Se arrependimento matasse...
Arrependimento é algo dispensável, que a vida vai ensinando os caminhos para evitar, ou pelo menos para minimizar nossas posições mais fortes, as que com o tempo se mostram ineficazes ou pouco produtivas.
Não foi a bicicleta quem me ensinou que algumas ações, julgamentos, juízos e preconceitos pouco valem quando a verdade é colocada em pratos limpos. Mas considero que muito de minha segurança no transito depende de não fazer coisas insensatas das quais possa me arrepender mais tarde. Entenda os outros e será seguro. Jogue a culpa no que está em volta e aumentará seus riscos. E mesmo que o outro erre, analise com inteligência. Potenciar o erro do outro enfraquece as próprias virtudes. Virtudes nos traz bom senso e bom senso o bom futuro.
Conto quatro breves e incompletas histórias, duas da vida pessoal e duas de minha relação com a bicicleta e a vontade de mudar o mundo.
História 1: Foi um longo namoro. Dez anos de paquera, namoro, e pouquíssimo tempo de noivado, um relacionamento de forte paixão, relativamente tranqüilo, de bom companheirismo, mas imaturo. Acertados os detalhes logo estávamos casados e seguindo viagem para Recife, onde fomos morar. Exatamente 3 meses e 20 dias eu estava dirigindo o carro de volta para São Paulo; só. Fui entender o que passara quando a psicóloga disse sem meias palavras: “Sua mulher tem um distúrbio neuro-depressivo (hoje conhecido por “bipolaridade”). Você não poderia entender o que estava acontecendo”.
História 2: Os noticiários davam que a fazenda do então Presidente Fernando Henrique Cardoso havia sido reintegrada pela Polícia Federal depois de sei lá quantos dias de invasão e alguns tantos danos à propriedade. No meio das imagens da TV a de uns Sem Terra imobilizados com a cara no chão de terra. A questão foi tema da conversa do jantar da casa de minha avó. Eu disse que colocar os Sem Terra naquela posição era um grande erro porque, principalmente na fazenda do Presidente da República, a desocupação deveria ser feita no mais restrito da lei. “Acontecer deslizes legais em outro lugar ainda vai, mas na fazenda do Presidente da República é burrice porque sabota a autoridade máxima do país. É um grande estrago para todos”. Meu tio falou de bate pronto: “Você apóia este pessoal, você gosta de invasor!” Entramos em um embate tenso, pessoal, portanto inútil. Em um determinado momento que soltei “Você é fascista!”. “Você conhece meu trabalho. Acha que sou fascista?”
História 3: Estava com o pulso engessado e não poderia correr a etapa do Campeonato Brasileiro de Mountain Bike em São José dos Campos, mas como “jornalista” tive que ir lá ver os treinos e ouvir a fúria dos competidores porque o circuito havia sido alisado por máquinas e parecia um estradão de terra. A razão, diziam todos, era que a Caloi, responsável e patrocinadora do evento, queria a todo custo que Mazzaron, da própria Caloi, ciclista de estrada dos melhores que o Brasil já teve e iniciante no mountain bike, mas ainda sem prática com a buraqueira, tivesse sua vida facilitada. No dia da prova fiz inscrição para minha categoria (máster) sem o gesso. Na hora da largada fui levado para pista cuidadosamente cercado pelos outros competidores para que a organização não visse não só o gesso, mas minha bicicleta, uma Caloi 10 das antigas, que quebraria num circuito de mountain bike de verdade. Larguei, corri, fui avisado aos gritos por amigos que a organização não iria me desclassificar, mas queria me matar. O circuito estava tão liso que terminei a prova com pulso e bicicleta inteiros. A provocação surtiu efeito. Dali para frente provas de mountain bike passariam a ser provas de mountain bike. E eu fiquei com grandes inimigos.
