sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Despoluição do rio Tiete, suas margens e parques lineares

SP Reclama
Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Pouco depois de Serra ter assumido o governo do Estado ele apresentou o projeto da nova marginal Tiete com ampliação do número de faixas rodantes. Fui numa das apresentações internas. Projeto apresentado, houve quem argumentasse sobre a qualidade das águas do Tiete. Eu disse que se tivesse poder só autorizaria o projeto caso fosse assinado um documento por parte do Governo do Estado se comprometendo a devolver para o rio a faixa da esquerda, contígua às águas, criando um princípio de mata ciliar e parque linear. Expliquei que com o termino do trecho norte do Rodoanel, portanto passado o tempo de necessidade urgente do alargamento, com o qual concordava pelas razões econômicas apresentadas, a devolução da faixa esquerda seria possível, traria inúmeras vantagens, inclusive econômicas, para toda população. E quase apanhei, literalmente, inclusive de uma das peças chave do ambientalismo no Brasil.

Uma faixa de rodagem devolvida ao rio, para começar, a primeira do que deve ser, melhor, obrigatoriamente terá que ser, é crucial para o bem estar da região metropolitana, em particular das cidades que ficam a suas margens. Esta é uma luta que se tem que iniciar já. 

Um tempo depois de inaugurado o primeiro trecho da Ciclovia rio Pinheiros encontrei Fábio Bueno, que contou que para a grande surpresa do Governo do Estado, da Cetesb e Sabesp, o número de reclamações sobre a qualidade das águas havia explodido, o que foi inesperado, mas ótimo. Nunca o rio Pinheiros tinha sofrido uma pressão tão positiva pela sua despoluição.
Tendo trabalho algumas vezes com os holandeses, e tendo visitado outras tantas os Países Baixos, incluindo Holanda, entendo a importância crucial de ter ciclistas pedalando junto às águas. Eles acabam naturalmente se transformando em guardiões. 

No caso do rio Tiete o primeiro passo é devolver uma faixa de rodagem às águas com vegetação primária. Até que se tenha mais espaço e um controle maior das enchentes, sou contra a implantação de uma ciclovia ali. Já vivi uma enchente do rio Tiete e sei que as águas sobem numa velocidade que dificulta ou impossibilita a fuga de um ciclista para local seguro. Ademais, uma faixa de rodagem é muito estreita para a criação de uma ciclovia mais vegetação primária para formação de mata ciliar.  

Em entrevista para a Rádio Eldorado FM, a Secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, Natália Resende, falou sobre a situação atual do rio, sobre o que se vem fazendo para sua melhora, sobre o alocamento de R$ 20 bi em verbas, e sobre a situação de coleta e tratamento de esgoto nas cidades. Em particular citou Guarulhos que em 2017  tinha só 2% de esgoto tratado, sim, 2% de esgoto tratado. Fui consultor do projeto cicloviário de Guarulhos, que por sinal sumiu, ninguém sabe, ninguém viu, e nas vistorias técnicas vi a situação. Num destes dias, o córrego que corre paralelo a Av. Santos Dumont tinha a aparência e consistência de um todinho grosso, difícil de esquecer, nojento. Passei mal. Lembrando o perfil de todas administrações passadas, todas ditas "de responsabilidade social", fiquei mais irritado ainda. Guarulhos é um dos maiores orçamentos do país e ao mesmo tempo um dos mais sérios poluidores do rio Tiete. Que se reverta a situação. 
 

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Cidades esponja e a morte de seu símbolo do bem

A perda de peças cruciais para o real progresso da humanidade e planeta acontece, mas não deveria acontecer. O acidente fatal envolvendo o genial arquiteto chines Kongjian Yu, criador e divulgador das cidades esponja, me embrulhou o estomago. No mesmo acidente foram vítimas Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz, cineasta documentarista; Rubens Crispim Jr., diretor e documentarista, e o piloto e dono do avião Marcelo Pereira de Barros. A verdade é que os quatro são perdas preciosas. Fernando e Rubens tem trabalhos reconhecidos, pelo que soube agora de uma qualidade acima da média. 

No caso especifico de Kongjian Yu o golpe foi forte porque mesmo antes de ter ouvido sobre o que são as cidades esponjas já tinha me apaixonado pelo tema do controle das águas.

Mesmo sendo ciclista e tendo começado minha vida nos pedais com bicicletas com rodas 27 e pneus 1³/4, duros e pouco absorventes de irregularidades, não gostei nada quando começaram asfaltar ruas calçadas em paralelepípedo, que passaram a alagar mais ainda depois de asfaltadas. Quando vi os primeiros projetos de ciclovias em canteiro central de avenidas dei um pulo da cadeira no meio da reunião e reclamei: "numa cidade já muito impermeável vocês ainda querem colocar ciclovias no meio verde das avenidas, local onde absorve chuva?". Por prática, por ter pedalado boa parte da cidade de São Paulo, sabia bem a importância dos caminhos para ciclistas correrem junto com as águas, em particular com córregos. O Ciclo Rede Butantã previa a criação de 5 parques lineares junto a córregos. Mais ou menos na mesma época cai de amores com o Projeto Córrego Limpo Sabesp. E morri de inveja quando conheci o trabalho do Bueno e seu Ruas e Rios. Tive a sorte de ser contratado, junto com Eric Ferreira, para fazer o funcional de uma ciclovia no entorno da Represa Guarapiranga, quando apresentamos uma ideia de recuperação de boa parte das margens e integração com os parques lineares do Projeto Córrego Limpo que já estavam em andamento. Meu último trabalho, como consultor, mais uma vez previa recuperação de águas, e porque não dizer criar áreas esponja, um termo que não tinha pensado. 

Como cidadão não tenho como agradecer a Kongjian Yu pelo legado deixado. E espero que o documentário que estava sendo preparado por Fernando e Rubens seja terminado e venha a público. Pelo que se sabe, Marcelo tinha o avião e pilotava para apresentar o maravilhoso Pantanal, pois aqui vai meu merecido agradecimento a você, Marcelo.

Sinto profundamente a perda de todos. Obrigado, obrigado. Tocaremos em frente.


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

"A máfia brasileira quer (?) impor sua lei", editorial Estadão



O Estado de São Paulo 
Editorial 
22 de setembro de 2025
A máfia brasileira quer (?) impor sua lei.
(Novamente, "quer"?)
para:
Rádio Eldorado FM
Fórum do Leitor, Estadão

Editorial de hoje é muito correto, só pecando com um detalhe, o condicional. Eu não tenho, e duvido que alguém tenha dados corretos para afirmar que o Brasil já não está afundado sob o poder de máfias e narcotráfico. Pelo menos das igrejas (igrejas?) parece estar. Ou há dados e calam para não gerar pânico. Fato é que não resta dúvida que a política que temos hoje cheira muito mal, e não é só por corrupção ou votações sem sentido público. Fato é que pouco ou nada se fala sobre o submundo das igrejas missionárias e seu fluxo de caixa sem qualquer controle, que é enorme e está aí faz décadas. Vão falar sobre lavagem de dinheiro agora? Enfim, deixou-se correr o barco muito além de qualquer mínimo bom discernimento.

Quem vê o Estado já tomado é adepto da teoria da conspiração? Será? O que será este congresso, estas aassembléias legislativas, estas câmaras municipais, esta política infame?

Há de se fazer uma diferrença entre tomado e sob controle. Tomado tudo indica que está, sob controle ainda não, mas pelo que se vê, não falta muito para chegarmos lá. 

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Coelhinha de pelúcia decepada

A mãe está visível irritada com os urros selvagens vindo do carrinho de bebê que segue a frente empurrado por ela. É fácil perceber pelos movimentos triscados do corpo da jovem e seu andar curto e apressado. A criança se retorce, seus berros são tão fortes que ela se engasga e tosse, esperneia tentado se livrar do carrinho, pernas escapam para os lados, vê-se as mãos tentando agarrar o braço da mãe. A mãe para, agacha de frente para ele, o diabinho tenta arranhar o rosto dela, que desvia do ataque. Exausta, desiste e o tira do carrinho. Solto na calçada, a criança se acalma, corre um pouco, vira-se para provocar a abatida e envergonhada mãe. A mãe se levanta segurando no carrinho, a criança corre mais um pouco e novamente para e se vira em provocação sorridente. A mãe inclina o corpo para frente e abre os braços na esperança que ele volte. Seu braço direito aberto derruba uma garota bem vestida que sem olhar para frente, olhos no celular, vem rápido pela calçada num patinete. Bolsa para um lado, sapato social de salto alto para o outro, meia rasgada, joelho e cotovelo arranhados, ela se levanta grogue ainda sem perceber que está com a testa sangrando. A mãe, já sem saber mais o que acontece ou onde está seu filho endiabrado, pede desculpas, mas imediatamente é ofendida e quase recebe um tapa. Alguns passam só olhando, uns poucos param incriminando a menina do patinete e a mãe. A criança assustada volta para a mãe, vem acompanhada por uma boa alma preocupada com tudo que via. A criança agarra-se desesperadamente à perna da mãe e desanda a chorar, agora um choro de susto e não mais um choro de raiva mimada.  
A garota do patinete enquanto limpa o sangue que escorre aos olhos é contida por um senhor que lhe agarra os pulsos. Grita palavrões e chora, reclama que não vai poder trabalhar, mais palavrões.
A mãe estoura sua irritação, agarra o malcriado com força pelo braço, o coloca a força no carrinho e o prende com as alças de segurança. O diabinho agora chora de susto e medo, chora alto, sem parar. Uma senhora tenta acalmar a fera e toma um tapa no rosto. Ela se afasta. A mãe, ainda atordoada com tudo, parte em palavras para cima da garota do patinete, que agora tem o rosto bem ensanguentado. O corte é pequeno, nada grave, afirma o senhor que a contem e tenta acalmar a situação. 
A mesma senhora que tomou um tapa de raspão da criança vê um coelhinho de pelúcia na bolsa do carrinho, o pega e entrega a criança. Ele o arranca da mão da senhora, o chacoalha para todos os lados, o atira ao chão e a senhora o pega novamente e devolve à criança.

A confusão é generalizada. O senhor ainda segurando o pulso da garota para um taxi, pega todas as coisas dela, abre a porta, joga tudo dentro, a empurra junto, fecha a porta e manda o taxista seguir para um hospital. A mãe, mesmo com a criança histérica, aos berros no carrinho, se alcama e agradece. Fica um pouco imóvel sem ouvir os que lhe perguntam se está bem e se quer ajuda para voltar para casa. Olhar perdido, coloca a mão sobre a cabeça da criança que aos poucos vai também se acalmando, agradece a ajuda.  

O pequeno coelhinho de pelúcia está jogado na calçada, cabeça para um lado, corpo para o outro. De tanta raiva a criança mimada decepou a cabeça de sua coelhinha e a atirou longe. A mãe triste recolhe cabeça e corpo e os encosta na quina da parede lado a lado. Os que estão em volta olham com tristeza e certo horror a cena. 

A coelhinha decepada fica lá, esquecida. Tem uma feição muito leve, simpática, sorridente. Os pedestres começam a passar por ela sem percebê-la. É o único depoimento, o único testemunho do ocorrido. Quem se importa? Destes que passam, ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém fala.

Um casal passa, vê a coelhinha decepada, esquecida, largada. A pegam, cabeça numa mão, corpo noutro, admiram a expressão simpática, leve, o pequeno corpo de braços abertos, convidativos. Juntam as duas partes. Demoram um pouco para perceber que é uma coelhinha e não um coelhinho, quando percebem se afeiçoam mais ainda. Segurando com carinho a levam para casa. Uma boa lavada, alguns pontos aqui e ali, cabeça presa ao corpo, de volta a vida.

Rindo, num humor macabro, lembram que depois de guilhotinada a cabeça humana segue por um breve instante falando, piscando, se expressando, enquanto o sangue do corpo espira em jatos intermitentes, bate na lamina da guilhotina e morre na madeira até a próxima execução. O farto público que acompanha entusiasmado a execução só pode ver a cabeça rolando, quando vê, pelo menos até ser recolhida.

Execuções foram por séculos diversão para grande público. Acionada a lâmina, o som seco do corte, cabeça ao chão. Aguardavam breve momento e voltavam conversando para suas casas conversando, julgando. 
Execuções foram substituídas por cenas de histeria, patéticas.

A coelhinha decepada foi indiferente para os que passaram. 

O enchimento da coelhinha teve que ser retirado para um bom banho. Seca mais rápido. O tecido não desbotou. Secou, é levado à mesa e espalhado para ser remontado e costurado com cuidado e carinho.

- Será que esta geração mais nova sabe o que é destripar o mico?
- Se souberem, o que duvido, é coisa de antigamente, não devem falar porque é politicamente incorreto.
- Estás brincando? 
E riem.
- ... poeticamente incorreto...
E seguem cuidadosamente reconstruindo o brinquedo 
- Agora, não resta dúvida que até estas criancinhas de hoje na mais tenra idade já sabem como decepar uma cabeça. Os tempos são outros.

