sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Viajando no meio ambiente

Voando para Dallas com conexão para Chicago, fiquei com inveja de Greta Thunberg, aquela menina de 16 anos que cruzou o Atlântico num veleiro movido a vento e energia solar porque aviões geram muita poluição, no que ela está absolutamente certa. Adoro o mar, velejar, mas enjoo, portanto vomitaria um bocado. Ou me encheriam de remédios que na fabricação poluem dois bocados. 


Estou lendo "300 dias de bicicleta" de Sven Schmid que conta a história de sua longa viagem de Buenos Aires até o Alasca, 22.000 km pedalando. Estou no meio do livro e ele ainda está deixando a Bolívia, portanto ainda tenho muita leitura pela frente e muita inveja para curtir. Tenho uma vontade danada de subir pedalando do Brasil para cá, USA, mas tenho certeza que os peidos que soltarei pelo caminho poluirão muito mais que o avião no qual voei. Ademais estou velho e não tenho a mais remota vontade de montar uma barraca no meio de um deserto congelante. Montada a barraca, acender o fogareiro para comer macarrão com molho enlatado de tomate. Enlatado? Polui! Não que o chicken or pasta da American Airlines seja mais animador, muito pelo contrário, dá mais ou menos no mesmo. Sven Schmid não conta como resolveu o número 2, a bem da verdade nenhum destes viajantes conta em seus livros, mas certamente sinto-me mais confortável tendo o botão azul e quadrado escrito flush dos apertados banheiros voadores, mesmo que o papel higiênico seja fura bolo. 

Em Chicago, como em qualquer aeroporto, as locadoras de automóvel estão logo ali, uns metros de onde se pega as malas na esteira rodante. Já para chegar até os shuttle ou transporte coletivo é uma boa caminhada. Por que será? O shuttle que peguei foi uma SUV clássica da indústria americana, grande por fora, apertada por dentro. Piso levantado e o pouco espaço interno, é uma carroceria montada sobre chassis, coisa de Ford T, tecnologia de ponta em 1908, que não faz mais qualquer sentido. Estes caras nunca viram uma Kombi. Num determinado momento emparelhamos com uma vã do mesmo tamanho, uma Dodge Ram, na realidade um Iveco Daily do grupo Fiat, grande por fora e por dentro, muito espaçosa, projeto autoportante, sem chassis. Tecnologia de ponta. Não ter eixo cardã faz uma diferença brutal em tudo, espaço interno, peso do veículo, perdas de energia, funcionalidade, inúmeros benefícios para o meio ambiente. A maioria dos ônibus urbanos no Brasil ainda são montados sobre um chassi de caminhão por causa de custo e para aguentar nossa buraqueira. A saber: uma lei de São Paulo proíbe desde o início da década de 80 que os ônibus de transporte público sejam montados sobre chassis de caminhão. Creio que ainda está valendo, mas quem se interessa? 

Não me lembrava mais de Chicago. É muito mais interessante que esperava. Tem calçadas maravilhosas, é graciosamente ajardinada, silenciosa, e apesar do trânsito pesado a cidade é tranquila, civilizada. É uma delícia caminhar e as pessoas caminham, sentam nos parques, correm, pedalam, vivem a cidade, inclusive os velhos, bem velhos que estão aí aos montes. Caminhei muito mais que estou acostumado em São Paulo. inclusive fora da área turística e mais chique. Todas as calçadas estão boas, regulares, com pouquíssimos defeitos, limpas, raro ver lixo no chão. Arborizados, com canteiros floridos. Americano sabe o que é uma cidade, ama sua cidade, cuida de sua cidade.

Nos primeiros metros de caminhada dei com a foto maravilhosa de uma menina com síndrome de Down dançando fixada num ponto de ônibus. Fiquei tão emocionado quanto quando vi os imensos banners pendurados no aeroporto de Paris com todas premiadas pelo Prêmio L'Oréal-UNESCO Mulheres pela Ciência. Aqui, Chicago, pela TV vi a recepção que toda uma escola daqui deu para um aluno dos primeiros anos que voltava a estudar depois de um dramático tratamento de câncer. Continuo a caminhada e cruzo a avenida que margeia o lago Michigan, uma pista expressa, como é habitual. Vão demorar um ano luz para integrar a cidade com o lago, assim como vamos demorar muito para tirar os automóveis das margens do rio Tiete, da lagoa Rodrigo de Freitas, de nossas praias. 

No centro de Chicago algumas ruas estão começando a ficar com cara da Broadway de NY, repetindo uma experiência muito bem sucedida, mas mais de 10 depois. Estranho que com a consciência sobre a importância dos pedestres e a vida na rua que se tem aqui tenham demorado tanto para repetir um caso de sucesso.

Há uma grande diferença, e toca diferença aí, entre o ambientalmente correto e o correto. Antes de pensar no "de avião ou pedalando?" é preciso firmar posição no "pensar no local para ter resultado global". São tantos detalhes que tudo vira uma confusão sem fim. Diz a sabedoria que quando há dúvidas o melhor a fazer é dar um passo à frente, mesmo que seja pequeno, e depois outro, mas caminhar. As pessoas ficam felizes em entrar num avião e fugir do caos do Brasil por uns dias, o que mais que entendo. Só não entendo porque não aprendem a jogar lixo no lixo, por que nossas ruas são tão sujas, mesmo nos bairros mais ricos e mesmo pelos mais ricos. Isto sim faria diferença sem tamanho; mais que os primeiros passos. O resto é como a lata de molho de tomate no meio do deserto ou a van com ou sem chassis. Cruzar o Atlântico num veleiro high tech é chique pacas, coisa de viking, aliás de onde a menina vem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário