sábado, 28 de dezembro de 2024

Um milhão de ciclistas nas ruas de São Paulo.

Passeio Ciclístico da Primavera com um milhão de ciclistas? Sim, aconteceu, uma das fotos está aí.

Eu conhecia muita gente do setor de bicicletas e por causa disto subi no caminhão de som que ficou parado na largada daquele Passeio Ciclístico da Primavera, num dos portões do Ibirapuera, o de frente ao Monumento às Bandeiras. 
Deram a partida, deu-se início o passeio, a massa que não terminava mais começou a se movimentar lentamente, e todos lá em cima desandaram a conversar. Um bom tempo depois, tempo que não nos demos conta no meio das conversas, alguém deu um grito "Estão chegando!" e todos nós voltamos para a curva da av. República do Líbano, ponto final do passeio. Alguém ao meu lado disse "Vai dar muita confusão". Os últimos, que era uma massa a perder de vista, não tinham sequer saído ainda. Não podíamos acreditar no que estávamos vendo. 
No dia sequinte apareceu a contagem estimada com certa precisão e o número batia no milhão de ciclistas, ou mais. Entupiram nada menos que uns 12 km de avenidas de um circuito "no entorno do Ibirapuera", como diziam. 
O Passeio Ciclístico da Primavera nunca mais foi repetido com saída do Parque Ibirapuera. No ano seguinte ao milhão dividiram o evento em dois, e a partir de então aquela alegre festa anual foi morrendo aos poucos. A meu ver, o golpe de missericórida foi levá-lo para dentro do Autódromo de Interlagos, no circuito, com seu asfalto muito áspero, ruim de pedalar, sua subida dos boxes duríssima, ventos constantes, chuvas imprevisíveis... 

Uns anos depois a Caloi fez uma pesquisa de mercado para saber o que estava acontecendo nos fins de semana e o resultado, até surpreendente, correu feliz entre todos do setor e apaixonados pela bicicleta: milhão! 
CET SP, impressionada com este número e vendo ciclistas para tudo quanto era canto aos domingos ensolarados fez a sua contagem e mais uma vez bateram no milhão, só que desta vez soube-se aos cochichos de corredores.

Este 'milhão' de uma certa forma não impressionou muito o pessoal do comercial das fábricas. As vendas estavam nas alturas, o número calculado de bicicletas na cidade de São Paulo, diziam, era estimado por volta de 4 milhões, a imensa maioria jogada em algum canto tomando poeira. O cálculo era feito em cima das bicicletas vendidas, sua durabilidade, cerca de seis anos, e para separar as usadas das paradas, a movimentação em bicicletarias na oficina e principalmente a troca de pneus e câmaras. Quatro milhões não fazia sentido, mas foi aceito. Uma bicicleta para cada 3 habitantes? Muito. Um milhão nas ruas? Bem possível.
 
Todos números eram muito altos, mas mesmo que estivem errados, o que ninguém sabia ao certo, apontavam para um fenômeno inegável: bateu sol no domingo, tinha ciclista para tudo quanto é canto. 

Em 2005, por conta do Projeto GEF Banco Mundial, a CET apareceu numa reunião com mapa de contagem aleatória. Os números pareciam ridículos, uns gatos pingados aqui, outros acolá, mas um olhar mais atencioso apontava sem sombra de dúvidas que a quantidade de ciclistas circulando também durante a semana era mais que sensível, era expressível. O que chamava atenção era aparecer ciclista em locais que de certa forma não fazia sentido. Não importava o bairro, não importava a classe social, a renda, em tudo quanto era canto aparecia ciclista. Os gatos pingados ficavam por conta dos horários quando foram realizadas as contagens.  
  