A coelhinha está remendada. Simpática, doce. Antes de ter seu destino tomado, vai ficar ali para ser acariciada.




terça-feira, 16 de setembro de 2025

Viver nas ruas e viver as ruas e a transformação das cidades

Em 1987 a revista Time aceitou que um dos seus jornalistas fosse viver nas ruas de NY por seis meses. Foi uma das matérias mais pesadas que li na vida. Ele teve tempo suficiente para não só entrar a fundo na realidade dos moradores de rua, mas também transformar se num deles. Cruzou o terrível inverno de NY vivendo como mendigo, sobrevivendo no calor das grelhas de exaustão de vapor, enturmando se em túneis de manutenção, em locais proibidos, dormindo de dia quando o sol esquentava um pouco, sofrendo presão da polícia e desprezo da população, comendo o que aparecia, pedindo esmolas, sem banhos, sem trocar a roupa. Mais, sem qualquer ajuda da revista, de seus companheiros de trabalho, amigos e da própria família. Mendigo, morador de rua, miserável como a materia demandava. Este foi o trato e foi cumprido. Mesmo com todas terríveis dificuldades passadas quando chegou o tempo de voltar para a vida 'normal' ele não quis sair das ruas. A Time teve um trabalho para conseguir trazê-lo de volta e reintegrá-lo a vida que ele tinha antes da experiência. Acho que encontrei a matéria - Slow decent into hell - mas estranho que nela não está o processo de retirada do repórter das ruas, que foi tão brutal quanto a sua experiência como mendigo.

Lembrei desta matéria do Time porque o Estadão colocou em suas memórias, que estão sendo publicadas na versão digital, a experiência da jornalista Rebeca Krischt que também foi Viver nas ruas, série especial do Estadão, vira livro nos 30 anos de sua publicação. Ela viveu nas rua por 7 dias aqui em São Paulo.

Há números oficiais e não oficiais sobre o número de moradores de rua na capital paulista, São Paulo. Variam de um pouco menos de 40 mil, que já é um absurdo, até algo em torno de quase 90 mil, o que é um escândalo, uma vergonha para todos.

Para mim ficou claro que tínhamos perdido a mão quando vi pela primeira vez, já faz décadas, um mendigo nissei. A comunidade japonesa sempre havia cuidado dos seus, nunca permitindo que alguém parasse nas ruas ou ficasse abandonado. Pouco tempo depois apareceu o primeiro homossexsual maltrapilho, comunidade que até ali também cuidava dos seus. Para mim foram marcantes até porque eu não estava errado: alguma coisa não boa estava a caminho. Está aí, berrando, para quem até não quiser ver.

O que dá para fazer? Não sou especialista, prefiro não opinar, mas digo que não dá mais para cair em soluções descontínuas ou mágicas. 
A busca de soluções eficientes e duradouras se faz reunindo todos agentes e interessados, olhando o passado, sabendo o que deu e o que não deu certo, juntando e estudando o máximo de informações possível, para só então partir para um planejamento de longo prazo que seja realista em todos sentidos. Vale para absolutamente tudo.

Sempre cito NY como referência de transformação de cidade, porque acompanhei o antes e o depois, e os resultados no geral são ótimos. Óbvio que o planejamento de longo prazo, décadas, foi bem sucedido. Transformou uma das cidades mais violentas dos EUA dos 82 assassinatos / 100 mil habitantes, (aceitável abaixo de 12/100 mil, OMS ONU), que estava a beira da falência, e a transformou numa cidade segura, financeiramente estável, que a cada dia é mais agradável para a maioria dos seus moradores e turistas. Turismo é importantíssimo tanto na economia quanto na venda da imagem da cidade para o mundo, ou seja, na estabilidade financeira da cidade. 
Tem contra ponto? Lógico que sim. Viver em NYC está cada dia mais caro, o que tem afastado os menos privilegiados para longe ou fora da cidade que sempre viveram. Enrequecimento, como tudo, tem seus prós e contras. Os efeitos colaterais preocupam não só as autoridades de NY, mas de todas as cidades que melhoraram sua qualidade de vida. Qualidade de vida para quem? Em que condições? Turismo traz dinheiro, mas a qual custo? Etc...

Vi uma palestra sobre o Tolerância Zero de NY na sede da Prefeitura de São Paulo, Edifício Matarazzo. Mostraram com detalhes o que custa para os cofres públicos e de toda população cada um dos pequenos crimes, até deslises sociais, como jogar bituca no chão, pixar uma parede ou mendigar. Mesmo antes desta palestra já tinha lido sobre o problema sério que os mendigos que ficavam sentados na escadaria da Catedral de St. Patrick estavam criando para as finanças da própria igreja. Aliás, desta e de todas outras. No caso, em vez de enxotá-los a cassetetes, fizeram reuniões com todos e explicaram que da forma como estava entrava cada dia menos pessoas, que por sua vez as doações estavam minguando, e sem as doações a igreja estava com dificuldades financeiras e não poderia continuar com seus trabalhos assistenciais, o que só pioraria a situação dos miseráveis. Funcionou.

No momento certo Janette Sadik-khan, com a cidade muito mais calma, menos violenta, começou a implantar mudanças nas ruas de NYC, tirando espaço dos automóveis e devolvendo espaço para transeuntes e ciclistas. Não foi só aumentar o espaço para os "não motorizados", como eram chamados na época, mas criar espaços de convivência, cadeiras, mesas, e outros, onde a população conseguisse sentar e fazer o que bem entendesse no meio da rua, leia-se espaço público.

Aqui, lembro que o centro de São Paulo está meio as moscas porque a população tem medo de ir lá, seja por medo de assalto, seja por medo dos moradores de rua, ou até para não ver miséria. 

Menos pessoas circulando, mais violência, é líquido e certo.
Menos pessoas circulando, menos dinheiro circulando, maior a miséria, também líquido e certo.

Por outro lado:
Mais dinheiro circulando, melhor para todos, incluindo os mais necessitados
Muito dinheiro circulando, sem o controle, sem uma política civilizatória, sem programas cidadãos, se transforma em um sério problema até para a classe média baixa. E aos poucos este problema se volta contra os que tem condições de bancar a vida na cidade 'rica'. 

Desajustados sociais foi, é e continuará sendo uma realidade inevitável. Para início de conversa faço a pergunta: Como definir desajustados sociais? A pergunta merece uma resposta realista, pricipalmente em nosso caso, Brasil. E para São Paulo, Município.

Moradores de rua, mendigos e pessoas com problemas mentais são considerados um sério problema para a maior parte dos paulistanos. "Incomodam demais". A questão sequer é pensada com o devido cuidado e atenção. "Tira eles da rua", como temos visto faz muito, definitivamente não resolve. É tão burro quanto o '
"prende quem usa ou tem drogas", o que obviamente nunca deu nem dá resultados, como os números provam. 

O que fazer então? Em todo planeta se provou que devolver os espaços públicos para a população, inclua aí ruas e avenidas, dá ótimos resultados. Quanto mais gente nas ruas, menos problemas com moradores de rua e miseráveis, isto sem higienização. Afastar, limpar, tirar, extinguir... os diferentes, empobrece, é líquido e certo. Não há dado que prove que higienização funcione, muito pelo contrário. Todos dados apontam para que quanto mais diversidade, mais riqueza em todos sentidos. Riqueza se constrói com a diversidade de pensamentos e formas de viver, ponto final. Quem duvida disto é porque não tem cultura, é chucro.