História 4: Gunter Bantel era então responsável pelo Projeto Ciclista do Município de São Paulo. O Projeto Ciclista propunha uma série de ciclovias espalhadas pela cidade, umas 100 se não me falha a memória, todas desconectadas. Eu tinha idéias bem diferentes de como trabalhar a questão da bicicleta e como introduzir um sistema cicloviário. Era (e continuo sendo) contra a “ciclovia salvação da humanidade”, o que considero um desperdício de dinheiro. Bantel era conhecido por seu gênio forte, por ganhar espaços no grito, pela intransigência com certos pontos, pela obstinação. Pelo sim ou pelo não, boa parte do que há até hoje em São Paulo para bicicletas tem de alguma forma sua mão. Durante a criação do mapa Ciclo Rede Rio Pinheiros, da GTZ com a SVMA SP, houveram algumas tensões no processo, algumas estranhas. Um pouco depois de terminado o mapa Ricardo Otake tornou-se Secretário de Verde e Meio Ambiente, me chamou para conversar e perguntou o que eu acreditava que deveria ser feito para seguir com o Projeto Ciclista. O fim da era Bantel foi ali decretado.Arrependimento é algo dispensável, que a vida vai ensinando os caminhos para evitar, ou pelo menos para minimizar nossas posições mais fortes, as que com o tempo se mostram ineficazes ou pouco produtivas.
Não foi a bicicleta quem me ensinou que algumas ações, julgamentos, juízos e preconceitos pouco valem quando a verdade é colocada em pratos limpos. Mas considero que muito de minha segurança no transito depende de não fazer coisas insensatas das quais possa me arrepender mais tarde. Entenda os outros e será seguro. Jogue a culpa no que está em volta e aumentará seus riscos. E mesmo que o outro erre, analise com inteligência. Potenciar o erro do outro enfraquece as próprias virtudes. Virtudes nos traz bom senso e bom senso o bom futuro.
Conto quatro breves e incompletas histórias, duas da vida pessoal e duas de minha relação com a bicicleta e a vontade de mudar o mundo.
História 1: Foi um longo namoro. Dez anos de paquera, namoro, e pouquíssimo tempo de noivado, um relacionamento de forte paixão, relativamente tranqüilo, de bom companheirismo, mas imaturo. Acertados os detalhes logo estávamos casados e seguindo viagem para Recife, onde fomos morar. Exatamente 3 meses e 20 dias eu estava dirigindo o carro de volta para São Paulo; só. Fui entender o que passara quando a psicóloga disse sem meias palavras: “Sua mulher tem um distúrbio neuro-depressivo (hoje conhecido por “bipolaridade”). Você não poderia entender o que estava acontecendo”.
História 2: Os noticiários davam que a fazenda do então Presidente Fernando Henrique Cardoso havia sido reintegrada pela Polícia Federal depois de sei lá quantos dias de invasão e alguns tantos danos à propriedade. No meio das imagens da TV a de uns Sem Terra imobilizados com a cara no chão de terra. A questão foi tema da conversa do jantar da casa de minha avó. Eu disse que colocar os Sem Terra naquela posição era um grande erro porque, principalmente na fazenda do Presidente da República, a desocupação deveria ser feita no mais restrito da lei. “Acontecer deslizes legais em outro lugar ainda vai, mas na fazenda do Presidente da República é burrice porque sabota a autoridade máxima do país. É um grande estrago para todos”. Meu tio falou de bate pronto: “Você apóia este pessoal, você gosta de invasor!” Entramos em um embate tenso, pessoal, portanto inútil. Em um determinado momento que soltei “Você é fascista!”. “Você conhece meu trabalho. Acha que sou fascista?”
História 3: Estava com o pulso engessado e não poderia correr a etapa do Campeonato Brasileiro de Mountain Bike em São José dos Campos, mas como “jornalista” tive que ir lá ver os treinos e ouvir a fúria dos competidores porque o circuito havia sido alisado por máquinas e parecia um estradão de terra. A razão, diziam todos, era que a Caloi, responsável e patrocinadora do evento, queria a todo custo que Mazzaron, da própria Caloi, ciclista de estrada dos melhores que o Brasil já teve e iniciante no mountain bike, mas ainda sem prática com a buraqueira, tivesse sua vida facilitada. No dia da prova fiz inscrição para minha categoria (máster) sem o gesso. Na hora da largada fui levado para pista cuidadosamente cercado pelos outros competidores para que a organização não visse não só o gesso, mas minha bicicleta, uma Caloi 10 das antigas, que quebraria num circuito de mountain bike de verdade. Larguei, corri, fui avisado aos gritos por amigos que a organização não iria me desclassificar, mas queria me matar. O circuito estava tão liso que terminei a prova com pulso e bicicleta inteiros. A provocação surtiu efeito. Dali para frente provas de mountain bike passariam a ser provas de mountain bike. E eu fiquei com grandes inimigos.
