quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Roubos banalizados nos condomínios resultam em roubos bilhionários

Na reunião de condomínio sobre o fim da reforma da entrada do condomínio e garagens, falei sobre a questão da segurança das bicicletas, problema comum em praticamente todos condomínios. Roubo da bicicleta completa ou de peças, algumas que não fazem qualquer sentido, mesmo assim roubam.

Terminei de expor minha opinião, a síndica contou uma história que me surpreendeu. Olha que achava que já tinha ouvido de tudo. Um dos moradores decidiu sair para pedalar no domingo, pegou a primeira bicicleta que encontrou, uma feminina de uma outra moradora, e foi embora. Desceu a dona da bicicleta, deu falta da bicicleta, armou-se a confusão, foram até as filmagens e deram com o ocorrido. Final do dia volta o larápio, melhor, quem tinha tomado emprestado a bicicleta, bicicleta sem a cestinha, daquelas grandes e caras. Vão ao encontro dele, que fica furioso por estar sendo interpelado, e mais furioso ainda quando a dona da bicicleta pergunta onde está a cestinha. Responde ele irritadíssimo que a cestinha fazia barulho, ele ficou irritado e a jogou fora sem lembrar onde.

Roubo nos bicicletários dos condomínios é relativamente comum, mas está longe de ser problema exclusivo. Num outro condomínio, duas torres muito bem estruturadas para classe média alta, foi instalado um micro mercado com o básico do básico, depois que houveram alguns assaltos nas ruas próximas. Óbvio que o micro mercado com sistema de segurança, camếras e um dispositivo para entrada. Você entra, pega o que quer, passa num leitor, paga e leva, como deve ser. Só os moradores tem acesso. Mesmo assim ocorrem roubos. Pior, frequentes.

Nunca ouvi, nunca soube, que um destes casos, roubos, tenha resultado em uma reação mais civilizada, ou seja, pelo menos levar a conhecimento coletivo do ocorrido expondo em aberto o responsável. Mas, como se costuma dizer, para não criar mais problema, deixa como está.

Temos que parar de abafar os ditos pequenos problemas. Lembro que este maldito habito do silêncio custou a todos um discreto desvio de mais de $ 60 bi de Euros, na contação da época, no Petrolão, aliás sóna Petrobras,  desvio devidamente contabilizado. Os responsáveis foram julgados inocentes por erro processual, mesmo com documentação farta provando a culpa. O dinheiro foi devolvido? Não me lembro. É provavel que não. Começa pelo roubo na garagem e termina nos bi. Coisas do país que para não piorar, deixa como está.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Tragédia da educação básica



Não interessam os números, interessam os resultados, e os de nossa educação básica são vergonhosos, para não dizer nojentos, estúpidos. O futuro de todos brasileiros, sem exceção, não está em jogo, já foi-se, e parece que não se percebe. 
A burrice da elite, todas e de todas matizes, em acreditar que o futuro dos seus estudando nos melhores colégios estará garantido é inaceitável, primeiro porque prova que a geração dos pais e avós, todos e de todas matizes, que aí estão não receberam educação com a mínima qualidade para entender o que é e como se constrói uma sociedade, um país, uma nação. Depois por acreditarem que atrás de muros estarão garantidos, o que vale para todos e de todas matizes. 
O deprimente é constatar que a esquerda brasileira que poderia e deveria ter mudado esta história, até pelo que dizem ser seus princípios, não o fez, e não parece interessada fazê-lo, a prova irrefutável está ai. A direita liberal, por sua vez, não teve a inteligência e discernimento pragmático para entender a importância de criar uma força de geração de capital com alto valor agregado. Enfim, a estupidez é generalizada e o resultado é o que temos na educação básica.

Que lindos números! Nossa! quanto progresso! A verdade é que nossas crianças estão cada dia menos preparadas, portanto os lindos números não interessam, não dizem absolutamente nada frente aos resultados vergonhosos. Aliás, repetindo e recordando, um dos meus livros prediletos: Como mentir com estatísticas, de Darrel Huffy, best seller desde o fim da década de 50. 

A escola de Cubatão que foi premiada com louvores dá o caminho. Ou todos são pela educação ou não vai.

Escola tem que ser 'o' ponto de referência de qualidade, começando até pela pintura e outros cuidados básicos com a construção. Estou cansado de ver escolas públicas cheias de necessidades de cuidados com a aparência. Justifico: O Terminal Barra Funda foi por muitos anos uma referência nacional e internacional do que a qualidade do ambiente faz pelo comportamento social. Havia uma diferença sensível entre a qualidade ambiental da área da CPTM e a do Metro. As câmeras de segurança sobre as catracas mostravam uma diferença enorme do comportamento do povo antes e depois de passar a catraca. Não precisa tanto, no metrô é raro ver alguem jogando um papel no chão ou depredando. Teoria da janela quebrada.

É inadmissível que tarde ou falte verba para manter as escolas impecáveis. Escola não pode ser um reflexo de seu meio ambiente. Escola tem que ser a referência do que se espera para o futuro. Vou mais além, não precisa necessariamente ser um CEU ou CIEP grandioso, até porque em muitos lugares é inviável, tem que ser o mais acolhedora possível, um lugar onde se tenha vontade de ir e vivenciar.  

Quem se interessa?

Quem tiver acesso ao Opinião do Estadão recomendo a leitura do sensato comentário feito pelo professor Edson Del Rio. 

domingo, 12 de outubro de 2025

Clube do Bolinha e Clube da Luluzinha

Faz um tempão algum de nossos brilhantes deputados ou deputadas, sei lá quem e não quero saber, falou uma das bogagens que a cada dia eles mais disparam, algo relacionado ao Clube do Bolinha e Clube da Luluzinha, provavelmente mais uma referência a questão de gênero e a distorção religiosa sobre homem é homem e mulher é mulher, ou coisa que o valha. Bom, enfim, acredito que Deus, quem quer que seja, é mais sábio e inteligente que este pessoal que diz representar a palavra dele. 
Não, não, não, não vou entrar neste tema, mesmo já tendo entrado nele. 

Clube do Bolinha e Clube da Luluzinha? Opa! óbvio que vida continua assim, cada um nas suas casinhas, ou clubinhos. Não é discussão de gênero, de religião, do que quer que queiram, é tudo, fato corriqueiro, parte desta vida "vocêsabecomquemestáfalando?". Os iguais se encontram e gostam de ficar juntos. Sacaneando, efeito boiada ou efeito galinheiro. (Agora é que eu apanho.) Não pensem errado, efeito boiada, aqueles ou aquelas que ruminam; efeito galinheiro, aquelas ou aqueles que não param de cacarejar, nada mais, o resto é imaginação fértil de quem me lê aqui.