Nesta mesma época, Sérgio Luís Bianco foi chamado pela TV Globo para dar uma entrevista sobre a quantidade de ciclistas que cruzavam a Ponte do Socorro. A gravação começou por volta da 6:00h e uns minutos depois Canuto, o entrevistador, parou a gravação e mandou buscar o motorista da Kombi para contar os ciclistas que passavam. Contaram em um pouco mais de meia hora algo como 183 ciclistas só no sentido Socorro - Santo Amaro. Canuto não podia acreditar. 
Não demorou para a CET mudar seu discurso, triplicar, quadriplicar o número de ciclistas em dia de trabalho. Pularam de 65 mil para 130 mil e não demorou eles próprios já deixavam escapar 250 mil, mais de quantro vezes o discurso oficial. Sobre o milhão dos fins de semana ensolarados ninguém mais questionava. 

Em 2007, Walter Feldman apresenta na Secretaria de Lazer e Esporte o projeto da futura Ciclo Faixa de Domingo. Por razões legais, para embasar o projeto, teve que fazer mais outra pesquisa e novamente a contagem de domingo ensolarado bateu no milhão. O sucesso explosivo da Ciclo Faixa de Domingo diz tudo. 

Vale a tiração de sarro: com certeza! "São Paulo nunca teve bicicleta. Para que ficar gastando tempo com esta besteira?" disseram várias autoridades. De fato!



domingo, 22 de dezembro de 2024

O que causou a tragédia de MG?

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo 

Sobre a tragédia na rodovia de Minas Gerais 

ato é que no geral as rodovias de Minas Gerais são mal conservadas, para dizer o mínimo, sejam as estaduais ou federais.

A questão é saber porque o bloco de granito se soltou da carreta. Mal preso? Ou estrada esburacada? Uma pedra daquele tamanho dificilmente se moveria na carroceria se estivesse sendo transportada numa estrada com asfalto perfeito e geometria de curvas condizente com a realidade dos caminhões que temos hoje. Teria saído do lugar num FMN que rodava a um pouco mais que 50 km/h? A realidade hoje é outra, os caminhões também. As estradas mineiras continuam sendo parecidas com as para carro de boi. É uma vergonha.

Como ciclista posso dizer, você vem pedalando num acostamento paulista, que respeita a normas básicas de segurança no trânsito rodoviário, e cruzou a fronteira com Minas Gerais, acabou, não só o acostamento, mas a qualidade do asfalto, a sinalização, o acostamento, a limpeza do mato...

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Trãnsito que destrói o sentido do Natal

SP Reclama
Fórum do Leitor
Rádio Eldorado FM
O Estado de São Paulo


É inacreditável que os paulistanos não tenham se dado conta que o caos no trânsito vem aos poucos matando o melhor de nossas vidas, inclusive o espírito do Natal, reunião fraterna da família e amigos. 
Quem pode foge, e foge para outros congestionamentos. Só diferem por estar longe. Longe! Cada um para seu canto. Salve se quem puder, o último que sair apaga as luzinhas da árvore de Natal. Nosso problema social, inclusive o da violência endêmica, decorre desta exaustão de viver e trabalhar numa cidade caótica, que não anda, que rouba o tempo para estar junto, conversar, conviver. Parece um floreado, mas é a ciência quem diz. Final do dia, exausto, cada um para seu canto. 
Feliz Natal?

Sou ciclista e acima de tudo sou cidadão, ou me esforço para ser. Como ciclista estou muito impressionado que como ficou trivial que em vários momentos do dia e em várias ruas eu simplesmente não encontre espaço para passar com a bicicleta. A rua está tão congestionada, tão cheia de automóveis, que não há espaço sequer para um ciclista costurar entre os automóveis parados. Hoje não há opção a não ser para, mesmo em uma bicicleta. Calçada? Pedalar nelas é mais que desrespeitoso ao pedestre e pessoas com necessidades especiais, é falta de cidadania. Quando faço, e o faço porque não tenho outra alternativa, vou a passo de pedestre pedindo desculpas, mais que  sinceras, profundamente envergonhadas, com medo de ser atropelado pelas motos que a cada dia mais tomam as calçadas.
Meter ciclovia em tudo quanto é canto? Sou contra. A bem da verdade é solução de quem não conhece o assunto: a cidade. Quero ver resolvido o problema de todos os cidadãos, não só os meus ou dos meus iguais mais próximos.

