terça-feira, 14 de março de 2023

Fazer a vida...


São dois irmãos trabalhando de atendentes no café da manhã do hotel que estou, ela com 20 anos, ele com 17. Educadíssimos. Saíram do Egito pelo que entendi com ajuda e apoio da mãe. A menina foi clara; quer independência, viver a vida, ser mulher, dito em palavras sem contornos. Ele tem consciência que precisa trabalhar e ganhar a vida. Os dois estudam, ela marketing, ele colegial. Ela trabalha 6 horas por dia, ele 3. Não há sinais de arrependimento por parte dela, que a única certeza pelo quanto é que Itália não é seu lugar. Ele faz todo trabalho com muito cuidado e atenção, mas em suas palavras há algo que diz que gostaria curtir sua adolescência como outros garotos que não trabalham. Não é uma reclamação explícita, mas uma sensação minha. 
Os dois são meus heróis. They are my heroes. Longe do Egito, longe da família, longe dos amigos, numa cultura completamente diversa, mas com um objetivo claro na cabeça. Sinto uma profunda inveja, sinto mesmo.

No Brasil minha sobrinha neta recém entrou na faculdade, está estudando em Sorocaba. Esta feliz e acha que está no caminho correto. Para os sonhos de uma classe média acomodada está mesmo, mas a vida é maior, pode ser muito maior. 
A neta vai prestar vestibular ano que vem e está forçando a barra para fazer a faculdade no Rio de Janeiro. O Rio não será o mesmo das viagens festivas que tem feito com a divertida e mão aberta tia, mas a neta acha que este é o caminho. 
As duas não fogem à regra da boiada. 

Até tentei fugir da mesmice de uma vida acomodada, mas fui incapaz. Com 21 anos vendi todos meus discos, peguei o dinheiro, comprei um mochila, enchi com roupas que não devia e peguei a estrada rumo aos Estados Unidos por terra. Tinha um sonho pela frente e uma total falta de noção sobre a vida real. Tive amigos que fizeram, foram, passaram meses e voltaram cheio de histórias, alguns por lá ficaram e não tive mais notícias. Meu sonho, a referência, era repetir a viagem de um amigo muito bom de conversa, simpático, bem educado, com rara habilidade social, que praticamente sem um centavo no bolso chegou até a Florida, fez amigos, chegou a viajar de veleiro pelo Caribe, e ainda voltou para o Brasil como uma bela máquina fotográfica. Verdade, tudo registrado em fotografias de papel. 

Tenho boas memórias de minha viagem. Cheguei em Lima tão magro que fui acolhido por uma família conhecida de minha irmã e lá fiquei por mês até ter uma aparência saudável. De lá em vez de seguir para os Estados Unidos por terra acabei aterrissando em Zurique. Por que? Preço de passagem. Do mochileiro hippie cucaracha sem centavo rumo ao sonho do flower power californiano me vi assistindo o GP de Mônaco no pátio do palácio, bem em cima da curva do Tabaco, o melhor ponto para se ver a corrida. Um pouco depois pedi ajuda para minha mãe que me pagou uma passagem de terceira no navio Cristoforo Colombo. O que vi ou aprendi nesta viagem? Pouco, não passei de um mulambento andando pelas ruas e olhando edifícios, mas de qualquer forma me serviu muito.
Feliz com a viagem, cheio de histórias para contar, me doía no coração não ter feito tudo com minhas próprias forças, ou, as minhas próprias custas. Fui um hippie de classe média, mui hippie, pero con la plata de mama. Fácil. Até hoje sinto profunda inveja de meu amigo que foi e voltou movido pelo próprio jeitinho.

Os netos adolescentes não saem do celular e das redes sociais. Sim, não, a conversa se restringe a estas duas palavras. Eu não tenho a mais remota dúvida que estão literalmente mortos, mortos vivos. São filhinhos de papais, nada mais, não fazem a mais remota ideia do que é vida, do que estão perdendo. Acreditam no pobre sonho de classe média "que vai dar certo", que a vida se resume a isto. O problema é que vão pegar pela frente meninos e meninas de sua geração que viveram a vida, que sabem o que é a vida, como funcionam as coisas e que vão ser infinitamente mais competitivos. A desvantagem social que eles tem é um absurdo. Não é exagero meu, há provas fartas que é assim que funciona, principalmente no Brasil.

Outra perda que tive na vida foi não ter trabalhado como office boy, o que hoje corresponderia a trabalhar no MacDonald's. Ou seja, "abrir horizontes", usando exatamente as palavras da egípcia.
Todos que conheço e foram para a vida são muito mais bem resolvidos que os que se acomodaram no sonho da vida cômoda.  

O que os dois adolescentes egípcios estão fazendo será um imenso diferencial em suas vidas futuras, mesmo que optem por uma pacata vida de classe média. Pelo menos tentaram. 

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