Passeio Ciclístico da Primavera com um milhão de ciclistas? Sim, aconteceu, uma das fotos está aí.
Eu conhecia muita gente do setor de bicicletas e por causa disto subi no caminhão de som que ficou parado na largada daquele Passeio Ciclístico da Primavera, num dos portões do Ibirapuera, o de frente ao Monumento às Bandeiras.
Deram a partida, deu-se início o passeio, a massa que não terminava mais começou a se movimentar lentamente, e todos lá em cima desandaram a conversar. Um bom tempo depois, tempo que não nos demos conta no meio das conversas, alguém deu um grito "Estão chegando!" e todos nós voltamos para a curva da av. República do Líbano, ponto final do passeio. Alguém ao meu lado disse "Vai dar muita confusão". Os últimos, que era uma massa a perder de vista, não tinham sequer saído ainda. Não podíamos acreditar no que estávamos vendo.
No dia sequinte apareceu a contagem estimada com certa precisão e o número batia no milhão de ciclistas, ou mais. Entupiram nada menos que uns 12 km de avenidas de um circuito "no entorno do Ibirapuera", como diziam.
O Passeio Ciclístico da Primavera nunca mais foi repetido com saída do Parque Ibirapuera. No ano seguinte ao milhão dividiram o evento em dois, e a partir de então aquela alegre festa anual foi morrendo aos poucos. A meu ver, o golpe de missericórida foi levá-lo para dentro do Autódromo de Interlagos, no circuito, com seu asfalto muito áspero, ruim de pedalar, sua subida dos boxes duríssima, ventos constantes, chuvas imprevisíveis...
Uns anos depois a Caloi fez uma pesquisa de mercado para saber o que estava acontecendo nos fins de semana e o resultado, até surpreendente, correu feliz entre todos do setor e apaixonados pela bicicleta: milhão!
CET SP, impressionada com este número e vendo ciclistas para tudo quanto era canto aos domingos ensolarados fez a sua contagem e mais uma vez bateram no milhão, só que desta vez soube-se aos cochichos de corredores.
Este 'milhão' de uma certa forma não impressionou muito o pessoal do comercial das fábricas. As vendas estavam nas alturas, o número calculado de bicicletas na cidade de São Paulo, diziam, era estimado por volta de 4 milhões, a imensa maioria jogada em algum canto tomando poeira. O cálculo era feito em cima das bicicletas vendidas, sua durabilidade, cerca de seis anos, e para separar as usadas das paradas, a movimentação em bicicletarias na oficina e principalmente a troca de pneus e câmaras. Quatro milhões não fazia sentido, mas foi aceito. Uma bicicleta para cada 3 habitantes? Muito. Um milhão nas ruas? Bem possível.
Todos números eram muito altos, mas mesmo que estivem errados, o que ninguém sabia ao certo, apontavam para um fenômeno inegável: bateu sol no domingo, tinha ciclista para tudo quanto é canto.
Em 2005, por conta do Projeto GEF Banco Mundial, a CET apareceu numa reunião com mapa de contagem aleatória. Os números pareciam ridículos, uns gatos pingados aqui, outros acolá, mas um olhar mais atencioso apontava sem sombra de dúvidas que a quantidade de ciclistas circulando também durante a semana era mais que sensível, era expressível. O que chamava atenção era aparecer ciclista em locais que de certa forma não fazia sentido. Não importava o bairro, não importava a classe social, a renda, em tudo quanto era canto aparecia ciclista. Os gatos pingados ficavam por conta dos horários quando foram realizadas as contagens.
Nesta mesma época, Sérgio Luís Bianco foi chamado pela TV Globo para dar uma entrevista sobre a quantidade de ciclistas que cruzavam a Ponte do Socorro. A gravação começou por volta da 6:00h e uns minutos depois Canuto, o entrevistador, parou a gravação e mandou buscar o motorista da Kombi para contar os ciclistas que passavam. Contaram em um pouco mais de meia hora algo como 183 ciclistas só no sentido Socorro - Santo Amaro. Canuto não podia acreditar.
Não demorou para a CET mudar seu discurso, triplicar, quadriplicar o número de ciclistas em dia de trabalho. Pularam de 65 mil para 130 mil e não demorou eles próprios já deixavam escapar 250 mil, mais de quantro vezes o discurso oficial. Sobre o milhão dos fins de semana ensolarados ninguém mais questionava.
Em 2007, Walter Feldman apresenta na Secretaria de Lazer e Esporte o projeto da futura Ciclo Faixa de Domingo. Por razões legais, para embasar o projeto, teve que fazer mais outra pesquisa e novamente a contagem de domingo ensolarado bateu no milhão. O sucesso explosivo da Ciclo Faixa de Domingo diz tudo.
Vale a tiração de sarro: com certeza! "São Paulo nunca teve bicicleta. Para que ficar gastando tempo com esta besteira?" disseram várias autoridades. De fato!