Distorções sociais se resolvem com programas realistas de longo prazo. Não há soluções fáceis, muito menos ideológicas ou religiosas. 




Estas fotos foram tiradas em Paris, onde quase apanhei de uma parisiense por estar fotografando um mendigo que dormia na escadaria de um edifío histórico. A mulher furiosa partiu para cima de mim e queria por todo custo que eu apagasse a foto. Tentei encontrar a foto, mas não consegui.
Negar uma situação não funciona, só aumenta o problema.


domingo, 14 de setembro de 2025

Número de ciclistas não acompanha os km de ciclovias

Este artigo apresenta percentuais, não números brutos. Quantos ciclistas a cidade tinha antes deste sistema cicloviário que vem sendo implantado e quantos temos hoje é sabido, pelo menos espero.
Em 2005 os números oficiais foram facilmente contestados porque os critérios adotados para a coleta davam muita margem a erros. Nada demais, números são números e nem sempre dizem a realidade. Hoje temos grupos organizados com é cultura, conhecimento e técnicas que evitam erros crassos, como aconteceu em 2005.

Fato é que não se pode pensar em cidade sem mobilidades ativas, o que inclui a bicicleta, ponto final. Mas...

Começo por uma pergunta que já fiz mil vezes: Que cidade você quer? O que você acha que deveria 
ser a função do sistema cicloviário perante o desenvolvimento urbano e social da cidade? Sem ter uma resposta para estas perguntas se vai continuar nesta política de estímulo que considero ser inconsistente. A cidade somos todos, não a vontade ou voluntarismo de uma parcela, qualquer que seja. Quanto mais todos melhor.

Por que o resultado não está sendo o esperado? Ou, qual o número de ciclistas que se esperava por kms implantados? Quantos ciclistas estão usando as ciclovias e quantos circulam fora delas? Em que o sistema cicloviário estimulou o uso da bicicleta fora do sistema cicloviário? Com os ciclistas que agora estão mais habituados com o trânsito, que critérios adotar para a segurança deles?

Qual o total de ciclistas na cidade? Para quantas bicicletas? Quantos ciclistas em dias úteis e nos fins de semana? Quantas bicicletas não saem das garagens e por que?

Os números oficiais são confiáveis? As pesquisas realizadas por entidades estão corretos? Não estou colocando em dúvida, estou lembrando que mesmo em pesquisa de alta qualidade há distorções. Mais, há metodologias para uma leitura e entendimento corretos que demandam conhecimento específico para obtenção de posições apropriadas. 

Creio que chegamos no momento de fazer uma avaliação do que foi realizado para estimular o uso da bicicleta.




Fim das atualizações Microsoft e nossa segurança

Rádio Eldorado FM
Fórum do Leitor 
O Estado de São Paulo se


Pergunta ao professor: em outubro a Microsoft para de dar assistência a todos que ainda estiverem usando sistemas que não o 11, o que inclui a imensa maioria dos brasileiros. Se as barreiras de segurança vão ficar mais frágeis, como diz a própria Microsoft, como fica a Segurança Nacional? Sim, Segurança Nacional, a do Brasil. O que a ação vai acarretar na vida da maioria da população?


Fórum do Leitor 

Faz alguns meses fui refazer minha carteira de motorista e deu uma confusão porque no nome de minha mãe havia uma discordância, um erro no sobrenome. Tive que ir à Receita Federal para corrigir e foi prontamente corrigido. Mais ou menos no mesmo tempo o meu aplicativo Gov.br parou de permitir meu acesso. Fui orientado no Poupa Tempo que deveria resolver no INSS, o que aconteceu graças a boa vontade e conhecimento de um funcionário. O sobrenome de minha mãe simplesmente desapareceu do sistema. Conversando com vários funcionários, de vários órgãos do Governo Federal, descobri que estes problemas digitais são 'relativamente comuns porque tanto a Internet quanto o sistema digital do governo falham com certa frequência, e que várias vezes foram pedidas providências que sempre são negadas sob a alegação de falta de verba'. 
Que nós, cidadãos, temos um grave problema com Internet, que varia muito, falha com mais frequência do que o aceitável, quando não se está em locais sem sinal, isto sabemos. Também sabemos que o funcionamento digital dos órgãos oficiais não são totalmente previsíveis. Ou seja, nesta nova era digital inevitável, imprescindível,  fundamental,  estratégica, não será um sério risco para o nosso futuro a falta de investimento pesado num programa de correção e estabilização de todo sistema de comunicações do país?  

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Eu não quero velório nem missa de 7° dia

Acabo de vir da missa de 7 dia de um primo. Igreja cheia.

Eu não quero. Como disse Paulo antes de morrer: Eu não vou estar presente, portanto não façam (a missa).

A coisa que mais me irrita é ouvir de amigo quando este me apresenta para alguém, "Arturo é o maior conhecedor das coisas da bicicleta no Brasil". Doi no fígado.
Sempre gostei do meu canto, nunca fui afeito a elogios, passei toda minha vida aprendendo muito mais com as críticas, que sempre considerei mais que bem vindas. Ficar só me faz bem. Trabalho, penso, me divirto, leio, vejo besteiras. Conviver com outros eu adoro, mas canso com certa rapidez, mesmo que o contato seja ótimo. Preciso de minha solidão para respirar.

Não quero sequer velório. Custa caro e reúne gente que só se reúnem nos velórios. Que desperdício deles. Como seria bom vê los com frequência. Como eram bons os tempos de portas abertas, casa cheia, conversa farta, gente inteligente. Já naquele tempo, bons tempos, eu precisava respirar, ia para a cozinha organizar o que servir ou lavar pratos. Ah! Lavar pratos.

Eu dispenso velório e missa de 7° dia. Reúnam se num café expresso com mesinhas na rua, vai ser infinitamente mais agradável que o maldito café com bolachinhas do velório. Ademais, cheiro de flores de caixão...

Muito menas

Vai que meu velório estoure nas mídias sociais. Não posso, porque é proibido, ser colocado no caixão nú. Nossa, quanto narciso! Narciso porra nenhuma.

Descobri que enterrar nu "não pode" quando estavam preparando o corpo de meu irmão. Fui levar a garrafa de Coca-Cola, a original, de vidro, cheia, é  lógico, para por no caixão e dei com os funcionários de olho nos sapatos italianos que Teresa e Cida escolheram para vestir o meu querido defunto irmão. Aliás, ele estava vestido de gala, terno, camisa, gravata, tudo chiquérrimo. "Que loucura! O que é isso?" falei rindo olhando para Teresa. Perguntei quanto os funcionários calçavam, um deles batia, e disse para pegar os sapatos. "Aliás, deixa ele nú, que era o que mais gostava na vida. Trabalhou muito, trabalhou duro, fez um trabalho importante para esta cidade e para o Brasil, trabalhou em casa horas a fio sem parar, e sempre nú, nú como um indio. Despe ele. São Pedro não vai notar". E a resposta veio melancólica: "Não podemos, a lei não permite". 'Que porra! Nem na morte se tem paz'.