Brasil se divide muito mais que na política. Vivemos faz muito num país de enclaves pré medievais. Clube do Bolinha ou da Luluzinha? Ridículo! Exagero meu? Quantas ruas você conhece onde as casas, apartamentos e condomínios não são muradas? Quantos lugares deste país se têm total livre acesso? Quantas rodas de conversa são realmente abertas? 

Está pesquisa é maravilhosa porque começa abrir a caixa de pandora que nos explica. Espero que aos poucos toda a pesquisa venha a público. Não sei bem se servirá para nos ajudar a sair deste profundo buraco, mas é um começo.

E cá estou eu, me descobrindo como "progressista militante". Chiquérrimo! Por esta não esperava.

Obrigado a minha mãe que de maneira sabia soube levar uma família que conversava, mais e mais importante, nunca brigou. Aliás, eu e meu irmão tivemos uma única briga na vida, isto pouco anos de minha mãe morrer. Se arrependimento matasse, teríamos morrido nós dois. 

Obrigado tia Nenê, que mesmo com a casa sempre lotada conseguiu dar um basta em brigas políticas, ideológicas e religiosas que não levavam a nada. Ali as pessoas conversavam.

Brigar, ter posições pétreas? Brasil, cresça e apareça!

Dutra para romeiros?


Ainda vão ser divulgados os números finais sobre quantos romeiros caminharam pela Dutra para a Basílica de Aparecida, mas pelo que vi e pelo que disse um policial rodoviário, neste ano de 2025 foi recorde. Os noticiários falam em 40 mil. Eu, que fui mais uma vez pedalando, posso ter tido a coincidência de ter visto blocos concentrados, uma longa e lotada fila indiana de romeiros mas por 100 km nos dois dias que pedalei, a quatro e dois dias do evento principal? Tenho a sensação que vi mais gente que na romaria dos 300 anos da Santa e no pós pandemia, dois anos atípicos.

Com tanta gente caminhando pela estrada a Polícia Rodoviária Federal fica com um problemão nas mãos. Fazer posts avisando que caminhar na Dutra é perigoso, que há caminhos alternativos, etc... não freia e não freará a vontade dos romeiros em percorrer um caminho que é considerado tradição. Nos ultimos dias anteriores ao 12 de Outubro, dia da Padroeira, a situação piora, porque além da massa que caminha começa a loucura dos ciclistas que querem fazer os 180 km direto, no menor tempo, um desafio para provar aos amigos quem é quem.


Tentar controlar uma massa destas é difícil, mas não impossível. Tentar impor regras é um esforço praticamente inútil. Tem que encontrar uma receita fora do cardápio.

Acabam de anunciar que pretendem construir uma "passarela" de 134 km entre Arujá e Aparecida. De cara digo com todas letras: SOU CONTRA! Explico depois.
O ideal seria entender como a massa pensa, o que quer e vai fazer, e a partir daí estabelecer como agir. De cima para baixo em cima das regras não funciona.

Tem que jogar com sutileza.

A sinalização para motoristas e motociclistas sobre a existência de romeiros deveria ser intensificada. Numa romaria passada vi uma sinalização luminosa estabelecendo redução de velocidade para todos veículos, o que deveria ser norma nestes dias de romaria. Desta vez tive a sensação que estava menos sinalizada.

Não acredito que se consiga tirar os romeiros da Dutra, nem acho desejável. Acredito que uma simples linha de marcação orientando o limite onde podem caminhar já resolveria boa parte dos problemas. Pensar simples, acreditar no outro. "O CTB não permite... Não dá certo. Você não sabe o que diz. Está louco..." Besteira. Segregação,  passarela, usar o CTB,  é querer se proteger sob o manto da lei e de técnicas tradicionais; as mesmíssimas que cansamos de ver não dar o resultado esperado, que vivem sendo questionadas e em muitos casos estão caindo em desuso.

Que cidade você quer? Que estrada você quer? Entre as estas duas perguntas há muito que responder. Conurbacão e estradas conurbadas, você sabe o que é? Sabe o tamanho do problema? Qual? Escolha: econômico, social, urbano, humano... , escolha. Em outras palavras, seu bolso.

Uma passarela para romeiros? Passarela para romeiros? Estão dizendo que ciclovias e ciclofaixas atingiram o rodos objetivos desejados, que não há criticas pertinentes? Vão repetir a dose pago pelo bolso de todos?

SOU ABSOLUTAMENTE CONTRA A CONSTRUÇÃO DE UMA PASSARELA PARA ROMEIROS DE APARECIDA.

Há uma profunda dificuldade em se acreditar na inteligência das soluções simples. Algumas delas parecem loucura sem sentido, até a hora que dão certo.

O simples fato de terem iniciado a marcação de solo que separou ciclistas dos pedestres no Parque Ibirapuera já foi suficiente para o público se organizar e fazer por conta própria a separação.
Ciclo ativistas pintaram bicicletas no asfalto da rua Groelândia. De imediato os carros passaram a trafegar mais a esquerda e dar espaço para os ciclistas.

Voltando de Aparecida para São José dos Campos em ônibus, já a noite e com chuva, fiquei impressionado com a quantidade de romeiros caminhando encharcados e no escuro. 

Sim, há um problema a ser resolvido, mas há de se levar em conta que é um problema pontual. Problema mesmo, do qual nunca se fala uma palavra, é da população conurbana, que trabalha as margens da Dutra e de todas rodovias deste país. 
Acredite, na SP55, que cruza Caraguatatuba e Ubatuba, acontecem duas romarias por dia, uma na ida ao trabalho, outra na volta para casa. Quem se importa?

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Dores que distorcem o pensamento

Todo pensamento está viciado pelas dores encrustadas pela vida, as pessoais e as do ambiente. É praticamente impossível pensar, fazer uma análise neutra e fria sobre qualquer assunto, sempre haverá escondida alguma dor que se imporá como um norte da verdade que se propõe ou busca. 

Aos 70 anos posso dizer que a vida me ensinou que boa parte dos pilares de nossa estabilidade emocional, muitos formados por dores, são fortes e perenes o suficiente para resistir a qualquer dúvida fundamentada de nossa linha de pensamento. Deve ter alguma relação com aquele dogma da comunicação: "Má notícia se espalha 87 vezes. Boas notícias chegam aos ouvidos de três pessoas". Esta afirmação é baseada em pesquisas. Tem tudo a ver com as dores emocionais nossa de cada dia e a forma como estruturamos nossos pensamentos e ações.

A não ser que se tome uma chacoalhada monumental da vida, daquelas divisoras de águas, o que nos dirige são os nossos pensamentos negativos. Doutrinação, se pode dizer, já que somos educados ouvindo um não atrás do outro e raríssimos sim. 

