cara com minha mãe, mais ainda. Amor: a santa me enfiar debaixo do chuveiro e desgrudar o lençol encharcado de sangue dezendo em voz paciente: meu filho, toma jeito.
Este voo no asfalto foi o começo do relacionamento amoroso com a bicicleta, mas não foi sem várias dores futuras. O amor é assim, sendo construído nos prazeres e dores. O recheio, o que estava entre a delícia do pedalar livre com vento na cara e alguns tombos, inúmeras quebras e defeitos (as bicicletas daqueles anos eram uma bosta), foi o que construiu este amor que tenho hoje. Igualzinho aos relacionamentos humanos.
Um dia a namorada de um amigo colocou o famoso "Ou eu, ou as bicicletas". Ele deu mais um gole no café, levantou-se, foi até o quarto deles, fez a mala dela, passou pela cozinha com a mala na mão, abriu o portão, deixou a mala no meio da calçada, voltou para continuar seu café sem dizer uma palavra. E olha que ele afirma até hoje que gostava para valer dela, em outras palavras, a amava. Acabou achando um amor verdadeiro e continuou com seu dito "amor" pelas bicicletas, amor possessivo. Amor possessivo? Amor possessivo?
Posse faz parte do amor? Posse se refere ao "eu" e "meu". Amor tem pouco a ver com propriedade, com eu e meu. Tem tudo a ver com nós. Amor possessivo?
No mesmo contexto está a dor. Sabemos o que é a dor do outro? Nossa dor é a referência? Com certeza damos conselhos. Se conselho fosse bom era vendido. Tirando a piada, dor é quase particular de cada um, e bons conselhos, melhor, acarinhamento podem ajudar e muito. De novo, conselho é uma coisa, acarinhar é outra. Conselho: eu. Acarinhar, de verdade, ele. O bom e correto acarinhar: amor.
Algumas cicatrizes e tatoos da vida eu dispensaria, mas tenho consciência que cheguei onde cheguei através delas. Muitas poderiam ser evitadas, talvez. Bastaria ter ouvido. Ou lido. Ouvido é mais completo, vai mais fundo, mas quem sabe ouvir?
"Fui mais forte que aquilo que me feriu...", depende. E muito.