Pulei de paraquedas uma vez. Divino. Repetiria caso saltasse solo, o que só depois de muita aula. Se me mandarem pro inferno, que tem grande possibilidade, vou poder despencar num solo. Se me mandarem subir vou fazer o caminho inverso, o que como última vontade prefiro fazer só. Enfim, pelo menos na morte quero fazer o que bem entender. 

Na vida, de duas coisas ninguém foge, pagar impostos e morrer. Já que eu vou estar morto espero que não me imponham mais nada.

Como dizia sempre meu irmão: vamos comemorar!
Já que não estarei junto digo: vão comemorar.
 

PS. Estou vivinho da silva é assim pretendo ficar. A bicicleta me espera 

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Bandeiras fora de local e momento adequado

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Sobre bandeiras inapropriadas e os comentários menos ainda

Cara! Quanta loucura! Quanta falta de inteligência! Quanta imaturidade! Fato é que a bandeira americana não estava no local e momento adequado. Fato é que bandeiras vermelhas também aparecem em locais e momentos inadequados. O que esquecem os dois lados e suas bandeiras inconvenientes é que a imensa maioria de nossa população não estava nem num nem noutro evento, um, um pouco maior, outro, um pouco menor, mas absolutamente insignificantes perante os mais de 220 milhões de Brasileiros que querem ter uma vida digna, em paz, de preferência sem pancadões atormentando seu merecido descanso de uma semana de trabalho duro. Nós, brasileiros, queremos que se resolvam os nossos problemas, os problemas deste país, não os vossos. Brasil segue em voo de galinha muito por conta desta ridicula rinha de galo.






domingo, 7 de setembro de 2025

Quem veio antes? O STF ou...?

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Quem veio antes, o ovo ou a galinha? Quem veio antes, este STF ou o "sabe com quem está falando" dos bacharéis (como está numa ótima analise do Estadão)? Quem veio antes, os erros, absurdos, a lentidão histórica de todos nosso sistema judiciário ou as brechas jurídicas deixadas (propositalmente, diga-se de passagem) pelos políticos legisladores? As questões que se apresentam agora no e pelo STF são novidades, nasceram antes ou depois dele? Fato é que neste galinheiro fica muito difícil saber quem realmente se interessa por um país chamado Brasil. Afinal, sabe com quem está falando?

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Sou contra legalizar a posse de qualquer espaço público urbano invadido

Primeiro, reagir de bate pronto pode levar a ações que não sejam as adequadas ou que sejam incorretas. De certa forma foi o que aconteceu aqui quando ouvi pela metade uma notícia na rádio e minha caixola ligou imediatamente o legalizar com ações populistas realizadas num passado não muito distante. 

Reagi de bate pronto aos montes na minha vida e se arrependimento matasse... Confesso que me sinto não morto, mas numa eterna auto santa inquizição. 
Se conselho fosse bom seria vendido, mas ouço aconselhar: segure seu bate pronto, nunca vale a pena.  

Hoje saiu no Sustentabilidade do Estadão uma entrevista com José Renato Nalini, diretor da Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas, sobre as ações que a Prefeitura tem realizado para minimizar os problemas que São Paulo tem. Dentre eles, o controle constante e a remoção de invações em áreas de mananciais, com o que concordo totalmente. Bom, enfim, espero que o que ele disse na entrevista esteja de fato acontecendo. 

O que ouvi na rádio foi sobre um projeto ou programa do Governo do Estado de regularização de terras fora da área urbana. Preciso ler mais para opinar.

Fato é que a forma como está sendo conduzido o desenvolvimento urbano paulistano não me agrada nem um pouco, e não é saudosismo, mas leitura e conhecimento obtido ouvindo especialistas. 

Já escrevi e não vou entrar de novo no assunto, mas fato é que não se deve apagar na porrada a história afetiva, os usos e costumes, as tradições de uma comunidade, muito menos de uma cidade, com a probabilidade de perda de referências e consequente aumento de tensão social.  
Cidades mudam, se transformam com o tempo, é natural, é desejável, mas há formas ideais de realizá-las. O que vem acontecendo há muito com São Paulo é, por um lado, ações 'milagrosas' pontuais, por outro, uma falta de planejamento de longo prazo que respeite o mais profundo interesse dos cidadãos. Incrível que o povo ainda não se deu conta que não funciona. É óbvio que se tem que recuperar o Centro de São Paulo, mas da forma como foi feita na administração PT. É óbvio que se tem que ampliar o número de moradias, mas não da forma da forma maluca que se está fazendo agora. É óbvio que se tem que melhorar o transporte, mas... Os erros são genéricos, de todos, populismo puro, a pior das opções. 

Sobre o que eu achei que tinha entendido da matéria da rádio, vamos lá: 

A estabilidade social tem como base a saúde mental de sua população. É de pleno conhecimento público e não resta qualquer dúvida que o convívio social faz toda diferença na saúde mental individual e coletiva, daí a importância de ter e manter com zelo espaços públicos, de preferência tornando-os o mais prazeros possível. Quantos mais espaços de convívio melhor para todos e tudo, do social ao econômico. Creio que eu tenha ouvido na rádio que pretendem legalizar espaços públicos invadidos. Só de pensar tenho arrepios. Sem antes discutir com toda a população, incluindo é lógico os mais carentes, não só que cidade eles querem, mas que futuro desejam para sí como indivíduos, sou contra em grau, gênero e número colocar em pauta a hipótese de se legalizar qualquer posse privada de qualquer área pública invadida. Há um drama social, o da moradia, que não é o único que afeta a cidade e de cidadãos. A violência desenfreada está aí, e dentre suas causas está a precariedade, para dizer o mínimo, de espaços de convivência coletiva para crianças e jovens. Dentre os mais prejudicados, senão os grandes prejudicados por esta carência, está a populção carente. Legalizar mais uma vez uma ilegalidade é de um populismo monstruoso. De boa intenção o inferno está cheio, se bem que eu acredito que a boa intensão aí seja para proveito de alguns com interesses mui particulares. É sobre uma cidade, portanto sobre problemas multi disciplinares. A tentativa de resolução de problemas pontuais já mais que se provou um erro grosseiro que vem prejudicando e se repetindo há décadas e que só conseguiram encurralar todos pela desordem, melhor, baderna que está aí. Quem sempre foram os mais prejudicados?