Uma pré coma seguida de um colapso total que me levou à morte por alguns minutos foi um destes momentos. Não que tenha sumido com minhas dores emocionais, os machucados da vida, mas fez tomarem um outro grau de importância e intensidade nas decisões. Minha mãe mudou completamente sua forma de ver a vida depois do cancer. Os exemplos são inúmeros, muitos usados como fórmula mágica para todos problemas. Não o são. 


"Não seja mediocre" e "As responsabilidades em primeiro lugar" da educação que recebi em casa me marcaram a ferro e fogo. 

"Não fique para trás", lema de uma sociedade de vencedores e perdedores que pesa, principalmente em quem não é exatamente um vencedor exemplar, que é o que se espera de cada um e se cobra de todos. Ser vencedor virou um veneno, uma dor que distorce não só pensamentos individuais, mas coletivos.
Hoje está em andamento uma forte reação contrária a este lema que definitivamente não é só capitalista. E assim criamos uma nova dor: ser ou não ser vencedor.
Mais ou menos resolvi este drama quando ouvi: "Quem não sabe perder, jamais saberá ganhar". 
E me aprofundei quando ouvi: "Aprenda com as dores". E, "Todo sentimento levado ao extremo causa problemas", talvez uma versão do Budismo que prega o equilíbrio, a busca do meio campo entre extremos.

O problema é comprar as dores. Aliás, é um problemão sem tamanho, tipo bode dentro da cristaleira de doces. E como gostamos do bode. 


Meu objetivo era chegar pedalando em São José dos Campos e foi cumprido, mas com as pernas fritadas. No último trecho, depois da última parada, entrou um vento de popa e simplesmente disparei, desembestei, perdi a noção do que havia programado. Estou no hotel com as pernas exaustas sem saber se vou conseguir chegar em Aparecida. Tinha programado subir pedalando a serra, o que não creio que vá conseguir. Tudo por que? Neurose. Fritei as pernas.

A saída de São Paulo para esta viagem mais uma vez foi um parto. Desnecessário, digo, porque conheço o caminho.  Medos. Medo de passar pelo Centro da cidade, medo de roubo, medo dos primeiros km de estrada, do trecho entre a principal entrada de Guarulhos e a Hélio Smitd, medo se não aguentar, medo de ter que pedir ajuda, talvez o pior de todos, medo, medo, medos... Neuroses. Medos pertinentes, mas exagerados.
Medos criados por dores que distorcem o pensamento.

E o descanso que tanto preciso, como fica com tantas travas, medos que se mostraram infundados? Dores do passado que não fazem mais sentido. Nunca fizeram, pelo menos para atrapalhar tanto.

Silêncio. Não fazer nada. Silêncio cura.

São José dos Campos para mim é bem mais que uma parada de descanso. Adoro esta cidade, adoro ficar sentado na imensa janela do meu quarto de hotel olhando as pessoas passarem na rua e o horizonte. Fazer nada. De vez em quando sair ao leo. Fazer nada.

Tenho que escrever. Tenho que fazer. Tenho. 
Há uma série de fórmulas mágicas para apagar as dores incrustadas. 
Silêncio. Não fazer nada. Funciona, é  verdade 

Mas cá estou eu tentado descansar num texto. Isto não é fazer nada 

E no meio desta minha mentira do não fazer nada...
Este treco (Tablet + Internet + robôs ou IA) subiu um vídeo do TED com o depoimento de uma das mães dos atiradores da escola de Columbine, um dos que assassinou 12 crianças e um professor em 1999, o primeiro de uma serie de massacres em escolas americanas. 
Foi a primeira vez que tive que aceitar para abrir um video. O depoimento da mãe é... Deixo para vocês.... Por alguma razão não tem link, quem quiser tem que encontrar 


Para completar esta loucura, "Dores que distorcem o pensamento", vale este depoimento de um sobrevivente do tiroteio. O final de seu depoimento apresenta um caminho...




segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Crise de energia? Ou completa irresponsabilidade?


Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

O que aconteceria com este Brasil caso houvesse um apagão generalizado de algumas horas, ou um dia? O mínimo que se pode imaginar é a queda de todos sistemas de comunicação. E com ele para absolutamente tudo. O artigo do Estadão, "Sistema elétrico nacional. Crise às avessas: Aumento de energia solar provoca desequilíbrio, crise financeira e risco de apagão" aponta para não mais um problema deste Brasil, mas para uma situação que mesmo sem esta notícia de torne realidade se apresenta como assustadora: os apagões frequentes que já estamos vivendo. Tudo hoje depende de energia elétrica, parece que nós, brasileiros, ainda não entendemos este fato inquestionável. Uma coisa é perder comida na geladeira, um incomodo mínimo quando comparado ao estrago que a instabilidade da distribuição de energia causa para tudo e todos, o que acredito a população já tenha consciência. O que parece não estar claro é o custo por minuto de um apagão, ou até mesmo um trivial pico de energia para a área afetada, e porque não dizer, para todo país. A precariedade que vivemos se deve em muito pela falta de agências reguladoras, que vem sendo sistematicamente desmontadas por todos governos e políticos. Por que será? Por outro lado, tudo indica que nós, brasileiros, entramos naquele modo "paciência..." que temos com tudo, violência, corrupção, saúde, golpes... Será que se cair todo sistema de comunicação o pessoal vai perceber que tem algo muito errado? Pelo que se lê neste artigo, a possibilidade é cada dia mais real, mesmo assim duvido que caia a ficha que o silêncio geral não dá certo. Fato é que o país que tanto queremos só acontecerá quando as agências reguladoras funcionarem a pleno poder.

É pior do que eu escrevi. A questão passa por lobbies...






sábado, 4 de outubro de 2025

Fé na estrada e foda-se o resto (pelo menos por uma semana)

Está semana é a minha mais esparada do ano: romaria! "Nossa, quanta fé", pensarão. Nada disto, misto de diversão e desculpa para fugir. Sempre gostei destes eventos religiosos, procissões e romarias, ...para ver. Melhor, fiquei apaixonado por festa popular desda primeira vez que participei de uma. Com um detalhe: as de antigamente. As atuais são muito cheias e bagunçadas, um tipo de bagunça que definitivamente não gosto. Há uma sensível diferença entre uma Festa de Santa Aquiropita, de San Genaro, Santo Antônio..., na década de 70 com a muvuca infernal que se transformaram atualmente.