Só vamos resolver o caos desta cidade quando a maioria se interessar, procurar entender o que realmente acontece, e der um basta. Mais, precisam olhar o que se fez e faz mundo afora, com respeito. "Eu sei...", "nós somos diferentes...", e outras respostas vindas do umbigo, nos trouxe a está baderna que hoje vivemos.
Acreditem sem quiser, somos todos humanos, inclusive nós, paulistanos. Acreditem, as experiências bem sucedidas de outros valem para nós.



segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Onibus elétricos: sonho dos inocentes

O Estado de São Paulo
SP Reclama 

Mais uma vez foi prorrogado o prazo para a obrigatoriedade das empresas de ônibus operarem totalmente eletrificadas. Não estranho. Só acreditou que aconteceria no prazo estabelecido quem é muito inocente. Não poderia dar certo porque o sistema de distribuição de energia elétrica não funciona como deveria, não está aguentando sequer para alimentar as residências, imagina só para fazer rodar toda uma frota de ônibus.
Talvez o mais grave problema deste país é a população embarcar nas lorotas mais furadas, aquelas que não conseguiriam passar pelo crivo de uma criança esperta e bem educada. Acreditar que veículos elétricos,  sejam ônibus, vans, automóveis, bicicletas ou mesmo patinetes elétricos resolverão a questão ambiental num passe de mágica porque são um milagre da tecnologia moderna, é  simplesmente querer fechar os olhos para uma questão muito maior: se o Brasil, incluindo a cidade de São Paulo, está ou não preparado para tais tecnologias. Não está, e não faltam sinais óbvios para chegar a esta conclusão.

Poluição ambiental se resolve com uma série de ações que extrapolam muito o elétrico. Deveriam começar por um rearranjo urbano sério, muito além da liberação da construção de edifícios próximos ao transporte público, que por sinal está trabalhando em seu limite e sem qualquer sinal de melhora. Planejamento sério deveria iniciar resolvendo as prioridades da realidade que está ai, não um delírio populista de intenções que ninguém sabe quais, para que ou a quem servem. É fato que uso de diesel aumenta a poluição, assim como é fato inequívoco que motor desregulado, diesel adulterado, semáforos quebrados, corredores de ônibus esburacados, motoristas mal treinados para a condução do veículo e com condição de trabalho precária, trajetos questionáveis, motociclista acidentado parando tudo, motoristas infratores não multados, e tantos outros detalhes que aumentam muito o consumo, portanto a poluição.

Não se resolve absolutamente nada com fórmulas mágicas e principalmente colocando todos ovos numa única cesta. É absolutamente incrível que nós, paulistanos, não tenhamos nos dados conta destas verdades. Pior, faz muito estamos brincando de colocar a mágica para todas soluções numa única cesta, não raro furada.

Não é sobre eletrificar, é sobre a cidade. Eletrificar é uma pequena parte da questão, que só funcionará caso o resto também funcione com uma mínima qualidade e precisão. Imagine que divertido ter uma frota de ônibus elétricos no meio dos apagões. Aliás, eles funcionam bem em alagamentos?


Rádio Eldorado FM 

Fica sugestão de pauta:
Como o sistema de bondes acabou, ou como foi sabotado?
Por que os trólebus foram desaparecendo?
O que está acontecendo com os automóveis elétricos aqui e fora?
Etc...

Não sou contra os elétricos, muito pelo contrário. Sou contra fazer mal feito, sem princípio, meio e fim, aliás, futuro?

Podem pesquisar também qual foi o projeto original da av. Santo Amaro para transporte de massa, Prefeitura Covas. 

E como se deu a escolha do monotrilho, av. Roberto Marinho, em vez do VLT que se aventou?
Aliás, seria interessante ouvir quem avisou que monotrilho daria caca.

Eu amo ônibus elétricos. Subia nos trólebus toda vez que podia. Sei a delícia que é qualquer veículo elétrico, mas tenho um mínimo de interesse e leitura para perceber que da forma como se está fazendo não ia dar certo.