Sou contra legalizar a posse de qualquer espaço público urbano invadido

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

A fuga da cachorra

A linda vira lata cruza a rua Piaui caminhando como seu que dono a estivesse seguindo tranquilo. É um homem imenso que vem atrás dela e que do caminhar passa a correr, o que faz a cachorra disparar avenida Angélica abaixo entre pedestres. Estou subindo pedalando a avenida, sou cachorreiro, e de imediato me fica claro que ela está fugindo de seu dono, que suponho ser o grandão. Olho para ele e aviso que eu vou atrás, dou meia volta e disparo pedalando forte na contramão para tentar parar a linda e desesperada vira lata bege com coleira rosa, jovem, agil, muito rápida. Ela corre pela calçada bem mais rápido do que eu que pedalo pedindo para os carros saírem da frente. Para meu pavor cruza direto a primeira rua, a Maranhão, por sorte com sinal fechado para os carros, e se aproxima rápido do próximo cruzamento, a Higienópolis, larga avenida também com o trânsito parado no sinal. Os pedestres se assustam, olham a fujuna preocupados. No meio do quarteirão um carro sai da garagem, ela diminui, quase para, contorna por trás, eu grito para os pedestres que sobem e estão mais a frente pedindo que alguém tente pega-la. Impossível, ela passa batido e segue desembestada. Meu desespero cresce. O próximo sinal, a Veiga Filho abre, os carros começam a se movimentar e eu gelo despencando a avenida de frente para o trânsito. Estou longe, não consigo me aproximar, não vou conseguir frear os carros. Para meu alívio ela dobra a esquina, passa voando por uma senhora com dois cachorrinhos na coleira. Paro meus gritos, um erro estúpido, desespero, que talvez só esteja aumentando a vontade dela fugir. Ninguém vai conseguir segura-la. Minha esperança é que ela começa a mostrar um cansaço. Ela cruza a entrada do estacionamento do shopping. A perco de vista. Com o trânsito em movimento, lento, ela cruza mais uma rua traçando entre os carros em movimento. Meu emocional está saindo pela boca. Sigo atrás sem saber onde esta correria vai parar. Minha esperança é que este quarteirão é longo e que talvez ela canse e diminua o passo. Vou conseguir ultrapassá-la e talvez consiga pegá-la.
Felizmente ela para num portão de garagem de um edifício e fica olhando desesperada para dentro. Passo por ela na rua, por trás do carro que está estacionado e em silêncio, subo na calçada uns metros a frente. Vejo que dali ela não sairá, peço a uma garota que caminha que com calma, bem devagar, faça carinho e segure a coleira. A desesperada e ofegante vira lata está presa. Aperto o interfone e pergunto ao porteiro se a cachorra é de lá. Ele responde que não. Deixo a bicicleta, vou até a vira lata, que está deitada se mijando toda de medo. Me agacho lentamente e faço carinho. Ela me olha com medo, mas vai se acalmando. Lemos a plaquinha de identificação da coleira, Maxime, e do outro lado o telefone. Um rapaz começa a discar o número e o portão começa a se abrir. Ela num tranco se solta e entra desesperada, corre até o segundo portão, o rapaz vai atrás. Grito para que o porteiro feche o portão para que ela não fuja novamente, o que ele faz, mas aciona o segundo portão e ela corre para dentro. Aparece uma menina de uns 18 anos com uma coleira na mão, pergunto se a fujona é dela, ela diz que sim e pergunta onde está. Dizemos que entrou e ela responde que "esta é minha casa", não fala mais nada e desce para a garagem. Algumas pessoas, incluindo mãe e filha com dois cachorros grandes, esperam ansiosas por notícias. O rapaz demora um pouco para sair dizendo que Maxime foi direto para a porta do elevador. Meu coração e fígado estão na boca. Emocionalmente estou acabado, nas minhas últimas forças, quase trêmolo. Retomo meu caminho, volto a subir a avenida pedalando bem devagar para me recuperar, exausto. Chego no cachorródromo do parque de onde começou a correria. Paro na grade a aviso o grandão que terminou tudo bem. Ele vem até a grade acompanhado de seu bassê e conta que tudo começou por que alguém deixou os dois portões do cachorródromo abertos, um comportamento absurdo,  inaceitável,  entre cachorreiros que usam o espaço. São dois portões, um tem que estar sempre fechado. Como pode alguém deixar escancarado um cachorródromo?

Sigo meu caminho devagar subindo a avenida. Volto para casa arrebentado. Poucas vezes na vida me senti tão cansado.

Umas horas antes fui levar minha prima que tem Alzheimer para tomar um café na padaria que fica na esquina das duas avenidas, Higienópolis com Angélica. Ela adorou estar na rua e tomar um longo banho do sol que transpassava por entre as folhas da frondosa árvore. A padaria estava lotada e sentamos na calçada, ela na cadeira de rodas, eu e Gra em cadeiras que pegamos lá dentro. Lá ficamos até o sol se esconder, um bom tempo. Doença maldita, dias melhores, dias piores. Naquela manhã ela estava alegre e dentro da conversa, mas não demora muito ela cansa e desaparece na sua doença ou sabesse lá onde. Percebi que tinha cansado e pergutei se queria voltar para casa. Ela respondeu com sua eterna suavidade que não, que o sol estava gostoso, mas seu olhar bem distante aponta para as profundesas de seu mundo. Ninguém sabe qual, é difícil.

Dois dias antes estive com a enfermeira chefe para saber como iam as coisas. Tudo bem, sem grandes sobressaltos, o que para esta doença é bom, ou talvez não, ninguém sabe ao certo, nem o melhor dos médicos. Conversamos sobre o sumiço de todos os que sempre viveram muito próximos dela. Sobrou para mim e mais ninguém. "O normal é este. Todos desaparecem".

O outro não importa. Não consigo aceitar que um cachorreiro deixe os dois portões abertos. É fuga do cachorro e desespero na certa.
Thereza sobrou na minha mão. Todos que convivera com ela sumiram. Sequer telefonam. Fiz reunião com todos e pedi ajuda. Saíram de fininha. Quem pegou o pepino que fique com ele. 

sábado, 23 de agosto de 2025

Não conseguimos aprender com nossos acertos

Ermínio Fraga é figura a ser respeitada, e muito. Inteligência rara, fala mansa, ponderado, em entrevista recente soltou que "Nós não aprendemos com nossos acertos". Na mosca. E completou que "Também não aprendemos com nossos erros". Sem dúvida, disse o óbvio, o trágico óbvio que nos assola.

Qual dos inúmeros exemplos de nossos acertos querem que eu cite aqui? São tantos e tão frequentes que não faço ideia sobre qual voltar a falar, mas sem revirar muito a memória vocês vão achar um fácil, fácil.