Se arrependimento matasse, morreria mil vezes por não ter vivenciado estes festejos populares desde que tive autonomia para ir sozinho. Dos mais doidos foi não ter aceitadado o convite de minha avó para ver as escolas de samba do carnaval carioca ainda na av. Rio Branco. Muitos anos mais tarde fui ver como era na Marques de Sapucaí e pirei.

Não sou de pular carnaval, fogueira, soltar rojões, pagar promessas, mas sou um apaixonado voyeur, incluo aí buraco de fechadura. Ver!

Como passar por esta vida sem pelo menos ter seguido uma vez o Garota de Ipanema, sem ter passado uma noite na Marques de Sapucaí, vivenciar o pré carnaval de Olinda, ter caminhado lentamente ao lado de um andor, assistido uma missa com cantos gregorianos...? Bom, pelo menos estes eu vi. De novo, morri um pouco por não ter ido ver o Galo da Madrugada. Carnaval de Salvador? Não, este não, um pouco overdose para mim, muita gente, bagunça acima do meu limite, música muito acima de minha audição. Enfim, não perca, vá, não deixe passar. Quando novo eu "odiava", para usar uma expressão besta dos jovens de hoje. Aí fui, e pirei, adorei, virei fã.

Quando estava na Rádio Eldorado ouvi, melhor, ouvimos todos, espantados, que um jornalista tinha assistido o lançamento de um balão de 40 metros de altura. "40 metros? São uns 10 andares. Não é possível!" Sim, era. Mesmo que seja um evento de uma beleza impressionante, hoje se sabe que é um crime ambiental sem tamanho. De qualquer forma gostaria de ter visto, mesmo sabendo os perigos. Em 1978 engatilharam um revolver na minha orelha quando segurei a boca de um balão que caia. "Se rasgar eu mato você" ouvi. Devia ter uns 3 metros de altura, lindo.

Se um neto me dissesse que ia para um pancadão numa favela, confesso que iria ficar bem preocupado. Hoje tudo é 'over', tem que ser super. Nem tudo, dá para selecionar. Eu não quero ver a Marcha para Cristo que reune milhões, mas a romaria para Aparecida é divertida, o pessoal fica espalhado pela estrada, e mesmo na chegada à Basílica a coisa se dá em doses homeopáticas, aos poucos, sem tumulto.

"Você não tem medo de pedalar na estrada (Dutra)?" Sim e não. Sim, não é coisa mais cômoda, tipo pedalar num estradinha de terra sem qualquer trânsito por perto, mas também não é um drama. A Dutra é sinalizada, os motoristas entendem o que está acontecendo e tomam cuidado. Ok, vira e mexe tem atropelamento, mas pela quantidade de romeiro e pelos dias que romaria, e pelo perfil de acidentalidade que temos no trânsito brasileiro, as ocorrências são raras. Lógico que são divulgadas com alarde porque as autoridades se pudessem proibiriam pedestres nas estradas, mas isto é outra história. 
Ultrapassar pedalando os romeiros que caminham não é a situação mais segura do planeta, concordo, mas depende de como você encara a romaria numa bicicleta. O pessoal esquece que está num acostamento de uma das rodovias mais movimentadas do país e segue lado a lado conversando como se estivesse num parque. Em algumas ocasiões o ciclista tem que ir para a pista, o que concordo não é muito seguro, principalmente com caminhões por perto. Por outro lado não dá medo de ser assaltado e ter a bicicleta levada, que é o que mais temo. 

O interessante é que a cada ano que passa fico me perguntando se ainda aguento ir de casa até São José dos Campos numa tacada só, ou num dia só. São exatos 100 km que normalmente faço em 7 horas, com paradas. Já fiz em 6 horas com paradas, o que provavelmente não repetirei mais. A idade cobra. Descanso em São José pelo menos dois dias e daí vou em mais uma tacada até Aparecida, mais 80 km. Infelizmente comecei a fazer estas 'romarias' muito tarde, faz só uns anos. Gostaria de tê-las feito quando jovem ou adulto para matar os 180 km numa pedalada direta. Hoje não consigo mais. Fé na bicicleta, mas aos 70 (anos) ajoelhado no milho da velhice. Velhinho, mas inteiro.

Só agora, faz uns poucos meses, liguei o foda-se para as besteiras que colocamos como dramas da vida. Ah! O foda-se, maravilhoso e redentor foda-se! Fé no foda-se! Os bons espíritos lá do Céu entendem e até dão uma força. Paz na terra aos homens e mulheres de boa vontade, e principalmente aos que se auto-respeitam. Auto respeito é a base do respeito coletivo. Lá vou eu.

Uma das coisas mais bacanas da romaria é a ajuda que você recebe pelo caminho. Todo tipo de ajuda, bebida, comida, massagem e até atendimento médico para pés machucados, muito comum. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Pobreza pega

"Fique próximo de alguém rico. Sempre vai sobrar uma nota", trecho do livro "Eles e Elas – Contos da Broadway" de Danon Runyon, um clássico da literatura novaiorquinas. Boa definição de nossa época?
"Fique próximo de alguém pobre", esta não ouvi de forma explícita, mas nas entrelinhas de um monte de gente, incluindo, especialmente, políticos de todos naipes.

Faz muito que deixei de considerar pobreza uma questão de conta bancária. Para mim é uma questão de 'brain', cérebro, para começar. Mais outros tantos valores de carácter, moral, integridade, educação, comportamento social...

- Bicicleta é coisa de pobre - ladainha da classe abastada deste país que por décadas foi uma espécie de verdade definitiva. Bom, cheguei até ouvir que "caminhar é coisa de pobre". 
Pobre mesmo eram as definições de pobreza. A bem da verdade, continuam sendo, até as que caridosamente ressaltam a urgência de seu fim. De boa intenção o inferno está cheio.  

O interessante é que a ladainha hoje mudou de sentido e virou - "bicicleta é coisa de rico". De fato, eles têm razão, muitas são caríssimas. Segundo muitos trabalhadores, bicicleta é "esporte de quem não tem nada mais para fazer". Hoje o desejo de pobre*, leia-se trabalhadores, é trocar a bici por uma moto.
* uso do termo pobre ligando aos trabalhadores menos remunerados não é meu, assim como "coxinha", que se refere a ciclista de classe média abastada, e "lycrete" que se refere aos ciclistas que pedalam para treinar vestidos com roupa chiques de ciclismo e bicicletas caras também não é meu.