Se pudesse voltar atrás...
Minha separação de Tina é uma das cicatrizes mais doloridas que trago na vida. Infelizmente consigo reviver cada segundo do momento que avisei que estava terminado e que eu ia embora. Está feito, não tem reversão. Finito! Infelizmente. Infelizmente. Infelizmente. Sinto por todos, não só por nós dois.
Ainda vou trabalhar meu tio, que tem como defeito usar sua brilhante inteligência e charme para sempre sair por cima das situações, até as mais banais. É um cara bom, ótimo família, um ego forte que sabendo levar diverte e faz bem. A posição política que tem é direito dele. Perder o relacionamento foi imaturidade minha.
Mazzaron era a de um tanto de ciclista vitorioso um pouco introvertido ou centrado no objetivo. Nestes anos fez um mais que bom trabalho em pró do ciclismo de competição. Amadureceu a abriu-se. Aquela história de São José dos Campos, que nunca nos demos o direito de conversar com calma, teve vários desdobramentos, mas ficou no passado. Coisas desagradáveis que acontecem na vida de qualquer um. Ele era “o” ciclista da Caloi e recebia ordens. Mazzaron pedalava, não fazia circuitos. Juan Timon, de quem já escrevi um texto, meu grande inimigo / amigo, em qualquer ordem, provavelmente foi o responsável pela alisada no circuito. Hoje Mazzaron rema para o mesmo lado de todos. É peça crucial na engrenagem. Uma posição radical sobre aquela história de todos nós não teria dado chance de Mazzaron mostrar seu amadurecimento e os resultados que hoje ele nos oferece.
Bantel é uma das principais peças da história da bicicleta no Brasil. O gênio de rottweiller que tinha na época, mais umas coisas de pura cabeça dura alemã, me fez tomar uma posição que hoje tenho minhas sérias dúvidas que tenha sido a melhor. O fato é que Batel provavelmente fosse indispensável para a época, mesmo que eu continue considerando que se poderia ter sido feito muito mais, muito mais facilmente, por muito menos de outra forma. O fato é que ele fez, com acertos e erros, mas fez. Flexibilidade teria engraxado a situação.
Poderia ficar aqui contando historinhas de vida como estas. Infelizmente as tenho aos montes. Em algumas o arrependimento mata, aos poucos, lentamente; noutras deixa a dúvida cruel. A única certeza é que o que se pode tirar do fazer concessão é sempre melhor que deixar nossa intransigência fechar portas. Porta fechada esconde caminhos.
Virei macaco velho. Muitos anos de estrada. Vi o ciclismo e a bicicleta serem violentados por situações sem nexo, por fofocas, intrigas, incompreensões, bitolamento, falta de inteligência, educação, amadorismo, bobeira, e tantas outras faltas de maturidade. Ou até por razões justas que acabam levando a caminhos estreitos. Ouvi montes de histórias ruins. Não faz muito tempo havia o negócio da bicicleta era um oligopólio que mandava e desmandava na base da força bruta. Houve muita sacanagem, muita intimidação e até coisas piores. Não deu certo, nem poderia dar. Julgamento rápido, condenação certa e fuzilamento é ineficaz, burrice mesmo.
Hoje todos estamos mais maduros. O Brasil está mais maduro, toda a sociedade está mais treinada para vida em grupo, para alcançar objetivos mais sólidos e duradouros. Começamos a entender que ou vamos todos em frente ou ninguém chega a lugar nenhum. Sociedade: organização coletiva. Com a coisa da bicicleta não é diferente.
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