Nem vou dizer para se colocar em pauta uma matéria profunda sobre as empresas de ônibus urbanos.



O segundo é o primeiro perdedor

Rádio Eldorado FM 

Palmeiras nos últimos anos ou foi campeão ou vice, ou chegou quase lá. Os comentários depreciativos sobre este ano do Palmeiras remetem a um comentário acertado de Nelson Piquet: para o brasileiro o segundo colocado é o primeiro perdedor. Não tenho dúvidas que o Brasil é o que é, com todos seus problemas, porque brasileiro se recusa a aceitar um trabalho sério que não deu exatamente o resultado esperado. Enfim, aqui perdeu, aqui é um imbecil. Venceu, não importa como, a que preço, é bom, é a referência.
PS. Não sou palmeirense, nem torcedor fanático de outro time. Sou um simples brasileiro

sábado, 7 de dezembro de 2024

Filho turista, família e mãe empregada doméstica

Solidão e solitude.

Está chegando aquele momento do ano no qual as pessoas em festa se dividem entrem "eu sou o último biscoito do pacote" e as que gostariam que a reunião fosse de família, coletiva. É também o momento que a divisão entre servidos e serviçais se escancara. É quando filhos turistas (bem brasileiros, que foram ou não foram à Disney) imaginam ou tem certeza que seus avos, pais, mães, tios e tias, têm cara ou são a definitiva encarnação do Pateta ou Clarabela. Também podem acreditar que a estes mesmos, avos, pais, mães, tios e tias, fazem parte do banco imobiliário, aquele jogo de tabuleiro, mas aqui como banco, literalmente, e imobiliária, literalmente, ou seja, que tem obrigação de fornecer o melhor da casa e comida, e ai se não oferecerem! 
Enfim, chegaram o Natal, a festa imposta para aqueles que tem a síndrome do selfie com certeza que é o último biscoito do pacote (abundado no sofá). Os servicais que sirvam, incluindo a avó.

Poderia, ou deveria, continuar a descrever tipos que estarão presentes nas comemorações deste e de todos Natais. Este chega a galopes. O ano se foi, acabou 2024, ninguém sabe, ninguém viu. 
Não, não são só os meus que quero aqui descrever. Em todo o planeta Cristão estarão presentes familiares e amigos que tem ojeriza a qualquer esforço que não seja ficar sentado, quanto mais dizer a pratos e copos sujos, a chegar perto da cozinha, esticar a mão para o próximo. Também estarão presentes aqueles mais novos, a geração eu, que educadamente em sua infância ou adolescência se recusam a ceder uma cadeira para os mais velhos. Sim, não, ahmmm? respostas ou não respostas de uma inteligência suprema, mais, sem tirar o olho da telinha. 

Ah! Sim! Ou não! Sei lá. Pelo menos em casa parece que conseguimos controlar os malucos que adoram política. Se começam, logo se coloca um freio.
A ceia de Natal de um amigo terminou com o peru voando pela sala como bala de bazuca contra seu inimigo. Como ele contou as gargalhadas, e já estava preste a ter um ataque cardíaco com a história, acabei não sabendo se o tiro foi disparado por um fascista ou comunista. A comemoração só não acabou porque a mira estava errada, o atacado conseguiu desviar a cabeça e o peru encaixou-se no meio da árvore de Natal iluminada. Um tio bem humorado e completamente bebado foi lá, arrancou a coxa gorda e engordurada e saiu comendo lambusado pela sala. Peru resgatado, colocado de novo sobre a rica mesa, e fatiado para a felicidade de todos... e para calar a boca dos dois imbecis que envergonhados pararam de urrar.

