segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

A Mercedes Bens 320 1984: brinquedo a venda

Cazzo, justo hoje e agora está chovendo. Só pode ser piada. Tenho que pegar a Mercedes. Que Mercedes? A Mercedes que é o brinquedo de meu pai. "Brinquedo?" Sim, brinquedo, já foi um carro, um modo de transporte, mas agora é um dos seus brinquedos prediletos, se não for "o" predileto.  


Meu pai tem 91 anos e sua vida foi um correr atrás de novidades, modernidades, engenhocas da moda, por assim dizer brinquedos, não necessariamente brinquedos em si, mas coisas que preenchessem os vazios de seu ser. Nada diferente da média mundial, a bem da verdade nem de mim, mas sou um ano luz mais controlado, meus olhos não brilham frente a uma vitrine. No caso da Mercedes quatro portas branca 1994 houve e segue havendo uma dose dupla, tripla, "por favor mais uma dose", de carga emocional não controlada e a bendita (para ele) Mercedes está parada na garagem faz mais de 2 anos; ou mais. Coitada da Mercedes!
Tudo o que não se pode fazer com qualquer máquina, incluindo carros de boa qualidade, vide Mercedes, é deixar parada, se uso. Ele até pediu ajuda ao Leonardo que vira e mexe sai para dar uma voltinha, mas muito pouco até para uma Mercedes. A esta altura de sua idade meu pai não dirige mais, sei é muito dolorido para quem aos 6 anos, sim, seis anos de idade, foi pego pela polícia dirigindo o carro de seu pai a pedido dele, meu avô. O policial foi atrás de um carro que não tinha motorista, melhor, tinha, mas era tão pequeno que não se via de fora. 
O correto, o sábio, o sensato, seria e continua sendo vender a Mercedes, mas falar sobre isto era acender o pavio de uma discussão sem fim. "Você não gosta de carros" diz ele para mim em tom de ironia pesada.

Milagre, milagre! a Mercedes tem que ser levada para a venda! Não acredito! É bom aproveitar e sumir com ela em nome do correto, o sábio, o sensato, e que Deus me ajude!

Levar a Mercedes, levar a Mercedes, levar a Mercedes, e noites mal dormidas. Sou eu quem a vai dirigir pela estrada afora bem sozinho levando o carro do vovozinho... Pesadelos, mais pesadelos. Vou ficar no meio da estrada? Bom, ela chega até a estrada? Não será colocá-la num guincho mais sábio? Por favor meu Deus, lei de Murphy longe de mim. O freio vai funcionar até lá? A Polícia Rodoviária vai parar? A documentação está em dia?

- O carro está ótimo! afirma definitivo meu pai. E vai qualquer um questionar qualquer coisa! "A Mercedes está perfeita!" Upa!!! 
Bom, pelo menos o Luciano, aquele que socorre meu pai ou a Mercedes, já não sei bem, diz que o carro está bem e chega sem problemas em seu destino final, na casa do vendedor de Mercedes, 30 km de viagem. Ok, acredito no Luciano, mas entreguei o carro dou meia volta e saio correndo, ponto final, e nunca mais toco no assunto com quem quer que seja, se Deus quiser.
 
Como veem a situação é difícil. Já citei um monte de vezes o nome Dele, Deus, e neste caso vou continuar citando. Não sou destas coisas, não peço ajuda aos Céus, mas o caso demanda, ô! como demanda!
E continuo a não dormir bem. Ao fechar os olhos penso nos caminhos, ligo a luz, pego o celular para olhar o mapa mais de uma vez. Será que minha bicicleta cabe no porta?

Acordo cedo, tomo café da manhã e saio pedalando para a casa de meu pai pegar a Mercedes. Hoje é o dia! Pedalo um pouco e começa a chover. PQP! começamos mal. Para a chuva e sigo em frente revisando cada um dos passos desta manhã calma de domingo. Estou tendo uma aula magna de ansiedade. PQP! Pelo menos não chove mais. 

Subo ao apartamento de meu pai e pego a chave. Abaixo a ansiedade. Garagem, lá está ela, Mercedes, a bem da verdade linda, imponente.

Não pega. Está velha, tem lá suas manias, só liga na mão de seu cuidador. Estou sentado nela procurando no Google uma reza brava para motores de Mercedes que não ligam, mas nada. Quiospi! Liga querida, liga, por favor. Dou beijinhos na lataria fria. Nada! Que Gerda! Parece que ela não quer deixar seu dono, sua vaga, sua casa, deve estar tendo um caso com Luciano. Ela sabe que eu a acho bonita, a bem da verdade é reconhecida como um dos carros mais lindos já produzidos, um clássico, mas não liga, ponto final.  
Vou sentar na mureta e olhar o canto dos pássaros. Dado um tempo para ela se desafogar, se este for o caso, e paro para mais uma tentativa; e nada. Não vou descarregar a bateria. Que liguem, meu pai ou o Leonardo, e quando ligarem me avisem que eu levo. 
Última ação do dia, tiro a bicicleta do porta malas, monto, desconecto a bateria, devolvo a chave pendurando no gancho da porta do apartamento e me vou. Meu pesadelo não termina hoje.  

Mando mensagem ao meu pai avisando que o carro não pegou, mensagem escrita, ele está surdo. Óbvio que ele ligou para mim e também óbvio que não ouvi, e ele sabe que normalmente não consigo ouvir. Óbvio que se tivesse atendido ele não entenderia uma palavra do que eu falaria, mas não ouvi, portanto não atendi, por conseguinte óbvio que tudo indica que ele, meu pai, ficou ofendido porque não atendi. Conversa de loucos.

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