Repetindo, como sempre repito, minha mãe dizia "Não interessa o que ele fez para você. Interessa saber o que você fez para ele ter a reação que teve contra você".
Ouvi tantas vezes "qual a tua responsabilidade?", "faça bem feito", e principalmente "não seja mediocre", que confesso virei um 'pouco' neurótico com ter tudo bem feito. Não sou perfeito, não sou perfeccionista, mas tento fazer o melhor que posso. Aprendi com a vida, e não só com as broncas de minha mãe, que os acertos costumam ter um custo / vida muitíssimo menor que cometer ou se permitir até pequenos erros. Não é só acertar nas coisas práticas do dia a dia, como não jogar lixo na rua, prática trivial entre 99,99 de 100 brasileiros, mas tentar acertar até nos relacionamentos íntimos, formais ou informais, o que confesso ser um humano normal, ou seja, quanta besteira fiz. Anyway...

Um exemplo é bem explicativo, pelo menos para quem faz algum esporte ou especificamente para quem pedala: "Ciclismo (ou pedalar) é a arte da suavidade" e complementando "Ciclismo (ou pedalar) é arte de preservar energia". Suavidade pode ser traduzida como segurança. Em tudo na vida, fez suavemente e com calma vai bem. Quando você vai aos trancos e barrancos você aumenta a possibilidade de erros e acidentes. Preservar energia pode ser traduzido como poupar, ter o que gastar quando realmente é necessário, medida sabia que é vendida até na fábula da formiga e a cigarra.

Como todos dizem, de todos partidos, ideologias ou formas de pensar, Brasil é o país do vôo de galinha. Ficamos ciscando e vez ou outra decola na tentativa de um voo para o futuro, que como todos sabemos termina sempre um pouco mais a frente para voltar a ciscar. Desde que você nasceu quantas vezes aconteceu? Tenho uma memória de merda, mas só contando os planos econômicos que deram errados nestes meus 70 anos de vida posso lembrar de 6 voos de galinha. O mais ridículo? Sei lá. Foram voos de galinha dos quais parece que não aprendemos nada.

A Curitiba criada por Lerner e sua equipe virou umas das referências planetárias do que se deve fazer para ordenar o crescimento de cidades. Aqui no Brasil? Curitiba? Jaime Lerner? Quem?
A diplomacia brasileira foi durante décadas referência de bom senso. Neutra, cautelosa, bem preparada, apolítica. Foi-se.
Tivemos um sistema de vacinação que foi referência mundial? Foi-se.
Milhões de brasileiros trabalham em empresas que são regidas por sistemas de alta qualidade. o que seus funcionários replicaram em suas vidas fora da empresa?
Etc...

É triste, mas Brasil lembra cada dia mais aquele ditado árabe: "O que os sábios demoraram 8 anos para construir, um imbecil destrói em 8 minutos".

Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és, sabedoria correta e inegável. É possível fazer uma versão digna para estes dias: "Diz-me com o que você se preocupa e pratica, e dir-te-ei qual é tua afeição pelos acertos". Acertos, o bem feito, o que dá certo, o que não deixa rabichos... Ou ainda: "Diz-me qual é a importância que dás aos acertos (ou à qualidade) e dir-te-ei quão responsável eres socialmente". Por favor, não jogue papelzinho amassado na calçada antes de responder.

Responsabilidade social. Aí o bicho pega, aí fica difícil.
Responsabilidade social: temos a obrigação de aprender e repetir nossos acertos
Responsabilidade pessoal: temos a obrigação de repetir nossos acertos
Responsabilidade familiar e com os amigos: aponte os acertos para que sejam replicados.

Como a única coisa que vale nestes dia é o bolso, um último comentário: acertar sai muitíssimo mais barato.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Menos carros, mais ônibus e ciclovias. Só isto? Por que não funcionou?

Rádio Eldorado FM
SP Reclama
O Estado de São Paulo

Sobre entrevista de Sérigio Aveleda para a Rádio Eldorado FM

Tirar os carros da rua. Ótimo. Aumentar o número de usuários no transporte público. Certo, lógico, ótimo. Implantar mais ciclovias. Fechou, ótimo!  Completou o menu da melhora do trânsito e da vida na cidade. Será? Só isto? E o que mais?

Antes de Penalosa, Mockos preparou a população de Bogotá para uma profunda mudança. O que Sadi Khan iniciou com a Broadway, NYC, incluindo o sistema cicloviario pela cidade, foi preparar a população para uma grande mudança urbana. Foram 2.000 reuniões oficiais com a população, a maioria nas ruas, para explicar o que seria feito e ouvir. As grandes cidades da Europa e algumas dos USA tiveram um processo de venda, leia-se preparação, para as mudanças que viriam e já estava claro que seriam necessárias. Começaram logo após a Segunda Grande Guerra, 1945, na reconstrução de algumas vias das cidades destruídas, pegou embalo a partir da década de 60 nos países nórdicos, e a partir de 1972 e a revolta contra atropelamentos de crianças em Amsterdam, virou referência mundial. Isto para ficar nos últimos 50 anos da metade do século XX.
Exemplos como estes são inúmeros e em inúmeras cidades. Aliás, ou vende a ideia bem vendida ou está fadado ao fracasso. É fator humano, qualquer produto só vai para frente com o imaginário bem estabelecido, cristianismo que o diga.  

São Paulo? Brasil? Paulistano vem há muito perdendo a noção do que é cidade e ser cidadão. Não só paulistano, porque a cidade mais rica normalmente exporta conceitos. Sentir-se hoje paulistano tem a ver com o que? Com a vida particular da pessoa em seu bairro, no local de trabalho, no clube, no shopping, atrás dos muros dentro de casa? Da visão que ele tem da cidade a partir do carro? No que se transformou a cidade? O que é o Município de São Paulo para os paulistanos? Há pesquisas?

São Paulo vem apagando sua história impiedosamente. Quem é o paulistano hoje? No que e para que está se transformando a cidade? Se não se sabe ao certo com qual público se está trabalhando, como saber o que fazer? Ok; a parte financeira se pode imaginar, mas dinheiro não é urbanidade. Menos carros, mais transporte coletivo, mais ciclovias, (melhorias para pedestres, pouco falada), são falas mágicas, soluções óbvias, discurso comum, real, repetido a exaustão, mas da forma como é dito (e sempre repetido), tem um cheirinho e gosto de populismo. 

A pandemia..., sempre a pandemia... e o pós pandemia. Boa e justa justificativa, ou será desculpa, mas e o que mais? Por que tivemos estes impactos pós pandemia e outras cidades pelo mundo não, pelo menos não nesta intensidade? Onde está a diferença?

Av. Faria Lima costuma ser apresentada como sucesso das ciclovias e consequente aumento do uso da bicicleta. Quantas bicicletas/dia? Quantos automóveis/dia no mesmo periodo? Qual a relação da evolução das bicicletas com a diminuição do trânsito no mesmo local? 4.000 motoristas a menos, mais ou menos. Em quanto tempo? E quantos carros a mais? Quais as razões para a mudança de modal? Por que naquele caos diário absurdo o número ciclistas não aumenta muito mais rapidamente? Qual o tempo de viagem de carro X tempo de viagem a pé? Etc...