O convívio obrigatório por razões sociais com a boçalidade, a estupidez, a mediocridade sempre me incomodaram, isto desde muito pequeno. A bicicleta pode ter sido um catalizador no meu conceito do que é ou não 'pobre'.. Pedalando desde uma época quando ninguém pedalava, pelo menos os meus iguais (?), sei bem o que 'pobre sofre' e quanto 'pobreza pega'. Como 'pobre' (eu, usuário da bicicleta), ou louco (eu, usuário da bicicleta), ou qualquer outra coisa (usuário da bicicleta), tive a felicidade de sentir os prazeres da pobreza da liberdade, da pobreza do vento na cara, da pobreza do bem estar, da pobreza da agilidade, da pobreza que a pobre bicicleta me deu. Cara, como eu fui pobre!

Acabo de descobrir, para meu prazer e diversão, que tem uma obra clássica, "As 5 leis Fundamentais da Estupidez Humana" do historiador e economista italiano Carlo M. Cipolla. São inúmeros os vídeos sobre estupidez que valem a pena ser vistos com atenção. Enfim, o que considero pobreza em grande parte tem tudo a ver com estupidez, que cá para nós, pupula entre nós e ultrapassa e muito o número de pobres miseráveis financeiros deste planeta. 

Pobreza pega? De onde tirei este título não me lembro. A procurar. Biscoito! Descobri, foi um cometário feito pelo "Acorda Pedrinho", do Pedro Fernando Nery, ótimo, que falou na Rádio Eldorado sobre o assunto. O título, Pobreza pega, vem da personagem Bia Falcão da novela Belíssima de 2005. Também foi publicado em texto no Estadão, como "Pobreza ou riqueza pegam? Só uma dessas noções permite sonhar um país". Concordo, pegam. E contaminam, podendo até virar pandemia.

Pobreza é um importante ativo para a política, e não se enganem, não só a de esquerda. E como dizia Joãozinho Trinta, "Quem gosta de pobreza é intelectual". A afirmação completa de Joãozinho é "Quem gosta de pobreza é intelectual. Pobre gosta de luxo". Na época que foi dada caiu como uma bomba na cabeça de muita gente. Vestiram a carapuça até as canelas. 
Não vou entrar no 'pobre gosta de luxo' porque aí se tem que escarafunchar novo-riquismo, tema aqui no Brasil é para séculos de conversas, discussões e prováveis ofensas e gargalhadas, sem entrar num rol de estupidezes infinitas.  

Um vídeo da DW, Deutsch Welle, sobre o complexo de vira-lata do brasileiro trata de um tema paralelo e implícito à pergunta 'Pobreza pega?' e a afirmação, diria, a constatação que pobreza pega. Vira uma loucura porque entra no que é complexo de inferioridade coletivo. Paro por aqui com minha loucura infinita, mas recomendo o vídeo da DW.



A meu ver o problema que temos no Brasil está no uso de certas premissas que são destrutivas. Aqui, bicicleta é coisa de pobre, para mim que cansei de ouvir, é o exemplo mais fácil de dar. "Para o brasileiro, o segundo colado é o primeiro perdedor" dito por Nelson Piquet resume bem a nossa burrice. Diria eu em cima desta afirmação: quem não vence é pobre. Exemplos de premissas erradas é o que não falta. 

Pobreza pega? Opa! Como pega. Efeito manada. 

"Tem que educar o povo" é a premissa para solucionar tudo. Concordo em parte. Educação de boa qualidade traz o bom pensar, mas se as premissas estiverem muito doutrinadas o bom pensar começa torto. 

Enquanto não repensarmos e reposicionarmos o que de fato os conceitos rico e pobre não sairemos deste impasse suicida que o planeta está vivendo. 
O que tem valor? Aliás, o que é valor? 


sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Despoluição do rio Tiete, suas margens e parques lineares

SP Reclama
Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Pouco depois de Serra ter assumido o governo do Estado ele apresentou o projeto da nova marginal Tiete com ampliação do número de faixas rodantes. Fui numa das apresentações internas. Projeto apresentado, houve quem argumentasse sobre a qualidade das águas do Tiete. Eu disse que se tivesse poder só autorizaria o projeto caso fosse assinado um documento por parte do Governo do Estado se comprometendo a devolver para o rio a faixa da esquerda, contígua às águas, criando um princípio de mata ciliar e parque linear. Expliquei que com o termino do trecho norte do Rodoanel, portanto passado o tempo de necessidade urgente do alargamento, com o qual concordava pelas razões econômicas apresentadas, a devolução da faixa esquerda seria possível, traria inúmeras vantagens, inclusive econômicas, para toda população. E quase apanhei, literalmente, inclusive de uma das peças chave do ambientalismo no Brasil.

Uma faixa de rodagem devolvida ao rio, para começar, a primeira do que deve ser, melhor, obrigatoriamente terá que ser, é crucial para o bem estar da região metropolitana, em particular das cidades que ficam a suas margens. Esta é uma luta que se tem que iniciar já. 

Um tempo depois de inaugurado o primeiro trecho da Ciclovia rio Pinheiros encontrei Fábio Bueno, que contou que para a grande surpresa do Governo do Estado, da Cetesb e Sabesp, o número de reclamações sobre a qualidade das águas havia explodido, o que foi inesperado, mas ótimo. Nunca o rio Pinheiros tinha sofrido uma pressão tão positiva pela sua despoluição.
Tendo trabalho algumas vezes com os holandeses, e tendo visitado outras tantas os Países Baixos, incluindo Holanda, entendo a importância crucial de ter ciclistas pedalando junto às águas. Eles acabam naturalmente se transformando em guardiões. 

No caso do rio Tiete o primeiro passo é devolver uma faixa de rodagem às águas com vegetação primária. Até que se tenha mais espaço e um controle maior das enchentes, sou contra a implantação de uma ciclovia ali. Já vivi uma enchente do rio Tiete e sei que as águas sobem numa velocidade que dificulta ou impossibilita a fuga de um ciclista para local seguro. Ademais, uma faixa de rodagem é muito estreita para a criação de uma ciclovia mais vegetação primária para formação de mata ciliar.  

Em entrevista para a Rádio Eldorado FM, a Secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, Natália Resende, falou sobre a situação atual do rio, sobre o que se vem fazendo para sua melhora, sobre o alocamento de R$ 20 bi em verbas, e sobre a situação de coleta e tratamento de esgoto nas cidades. Em particular citou Guarulhos que em 2017  tinha só 2% de esgoto tratado, sim, 2% de esgoto tratado. Fui consultor do projeto cicloviário de Guarulhos, que por sinal sumiu, ninguém sabe, ninguém viu, e nas vistorias técnicas vi a situação. Num destes dias, o córrego que corre paralelo a Av. Santos Dumont tinha a aparência e consistência de um todinho grosso, difícil de esquecer, nojento. Passei mal. Lembrando o perfil de todas administrações passadas, todas ditas "de responsabilidade social", fiquei mais irritado ainda. Guarulhos é um dos maiores orçamentos do país e ao mesmo tempo um dos mais sérios poluidores do rio Tiete. Que se reverta a situação. 
 

