domingo, 8 de outubro de 2023

Olhar míope, conversa tacanha. Medo?

Ontem um dos meus netos, de 10 anos, andou pela primeira vez na vida num ônibus aqui, em São Paulo e Brasil. 
Já tinha entrado num na Alemanha, mas aqui não. O entusiasmo com a novidade foi notável. Descobri que nunca aqui, terra tupiniquim, entrou num metrô. Monotrilho nem pensar, o que é isto? Alguma novidade nesta "ignorância" do bom guri? O guri é ótimo, calmo, interessado, ligado em tudo, não tem celular até hoje e entende porque não o tem. 

Lá é seguro, aqui não? Lá é pontual, aqui... Lá é... , aqui.... Nem pensar em ele ir só... São várias as alegações para evitar que os filhinhos usem o transporte coletivo. A única inegável é roubo ou assalto, violência.

Nenhuma novidade que um garoto brasileiro, paulista e paulistano, da classe social e idade dele, ou até mais velho, nunca tenha entrado num transporte coletivo em sua vida.

O espetáculo terminou, a massa saindo do teatro começou a pegar qualquer taxi e entrar em qualquer carro que aparecesse na frente. Medão, eu não! Quem garante alguma coisa? O povo quer se mandar de lá, terras desconhecidas, próxima ao planeta Cracolândia, a da porta do teatro para a rua, vamos dar o fora, sair correndo.

Saímos do teatro, eu, avó e guri, olhei para o outro lado da avenida, subia um ônibus, consegui ler para onde ia, demos um corridinha e mandei que entrassem no ônibus que fechou as portas e partiu. Estávamos livres daquela loucura. Liguei para os pais do guri, avisei que estávamos num ônibus sem saber o que achariam, se eu iria tomar uma bronca. Avisei sobre a mudança de planos, que seria numa parada na av. Santo Amaro à pizzaria, meio do caminho para eles e para nós, vida mais fácil para todos. Não tomei bronca para minha surpresa, muito pelo contrário. Estranho. 

Em terra de medos, eu em particular, tenho medo de entrar em taxi que fica a espera na porta de teatros ou aeroportos. No ônibus, olhando para trás, fiquei imaginando que aquele povo amontoado na calçada da porta do teatro que pegava taxi provavelmente tem mais medo de entrar num ônibus com a sagrada família. Por uma lado posso entender, o cheiro do mendigo sentado mais atrás se espalhava, mas faz parte da vida. Não sei se perfume comprado em free shop por madame é pior. Pelo menos ali não estou trancado num carro dirigido por alguém que segue os caminhos marcados no celular dele e que não sei onde estou indo.

Há algumas diferenças entre o ônibus e o taxi. Se eu gritar num taxi com janelas e portas trancadas ninguém vai me ouvir. Taxis são transporte individual e muito mais caros que ônibus, na matemática financeira de nossa realidade social isto é igual a mais seguro? Provável. E tem todo imaginário que o status carrega, o que nestas pastage não é nada desprezível. Paranoia!? 

Com o neto sob minha responsabilidade deveria eu ter telefonado para os pais e aguardado a chegada deles dentro do teatro? Tomar a decisão de ir de ônibus faz sentido para mim, mas para para quem mais de nossa classe social abastada? 

Somos educados e vivemos num discreto aparthaid. Mentira! Verdade! 
Muros, seguranças, blindados, informação seletiva...
O desconhecimento gera medo, o medo por sua vez gera distanciamento, desconexão, fantasias, falsas verdades, verdades míopes. O que fazer? Pais que só andam de carro próprio, janelas fechadas, para eles o que será um ônibus? 

Eu só saí dos Jardins sozinho para conhecer o que havia noutro mundo, para lá dos limites familiares, o temido desconhecido, quando tinha uns 18 anos, dentro de um carro, dirigindo, portas fechadas, passando ruas e avenidas, as principais, olhando para frente para evitar acidentes de trânsito. Pelo menos na época não existia ar condicionado nem vidro fumado. E, principalmente, o Brasil sequer imaginava no pior dos pesadelos que nossa violência chegaria onde chegou.

"Você foi onde?" No meu entorno, entre os meus, discutia-se sobre o que fazer com aquelas vidas distantes afirmando certezas, mas sem nunca sequer ter passado perto. Alguns trabalhavam pelas redondezas, mas chegavam e saíam de carro, entra, portão fecha, saí, portão abre e fecha. O bar do outro lado da rua que serve p.f. comercial? "Onde?" 

E todos estamos sendo obrigados a ser politicamente corretos. É mesmo!? Não podemos mais delirar sobre o que não fazemos ideia do que é. Discussão absolutamente míope, conversa tacanha, pé batido com força no piso de pedra dura sobre o que pouco ou não se conhece: mas seja politicamente correto!

Os pais do guri têm outra cabeça. Sentamos na pizzaria e eles imediatamente pediram para o guri contar a aventura no ônibus articulado. Ufa! Ele adorou. 

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