Enfim, lá vem o Natal. FELIZ NATAL 

Cansei de ver a matriarca da família sendo usada como eletrodoméstico. A gota d'água foi um almoço de boas vindas no qual uma das convivas que além de ter problemas para levantar a bunda da cadeira, foi atrás da serviçal matriarca reclamar que não estava sendo bem servida. Gota d'água porra nenhuma! Foi um balde de gelo, pedra de gelo, iceberg na cabeça. Na hora deixei passar, mas uns dias depois, mais calmo, mandei mensagem bem pensada, medindo bem as palavras, lembrando a todos que, mais do que matriarca, era ela quem havia sustentado e continuava sustentado toda tropa, além disto já se encontrava na melhor idade. "Melhor idade é sacanagem, é a pqp!" responderia ela, ofensa para quem ainda não pode deixar de trabalhar. Ok, lembrei a todos os abundados do dito almoço que a eletrodoméstico em questão já se encontra vizinha dos 80, e que levassem em consideração este pequeno detalhe. "Não seria justo que a esta altura da vida, depois de tudo que fez por vocês, em vez de servir fosse servida?" Acreditem se quiser, tomei uma cortada em minha mensagem. Aí explodi, o que foi considerado um exagero minha parte.
Com tristeza e ao mesmo tempo aliviado, avisei que deste Natal estou fora, ou, como disse, "o mordomo, empregado doméstico, ou ainda e também o eletrodoméstico, pede demissão irrevogável".  
Antes só que...

A verdade é que não consigo mais estar presente para ver abusos de filhos e netos turistas. "É adolescência", ouço como resposta, e não aceito, não consigo aceitar. Aí digo eu: "adolescência a PQP!". Sou bem viajado e afirmo com todas as letras que nossos pimpelhos são muito mal educados. Aliás, não preciso eu dizer isto, basta ler artigos e mais artigos, e mais artigos de epecialistas que dizem e confirmam a mesma coisa. Temos uma geração "o outro que se foda" e achamos normal, até mesmo no Natal.

Filho turista foi uma expressão que ouvi numa entrevista e que define aquele filho que usa a casa dos pais como se fosse um hotel. Está lá para ser servido e ponto final, e ai se tudo não estiver do jeito que ele gosta. É o que mais tem nesta nossa classe média vai ao paraíso. 

Estou muito mais leve. Uma das situações que fiquei livre, e não tem nada a ver com a tropa do dito almoço, nem com Natal, foi deixar ouvir o senhorio enfiar o dedo na campainha eletrônica que disparava um dim dom altíssimo chamando a senhora que passou a vida lá servindo exemplarmente. Não era um sininho ou algo que chamasse com respeito, mas um dim dom altíssimo, desagradável até para os convivas que estavam lá visitando do senhorio. O senhorio se foi, felizmente. A campainha continua lá. O que vocês sugerem que eu faça com ela? Minha ideia é quebrá-la a porretadas. O que vocês acham?

Tudo começa dentro de casa. Em nossa cultura o Natal é (ou deveria ser) a reunião de família onde todos se abraçam (ou deveriam se abraçar) em nome de um começo ou recomeço de esperança, paz e amor. 

Feliz Natal a todos.
Precisando, me chamem que vou ajudar.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Karma do karma

Gostaria que o inventário terminasse ontem. Melhor, que nunca tivesse existido. Tive a ilusão que com a morte dele tudo se resolveria como num passe de mágica. Definitivamente não! Nunca pensei que os dias seguintes fossem ser tão mais pesados que o que se foi com o desaparecimento dele. Perdi a capacidade de me controlar, descobri o que pode ser o karma do karma. Usei as técnicas mais bestas para esquecer e mudar de rumo emocional, segui as recomendações de amigos e familiares, nada. Tentei lembrar dos momentos bons vividos, mas estes invariavelmente terminavam com a lembrança de outra estupidez idiota, coice certeiro e desnecessário, em mim ou em outra pessoa que dizia por ele querida. Bastava que estivesse por perto. Os passantes, aqueles que tiveram contato eventual, informal ou desinteressado, viam nele um anjo caído do céus, uma pessoa boníssima, um exemplo social, o que não deixava de ser naquelas circunstâncias, não posso negar. Frienemy puro. 