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Cidades esponja e a morte de seu símbolo do bem

A perda de peças cruciais para o real progresso da humanidade e planeta acontece, mas não deveria acontecer. O acidente fatal envolvendo o genial arquiteto chines Kongjian Yu, criador e divulgador das cidades esponja, me embrulhou o estomago. No mesmo acidente foram vítimas Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz, cineasta documentarista; Rubens Crispim Jr., diretor e documentarista, e o piloto e dono do avião Marcelo Pereira de Barros. A verdade é que os quatro são perdas preciosas. Fernando e Rubens tem trabalhos reconhecidos, pelo que soube agora de uma qualidade acima da média. 

No caso especifico de Kongjian Yu o golpe foi forte porque mesmo antes de ter ouvido sobre o que são as cidades esponjas já tinha me apaixonado pelo tema do controle das águas.

Mesmo sendo ciclista e tendo começado minha vida nos pedais com bicicletas com rodas 27 e pneus 1³/4, duros e pouco absorventes de irregularidades, não gostei nada quando começaram asfaltar ruas calçadas em paralelepípedo, que passaram a alagar mais ainda depois de asfaltadas. Quando vi os primeiros projetos de ciclovias em canteiro central de avenidas dei um pulo da cadeira no meio da reunião e reclamei: "numa cidade já muito impermeável vocês ainda querem colocar ciclovias no meio verde das avenidas, local onde absorve chuva?". Por prática, por ter pedalado boa parte da cidade de São Paulo, sabia bem a importância dos caminhos para ciclistas correrem junto com as águas, em particular com córregos. O Ciclo Rede Butantã previa a criação de 5 parques lineares junto a córregos. Mais ou menos na mesma época cai de amores com o Projeto Córrego Limpo Sabesp. E morri de inveja quando conheci o trabalho do Bueno e seu Ruas e Rios. Tive a sorte de ser contratado, junto com Eric Ferreira, para fazer o funcional de uma ciclovia no entorno da Represa Guarapiranga, quando apresentamos uma ideia de recuperação de boa parte das margens e integração com os parques lineares do Projeto Córrego Limpo que já estavam em andamento. Meu último trabalho, como consultor, mais uma vez previa recuperação de águas, e porque não dizer criar áreas esponja, um termo que não tinha pensado. 

Como cidadão não tenho como agradecer a Kongjian Yu pelo legado deixado. E espero que o documentário que estava sendo preparado por Fernando e Rubens seja terminado e venha a público. Pelo que se sabe, Marcelo tinha o avião e pilotava para apresentar o maravilhoso Pantanal, pois aqui vai meu merecido agradecimento a você, Marcelo.

Sinto profundamente a perda de todos. Obrigado, obrigado. Tocaremos em frente.


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

"A máfia brasileira quer (?) impor sua lei", editorial Estadão



O Estado de São Paulo 
Editorial 
22 de setembro de 2025
A máfia brasileira quer (?) impor sua lei.
(Novamente, "quer"?)
para:
Rádio Eldorado FM
Fórum do Leitor, Estadão

Editorial de hoje é muito correto, só pecando com um detalhe, o condicional. Eu não tenho, e duvido que alguém tenha dados corretos para afirmar que o Brasil já não está afundado sob o poder de máfias e narcotráfico. Pelo menos das igrejas (igrejas?) parece estar. Ou há dados e calam para não gerar pânico. Fato é que não resta dúvida que a política que temos hoje cheira muito mal, e não é só por corrupção ou votações sem sentido público. Fato é que pouco ou nada se fala sobre o submundo das igrejas missionárias e seu fluxo de caixa sem qualquer controle, que é enorme e está aí faz décadas. Vão falar sobre lavagem de dinheiro agora? Enfim, deixou-se correr o barco muito além de qualquer mínimo bom discernimento.

Quem vê o Estado já tomado é adepto da teoria da conspiração? Será? O que será este congresso, estas aassembléias legislativas, estas câmaras municipais, esta política infame?

Há de se fazer uma diferrença entre tomado e sob controle. Tomado tudo indica que está, sob controle ainda não, mas pelo que se vê, não falta muito para chegarmos lá. 

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Coelhinha de pelúcia decepada

A mãe está visível irritada com os urros selvagens vindo do carrinho de bebê que segue a frente empurrado por ela. É fácil perceber pelos movimentos triscados do corpo da jovem e seu andar curto e apressado. A criança se retorce, seus berros são tão fortes que ela se engasga e tosse, esperneia tentado se livrar do carrinho, pernas escapam para os lados, vê-se as mãos tentando agarrar o braço da mãe. A mãe para, agacha de frente para ele, o diabinho tenta arranhar o rosto dela, que desvia do ataque. Exausta, desiste e o tira do carrinho. Solto na calçada, a criança se acalma, corre um pouco, vira-se para provocar a abatida e envergonhada mãe. A mãe se levanta segurando no carrinho, a criança corre mais um pouco e novamente para e se vira em provocação sorridente. A mãe inclina o corpo para frente e abre os braços na esperança que ele volte. Seu braço direito aberto derruba uma garota bem vestida que sem olhar para frente, olhos no celular, vem rápido pela calçada num patinete. Bolsa para um lado, sapato social de salto alto para o outro, meia rasgada, joelho e cotovelo arranhados, ela se levanta grogue ainda sem perceber que está com a testa sangrando. A mãe, já sem saber mais o que acontece ou onde está seu filho endiabrado, pede desculpas, mas imediatamente é ofendida e quase recebe um tapa. Alguns passam só olhando, uns poucos param incriminando a menina do patinete e a mãe. A criança assustada volta para a mãe, vem acompanhada por uma boa alma preocupada com tudo que via. A criança agarra-se desesperadamente à perna da mãe e desanda a chorar, agora um choro de susto e não mais um choro de raiva mimada.  
A garota do patinete enquanto limpa o sangue que escorre aos olhos é contida por um senhor que lhe agarra os pulsos. Grita palavrões e chora, reclama que não vai poder trabalhar, mais palavrões.
A mãe estoura sua irritação, agarra o malcriado com força pelo braço, o coloca a força no carrinho e o prende com as alças de segurança. O diabinho agora chora de susto e medo, chora alto, sem parar. Uma senhora tenta acalmar a fera e toma um tapa no rosto. Ela se afasta. A mãe, ainda atordoada com tudo, parte em palavras para cima da garota do patinete, que agora tem o rosto bem ensanguentado. O corte é pequeno, nada grave, afirma o senhor que a contem e tenta acalmar a situação. 
A mesma senhora que tomou um tapa de raspão da criança vê um coelhinho de pelúcia na bolsa do carrinho, o pega e entrega a criança. Ele o arranca da mão da senhora, o chacoalha para todos os lados, o atira ao chão e a senhora o pega novamente e devolve à criança.