Nossas cidades, as brasileiras, estão entrando em colapso porque o discurso correto, com saídas óbvias, foi repetido a exaustão e não cola mais. Estão querendo vendendo soluções para uma população que não faz ideia do que é uma cidade, começamos por aí. Aliás, não faz a mais remota ideia do que qualidade de vida, a real, não a da 'classe média vai ao paraiso'. "Eu conheço NYC", dizem os viajados. Conhece? "Fiquei três dias passeando pelos pontos turísticos e fazendo umas comprinhas obrigatorias". Upa! Deve conhecer mesmo.

O discurso que se faz para melhorar a cidade é o mesmo faz mais de 50 anos. Adiantou? Pelo que tudo indica, não. Então, como se faz? Lenga lenga em época de ormações e novidades faiscantes?

sábado, 16 de agosto de 2025

666 e Babylon, a diferença que a idade faz

A década de 60 desencadeou uma série de misticismos. Imagino que tenha sido uma reação às regras que imperavam no ocidente, ou sob as asas da santa igreja católica, ainda sob influência dos últimos resquícios da santa Inquisição, já não mais sob o poder da igreja, mas dos fiéis, e por que não dizer num pós Segunda Guerra Mundial que praticamente dizimou todos valores. De qualquer forma continuamos temerosos ao desconhecido e daí as teorias da salvação no meio de uma transformação social que redefiniria tudo, da economia ao social. E surgem as minorias barulhentas indo atrás de budismo, cristianismo, novos profetas, velhas escrituras, enfim bobagens sem fim que salvariam o planeta e a humanidade, tais qual esta analise sem pé nem cabeça que faço aqui. 

Apocalipse! Uau! Apocalipse! A palavra apavorante de tudo que envolvia um futuro previsto entrou nas conversas, primeiros dos adultos, depois dos adolescentes, Apocalipse virou um apocalipse social, muito mais assustador e mais divertido que filmes de Hollywood. Fora meus exageros de praxe, esta é a mais pura verdade.

O desconhecido cria imagens interessantes. Não era tão fácil pesquisar naquela época. Aliás, dependendo do que, era muito chato para começar, e depois era uma trabalheira danada para chegar na informação que se queria. Não sei como está pesquisar um tema numa biblioteca de hoje, ou sei mais ou menos, é na telinha, mas nos séculos e séculos antes da telinha era ir para o fichário, procurar por ordem alfabética (se você soubesse o que estava procurando), folhear ficha por ficha, até encontrar o que queria, o que eu em particular raramente conseguia. 

Como todo adolescente de minha geração, adorava mistérios, a busca de magias, de caminhos para a paz e amor, o que quer que fosse isso. 

Aos 17 anos, ver um disco na vitrine da loja com a capa vermelha e um 666 estampado em preto, foi o máximo. Comprei, levei para casa, tirei o LP cuidadosamente da capa, coloquei no toca discos, e... Interessante, muito interessante, bem diferente do que estava acostumado, principalmente a faixa 'The Four Horsemen', cantada como um chamamento do Corão. Babylon, a música, era simpática, mas não minha preferida. Ouvi umas tantas vezes o disco, sem nunca ter feito uma relação mais direta com misticismos ou religião. Era só música.
O que eu ouvia na época era percebida como uma obra, letra, arranjos, composição, tudo junto e misturado. Eu tinha uma educação musical de ouvido estruturada, tinha condição de perceber e saborear nuances, pequenos detalhes, mas a preocupação com letra, sentido, mensagem, era praticamente zero. Era só música.
Mesmo na época dos Beatles e de outras descobertas, aliás, bem atrás no tempo, bossa nova, música clássica, big bands, música era simplesmente música.

Passou o tempo dos misticismos e outros devaneios spirituals, sim, spirituals, sem dúvida com toda a magia de Disney ai no meio. Com as mídias novas pesquisar ficou 'biscoito', como dizíamos.
Acabei de descobrir que Paul McCartney e George Harrison, no meio destas novas descobertas espirituais e etc... pegaram um avião e foram para San Francisco ver qual era o babado do movimento Flower Power e de tudo mais que estava acontecendo por lá. Acharam uma tremenda babaquice, ficaram dois dias, e voltaram para casa para o real life. 

Aqui, no Alto de Pinheiros, senhoras da mais fina educação e sociedade descobriram um "santo" que dava consultas espirituais numa das mansões. Reuniam-se todas ali uma vez por semana, na quarta-feira se não me engano, e entrava uma por vez numa sala fechada para ter com o "abençoado". O máximo que cheguei perto destes eventos foi esperando dentrou do carro estacionado na rua para que saíssem de lá iluminadas, com suas áureas brilhando felicidade. De fato algumas saiam. Um dia tudo acabou inesperadamente. Perguntei e ouvi a resposta impiedosa para as gargalhadas que se seguiram: as puras e esperançosas senhoras entravam na sala abençoada e... Bom, um dia, a dona da casa, um sobrarão, melhor, mansão, inadvertidamente abriu a porta e deu com a benção carnal que estava internisada na amiga. Santo pau na periquita!

O fato curioso desmontou muito de meus misticismos, mesmo assim continuei acreditando que havia muito mais entre céu e terra que se possa explicar. Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.   

Outro dia, ouvindo o 666, que é maravilhoso, tive a curiosidade e fui atrás do significado de Babylon, que na realidade é Babylon the great, Meretriz da Babilônia, ou também 'Grande Prostituta'. Primeiro, em minha santa estúpida ignorância sempre pensei que Balylon fosse uma cidade ou um homem. Abrindo uma série de páginas de pesquisa acabei descobrindo que é uma alegoria, melhor, que pode ter várias interpretações, praticamente todas relacionadas as políticas ou práticas sociais da época que foi escrito o Apocalipse. Já 666 sempre soube que está relacionado às bestas apocalípticas, que também são alegorias. 

Ignorância é uma benção*. E o caminho para o inferno. Escolha.

Este disco do Aphrodite Child, 666, musicalmente ótimo, hoje, nesta era de autocracias populistas baseadas na loucura estratégica, manda um recado que faz todo sentido. 




Babylon the great

*Já dizia o poeta inglês Thomas Gray que “Onde a ignorância é uma bênção, é loucura ser sábio”, mas a frase “Ignorância é uma bênção” ficou famosa com o personagem Cypher de Matrix (filme de 1999). Porém, antes de Matrix, outra figura icônica da Cultura Pop, John Lennon, já tinha proferido que “A ignorância é uma espécie de benção porque se você não sabe, não existe dor”.

Uau! 

Quando o Spirit se desfez, alguns de seus membros formaram o Jo Jo Gunne, que também tem uma música Babylon. Desta não faço ideia sobre o que fala, só saio dançando. Divirta-se. Aproveite porque ignorância é divertida por bem pouco tempo.