A Ponte Bernard Goldfarb sempre
foi meu voo sobre a paisagem do rio Pinheiros, sua várzea urbanizada e ainda
verde, o Pico do Jaraguá ao fundo e as variações de horário, clima e ventos. Um
voo apertado, com uma pitadinha angustiada, entre a mureta que me segura de um salto
idílico nas águas límpidas onde minha mãe ainda menina nadava no rio, e carros
e ônibus circulando na faixa apertada que cruzam para a outra margem num sobe e
desce. Dos veículos não há tempo para se tirar os olhos do caminho; nem
imaginar parar, encostar à mureta e olhar, girar a cabeça e continuar a olhar,
360 graus de cima. A bicicleta já se fez amiga da mureta.
Manha quente e na parede do grande
edifício novo que fica do outro lado do rio, na cabeceira direita da
ponte, um urubu aproveita a térmica e o vento que bate e sobe rente à parede, e
exercita um voo suave, fluido, de discretas correções com asas e rabo. Eu o
vejo do topo da ponte, num de seus rasantes. Paro a bicicleta já na descida e
voo junto, sentindo com grande inveja as mudanças de direção, a o peso da força
da longa curva anti-horária, do sobe e desce, a delícia de passar rente à parede atirado ao ar, sob controle,
para quem quer que dos funcionários enfurnados em seus trabalhos possa ver uma
sombra preta, sair da tela do computador, e voar na paisagem dele, urubu. Voa em círculos
e mais círculos, no seu voo, simplesmente voo, urubu, nada mais, nem razão de
ser, mas prazer. Ele abre o círculo, sobe, diminui sua velocidade, abre as asas
imponente e pousa escondido de meus olhos no edifício em frente, do outro lado
da avenida. Sigo olhando para cima encantado pela natural maestria. Se faz um breve
silêncio em meu êxtase. “Hora de seguir...” Mas outras asas se abrem no beiral,
menores, cinzas escuras com as pontas brancas; também retangulares, e uma cabeça
branca com um formato delicado e um olhar irrequieto e um tanto ameaçador. Para
decolar bate as asas com força, mas um tanto desajeitadas para a leveza de um
urubu. Perde altitude para ganhar velocidade e cruza a avenida no sentido da
parede do grande edifício. A águia, imponente na sua
postura, busca fazer os mesmos círculos do urubu, como fosse um desajeitado aprendiz.
Dá algumas voltas, sobe e pousa no telhado do edifício provavelmente próximo do urubu. Qual será a conversa, os olhares?
Nenhum comentário:
Postar um comentário