A confusão é generalizada. O senhor ainda segurando o pulso da garota para um taxi, pega todas as coisas dela, abre a porta, joga tudo dentro, a empurra junto, fecha a porta e manda o taxista seguir para um hospital. A mãe, mesmo com a criança histérica, aos berros no carrinho, se alcama e agradece. Fica um pouco imóvel sem ouvir os que lhe perguntam se está bem e se quer ajuda para voltar para casa. Olhar perdido, coloca a mão sobre a cabeça da criança que aos poucos vai também se acalmando, agradece a ajuda.  

O pequeno coelhinho de pelúcia está jogado na calçada, cabeça para um lado, corpo para o outro. De tanta raiva a criança mimada decepou a cabeça de sua coelhinha e a atirou longe. A mãe triste recolhe cabeça e corpo e os encosta na quina da parede lado a lado. Os que estão em volta olham com tristeza e certo horror a cena. 

A coelhinha decepada fica lá, esquecida. Tem uma feição muito leve, simpática, sorridente. Os pedestres começam a passar por ela sem percebê-la. É o único depoimento, o único testemunho do ocorrido. Quem se importa? Destes que passam, ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém fala.

Um casal passa, vê a coelhinha decepada, esquecida, largada. A pegam, cabeça numa mão, corpo noutro, admiram a expressão simpática, leve, o pequeno corpo de braços abertos, convidativos. Juntam as duas partes. Demoram um pouco para perceber que é uma coelhinha e não um coelhinho, quando percebem se afeiçoam mais ainda. Segurando com carinho a levam para casa. Uma boa lavada, alguns pontos aqui e ali, cabeça presa ao corpo, de volta a vida.

Rindo, num humor macabro, lembram que depois de guilhotinada a cabeça humana segue por um breve instante falando, piscando, se expressando, enquanto o sangue do corpo espira em jatos intermitentes, bate na lamina da guilhotina e morre na madeira até a próxima execução. O farto público que acompanha entusiasmado a execução só pode ver a cabeça rolando, quando vê, pelo menos até ser recolhida.

Execuções foram por séculos diversão para grande público. Acionada a lâmina, o som seco do corte, cabeça ao chão. Aguardavam breve momento e voltavam conversando para suas casas conversando, julgando. 
Execuções foram substituídas por cenas de histeria, patéticas.

A coelhinha decepada foi indiferente para os que passaram. 

O enchimento da coelhinha teve que ser retirado para um bom banho. Seca mais rápido. O tecido não desbotou. Secou, é levado à mesa e espalhado para ser remontado e costurado com cuidado e carinho.

- Será que esta geração mais nova sabe o que é destripar o mico?
- Se souberem, o que duvido, é coisa de antigamente, não devem falar porque é politicamente incorreto.
- Estás brincando? 
E riem.
- ... poeticamente incorreto...
E seguem cuidadosamente reconstruindo o brinquedo 
- Agora, não resta dúvida que até estas criancinhas de hoje na mais tenra idade já sabem como decepar uma cabeça. Os tempos são outros.

A coelhinha está remendada. Simpática, doce. Antes de ter seu destino tomado, vai ficar ali para ser acariciada.




terça-feira, 16 de setembro de 2025

Viver nas ruas e viver as ruas e a transformação das cidades

Em 1987 a revista Time aceitou que um dos seus jornalistas fosse viver nas ruas de NY por seis meses. Foi uma das matérias mais pesadas que li na vida. Ele teve tempo suficiente para não só entrar a fundo na realidade dos moradores de rua, mas também transformar se num deles. Cruzou o terrível inverno de NY vivendo como mendigo, sobrevivendo no calor das grelhas de exaustão de vapor, enturmando se em túneis de manutenção, em locais proibidos, dormindo de dia quando o sol esquentava um pouco, sofrendo presão da polícia e desprezo da população, comendo o que aparecia, pedindo esmolas, sem banhos, sem trocar a roupa. Mais, sem qualquer ajuda da revista, de seus companheiros de trabalho, amigos e da própria família. Mendigo, morador de rua, miserável como a materia demandava. Este foi o trato e foi cumprido. Mesmo com todas terríveis dificuldades passadas quando chegou o tempo de voltar para a vida 'normal' ele não quis sair das ruas. A Time teve um trabalho para conseguir trazê-lo de volta e reintegrá-lo a vida que ele tinha antes da experiência. Acho que encontrei a matéria - Slow decent into hell - mas estranho que nela não está o processo de retirada do repórter das ruas, que foi tão brutal quanto a sua experiência como mendigo.

Lembrei desta matéria do Time porque o Estadão colocou em suas memórias, que estão sendo publicadas na versão digital, a experiência da jornalista Rebeca Krischt que também foi Viver nas ruas, série especial do Estadão, vira livro nos 30 anos de sua publicação. Ela viveu nas rua por 7 dias aqui em São Paulo.

Há números oficiais e não oficiais sobre o número de moradores de rua na capital paulista, São Paulo. Variam de um pouco menos de 40 mil, que já é um absurdo, até algo em torno de quase 90 mil, o que é um escândalo, uma vergonha para todos.

Para mim ficou claro que tínhamos perdido a mão quando vi pela primeira vez, já faz décadas, um mendigo nissei. A comunidade japonesa sempre havia cuidado dos seus, nunca permitindo que alguém parasse nas ruas ou ficasse abandonado. Pouco tempo depois apareceu o primeiro homossexsual maltrapilho, comunidade que até ali também cuidava dos seus. Para mim foram marcantes até porque eu não estava errado: alguma coisa não boa estava a caminho. Está aí, berrando, para quem até não quiser ver.

O que dá para fazer? Não sou especialista, prefiro não opinar, mas digo que não dá mais para cair em soluções descontínuas ou mágicas. 
A busca de soluções eficientes e duradouras se faz reunindo todos agentes e interessados, olhando o passado, sabendo o que deu e o que não deu certo, juntando e estudando o máximo de informações possível, para só então partir para um planejamento de longo prazo que seja realista em todos sentidos. Vale para absolutamente tudo.