Soube que foi achado algo inesperado no fundo do armário de roupas dele. Confirma mais uma vez e definitivamente uma das reclamações que minha mãe tinha. Bate o martelo sobre quem estava correto nas desagradáveis gritarias que teve com seus enteados. Pensei que tudo se resumisse a uma pequena caixa vermelha cheia de bugigangas que eu sabia da existência porque foi mostrada por ele próprio. Não consigo entender para que ele fez mais esta besteira sem tamanho.

Karma do karma porque olho para o passado, sei quem fui, como me comportei, e a imagem que deixei, e não posso reescrever, mostrar o que realmente aconteceu, tirar pesos pesados passados das costas de minha consciência. Colocando em outro patamar, que vale como referência, a história é escrita pelos vencedores. Ele venceu, e diferente da grande história, a da humanidade, não conseguirei reescrever a minha. Transitado de julgado, assunto encerrado.
 
Depois que ele saiu de casa, quando eu tinha 11 anos, comecei um processo doloroso para sair do círculo vicioso. Tive sorte. Fui morar num edifício onde moravam vários adolescentes com a mesma idade e que eram judeus. Mudaram minha história, me ajudaram muito sem saber, muito mesmo. Me fizeram olhar as relações numa outra escala. Lá, naquele edifício, vivi anos maravilhosos, tanto porque meu núcleo familiar ficou em paz, maravilhosa mágica, como porque tive amigos queridos, Beto, Neco, Saulo, que sem saber me apoiaram. Não posso deixar de citar seus pais e outros vizinhos, todos judeus, gente equilibrada. Com minha mãe e irmão em paz tudo começou a se encaixar. Paz!

No meio desta tormenta karma do karma que vivo agora, e por causa dela, olhei-me no espelho e senti-me ridículo. Nos anos do apartamento e meu convívio com os judeus pude ver alguns deles que escaparam de campos de concentração. Não é necessário parar e ter uma conversa profunda e dolorosa com alguém que viveu ou conviveu com algo que muito além de um karma para sentir a diferença. Em tudo expressam a vida. Passou de um grau de sofrimento as atitudes práticas perante a vida, a vida, a vida, a vida, são outras, sem mimimi. E olhando no espelho pensei "Cara, deixa de ser ridículo. Olha o abençoado que você foi e é. Mas estarei tendo um mimimi?

"O tempo diz tudo a todos. O tempo ensina". Já se passaram duas semanas. O que eu senti como um linchamento oferecido de bandeja pelo karma vai esvanecer, mas continuará uma sombra, disto não tenho dúvida. Não é uma exclusividade minha, isto tenho certeza. 
Cumpri minhas obrigações sociais, mas me pergunto o porque as cumpri e se valeu a pena. De qualquer forma cumpri. Não houvesse cumprido o karma seria outro, mas karma. Disto não se escapa.

Ouvi os conselhos de uma tia, segunda mãe, ou agora 'a' mãe. Não me lembro suas palavras, o karma do karma é mais pesado que sábias palavras, mas sei que sua sabedoria, sabedoria de quem viveu a vida, e sabe bem o que pode ser um karma do karma, me deu referência que não estou sozinho e definitivamente não sou o único. Aconchego.

Tenho que responder com educação aos que me vem dar condolências, mas ninguém está escapando de minhas palavras sobre como foi para mim e como estou me sentindo. Não tenho a mais remota dúvida que só a verdade salva - pelo menos suaviza para mim. 

A maioria das verdades desta vida são construídas sobre patamares das verdades individuais de cada um, que por sua vez distorcem a verdade que está sob seu nariz. Quem conta um conto, aumenta um ponto. Dependendo  do que, o karma do karma. A história é dos vencedores. Aos perdedores migalhas suadas.

No Estadão saiu um denso e pesado ensaio "Sobre os sentimentos silenciosos que possuímos e não confessamos" com título "Pequenas vilezas humanas".  
Diferente do que repete a exaustão um amigo, não considero a vida dura. E como está em várias escrituras sagradas, a paz da maturidade só vem com as passagens de sofrimento. Sim, agora me lembrei, foi isto que minha segunda mãe me disse. Me pergunto, precisava? Não teríamos outros caminhos?