Sempre cito NY como referência de transformação de cidade, porque acompanhei o antes e o depois, e os resultados no geral são ótimos. Óbvio que o planejamento de longo prazo, décadas, foi bem sucedido. Transformou uma das cidades mais violentas dos EUA dos 82 assassinatos / 100 mil habitantes, (aceitável abaixo de 12/100 mil, OMS ONU), que estava a beira da falência, e a transformou numa cidade segura, financeiramente estável, que a cada dia é mais agradável para a maioria dos seus moradores e turistas. Turismo é importantíssimo tanto na economia quanto na venda da imagem da cidade para o mundo, ou seja, na estabilidade financeira da cidade. 
Tem contra ponto? Lógico que sim. Viver em NYC está cada dia mais caro, o que tem afastado os menos privilegiados para longe ou fora da cidade que sempre viveram. Enrequecimento, como tudo, tem seus prós e contras. Os efeitos colaterais preocupam não só as autoridades de NY, mas de todas as cidades que melhoraram sua qualidade de vida. Qualidade de vida para quem? Em que condições? Turismo traz dinheiro, mas a qual custo? Etc...

Vi uma palestra sobre o Tolerância Zero de NY na sede da Prefeitura de São Paulo, Edifício Matarazzo. Mostraram com detalhes o que custa para os cofres públicos e de toda população cada um dos pequenos crimes, até deslises sociais, como jogar bituca no chão, pixar uma parede ou mendigar. Mesmo antes desta palestra já tinha lido sobre o problema sério que os mendigos que ficavam sentados na escadaria da Catedral de St. Patrick estavam criando para as finanças da própria igreja. Aliás, desta e de todas outras. No caso, em vez de enxotá-los a cassetetes, fizeram reuniões com todos e explicaram que da forma como estava entrava cada dia menos pessoas, que por sua vez as doações estavam minguando, e sem as doações a igreja estava com dificuldades financeiras e não poderia continuar com seus trabalhos assistenciais, o que só pioraria a situação dos miseráveis. Funcionou.

No momento certo Janette Sadik-khan, com a cidade muito mais calma, menos violenta, começou a implantar mudanças nas ruas de NYC, tirando espaço dos automóveis e devolvendo espaço para transeuntes e ciclistas. Não foi só aumentar o espaço para os "não motorizados", como eram chamados na época, mas criar espaços de convivência, cadeiras, mesas, e outros, onde a população conseguisse sentar e fazer o que bem entendesse no meio da rua, leia-se espaço público.

Aqui, lembro que o centro de São Paulo está meio as moscas porque a população tem medo de ir lá, seja por medo de assalto, seja por medo dos moradores de rua, ou até para não ver miséria. 

Menos pessoas circulando, mais violência, é líquido e certo.
Menos pessoas circulando, menos dinheiro circulando, maior a miséria, também líquido e certo.

Por outro lado:
Mais dinheiro circulando, melhor para todos, incluindo os mais necessitados
Muito dinheiro circulando, sem o controle, sem uma política civilizatória, sem programas cidadãos, se transforma em um sério problema até para a classe média baixa. E aos poucos este problema se volta contra os que tem condições de bancar a vida na cidade 'rica'. 

Desajustados sociais foi, é e continuará sendo uma realidade inevitável. Para início de conversa faço a pergunta: Como definir desajustados sociais? A pergunta merece uma resposta realista, pricipalmente em nosso caso, Brasil. E para São Paulo, Município.

Moradores de rua, mendigos e pessoas com problemas mentais são considerados um sério problema para a maior parte dos paulistanos. "Incomodam demais". A questão sequer é pensada com o devido cuidado e atenção. "Tira eles da rua", como temos visto faz muito, definitivamente não resolve. É tão burro quanto o '
"prende quem usa ou tem drogas", o que obviamente nunca deu nem dá resultados, como os números provam. 

O que fazer então? Em todo planeta se provou que devolver os espaços públicos para a população, inclua aí ruas e avenidas, dá ótimos resultados. Quanto mais gente nas ruas, menos problemas com moradores de rua e miseráveis, isto sem higienização. Afastar, limpar, tirar, extinguir... os diferentes, empobrece, é líquido e certo. Não há dado que prove que higienização funcione, muito pelo contrário. Todos dados apontam para que quanto mais diversidade, mais riqueza em todos sentidos. Riqueza se constrói com a diversidade de pensamentos e formas de viver, ponto final. Quem duvida disto é porque não tem cultura, é chucro.

Distorções sociais se resolvem com programas realistas de longo prazo. Não há soluções fáceis, muito menos ideológicas ou religiosas. 




Estas fotos foram tiradas em Paris, onde quase apanhei de uma parisiense por estar fotografando um mendigo que dormia na escadaria de um edifío histórico. A mulher furiosa partiu para cima de mim e queria por todo custo que eu apagasse a foto. Tentei encontrar a foto, mas não consegui.
Negar uma situação não funciona, só aumenta o problema.


domingo, 14 de setembro de 2025

Número de ciclistas não acompanha os km de ciclovias

Este artigo apresenta percentuais, não números brutos. Quantos ciclistas a cidade tinha antes deste sistema cicloviário que vem sendo implantado e quantos temos hoje é sabido, pelo menos espero.
Em 2005 os números oficiais foram facilmente contestados porque os critérios adotados para a coleta davam muita margem a erros. Nada demais, números são números e nem sempre dizem a realidade. Hoje temos grupos organizados com é cultura, conhecimento e técnicas que evitam erros crassos, como aconteceu em 2005.

Fato é que não se pode pensar em cidade sem mobilidades ativas, o que inclui a bicicleta, ponto final. Mas...

Começo por uma pergunta que já fiz mil vezes: Que cidade você quer? O que você acha que deveria 
ser a função do sistema cicloviário perante o desenvolvimento urbano e social da cidade? Sem ter uma resposta para estas perguntas se vai continuar nesta política de estímulo que considero ser inconsistente. A cidade somos todos, não a vontade ou voluntarismo de uma parcela, qualquer que seja. Quanto mais todos melhor.

Por que o resultado não está sendo o esperado? Ou, qual o número de ciclistas que se esperava por kms implantados? Quantos ciclistas estão usando as ciclovias e quantos circulam fora delas? Em que o sistema cicloviário estimulou o uso da bicicleta fora do sistema cicloviário? Com os ciclistas que agora estão mais habituados com o trânsito, que critérios adotar para a segurança deles?

Qual o total de ciclistas na cidade? Para quantas bicicletas? Quantos ciclistas em dias úteis e nos fins de semana? Quantas bicicletas não saem das garagens e por que?

Os números oficiais são confiáveis? As pesquisas realizadas por entidades estão corretos? Não estou colocando em dúvida, estou lembrando que mesmo em pesquisa de alta qualidade há distorções. Mais, há metodologias para uma leitura e entendimento corretos que demandam conhecimento específico para obtenção de posições apropriadas. 

Creio que chegamos no momento de fazer uma avaliação do que foi realizado para estimular o uso da bicicleta.