Do que vivi, posso dizer que não teria entrado neste profundamente dolorido karma do karma caso tivesse sabido colocar a verdade como prioridade sempre, ou algo próximo a ela, em cada situação, em cada instante. Não teria sido presa tão fácil, isto é - caso tivesse feito a comunicação correta. Não raro a verdade é uma baita mentira.

domingo, 1 de dezembro de 2024

Desperdício

Cai na asneira de fazer um comentário numa rede social sobre o desperdício de dinheiro que foi a falta de critério na implantação de ciclovias e ciclofaixas em São Paulo. Para piorar respondi a um entusiasta do sistema cicloviário implantado em Sorocaba. "No fim de semana tem até congestionamento..." respondeu ele.

A palavra que pegou pesado foi "desperdício". 'Como assim ciclovia é desperdício?' A pergunta foi repetida em tom de sarro em várias postagens. Desperdício!? Pelo que se entende das postagens, se foi feito em nome do social então não é desperdício. Não mesmo?

Fiquei procurando como responder e cheguei a duas conclusões, a primeira sábia: não responder. A segunda, mais sábia ainda, procurar com calma um bom exemplo que possa explicar para os mais fanáticos porque mesmo a mais urgente ação social pode ser um desperdício de dinheiro público. E não demorou muito, lá veio um ótimo e terrível exemplo. 

Juan Domingos Peron assumiu a presidencia de uma Argentina em 1950, recém saída da Segunda Guerra Mundial e riquíssima, com a maior reserva de ouro do planeta. Um dia Peron foi para a rádio e disse que estava caminhando sobre o ouro, que o povo não comia ouro, e que daria este ouro para o povo. De um país riquíssimo, a quinta economia do mundo, com índices sociais invejáveis, a Argentina se transformou no que é hoje, com seus 50% de pobres ou abaixo da linha de pobreza, uma economia completamente desajustada... O ouro? Ora o ouro! O que foi feito dele. Não importa para muitos, Perón é de esquerda (?) e tem que ser aplaudido. 

Enfim, mesmo riqueza abundante não se deve desperdiçar, mas é difícil não cair em tentação. Amir Klink fala muito  sobre desperdício, sobre a perigosa facilidade que vem com o ter em abundância.

O Brasil é o que é porque o nível de desperdício que temos por aqui é completamente absurdo, todo tipo de desperdício, de riquezas, oportunidades, no mal feito, no pensar errado, comodismo...

Talvez o desperdício que mais me incomode seja o de boas cabeças com boas e verdadeiras intensões. 

Bicicleta é crucial para a transformação que se espera das cidades, está mais que provado. As razões são inúmeras, muito além das questões de mobilidade. Encher as cidades de ciclovias não resolve porque tem gente que não usa e provavelmente nunca usará uma bicicleta. Técnica de segurança no trânsito moderna também descarta o concentrar em ciclovias e ciclofaixas.  

Num bairro com uma topografia muito acentuada, como a Pompeia, colocar uma ciclofaixa numa subida que elimina 95% dos usuários de bicicleta é de uma burrice sem tamanho. Implantar ciclofaixa em bairro com topografia acidentada, de classe média muito alta, onde o automóvel é regra social, sem comércio  por perto, onde há pouco trânsito e só circulam meia dúzia de ciclistas esportistas, é ou não é  desperdício? Brigar com todo um bairro comercial para facilitar a passagem alguns ciclistas vale a pena? 
 
Responsabilidade social requer um cálculo bem elaborado de custo benefício de tudo, ou haverá uma boa possibilidade de desperdício de dinheiro público, que por sua vez é crucial para as urgências sociais que temos.

Não é porque tem viés social que investir desmesuradamente vai ajudar a resolver a questão. Neste nosso Brasil isto está mais que provado. 
Tem que investir bem, pensando a curto, médio e longo prazo, com todas as variantes, pró e contra no cálculo,ou a possibilidade de desperdício será alta. 
Boas intenções por si só são um bruto desperdício. 
Seja pragmático.