sábado, 24 de março de 2018

Caminho da Fé: lindo turismo mal aproveitado


Razões para o turístico brasileiro ser o que é: quase zero.

Por onde começar? Por qual escadaria? Das igrejas? Não! Escadas de degraus que hospedam por estes belos caminhos. Uma num hotel, outra numa pousada. Quiseram fazer um hotel chiquérrimo(?), estilo neoclássico(?), com imponente escadaria e aí ficou boa parte do dinheiro. O anexo do hotel não teve arquiteto, não pode ter tido, se teve feche-se imediatamente a faculdade que deu o diploma. Obra de empreiteiro, se é que teve um. Para colocar a escada tiveram que cortar uma viga do teto logo nos primeiros degraus. No alto da bonita escadaria sobrou uma segunda coluna estrutural estreitando o caminho. Outra escada, esta numa pousada, dá a sensação que chamaram um pedreiro, ou alguém que delira ser um, mas que nunca tinha visto uma escada na vida. Em meia curva, cada degrau com um ângulo e uma medida, perfeitos para os serviços do ortopedista da cidade, e se não abaixar a cabeça acaba com um galo na testa ou, no meu caso que sou mais alto, sem os dentes. Bom negócio também para o dentista local. Divertido, mas divertido mesmo, é sentar na mesinha do térreo e ver os andarilhos que chegam exaustos, com pernas bambas, entrarem na pousada, pedirem uma cerveja bem gelada, com muita sede entornarem a loira rápido e ai subir para os quartos. O dono da pousada, muito gentil, sempre se oferece para levar as pesadas mochilas e ainda diz "cuidado com a cabeça". Bravo!

Viva o turismo brasileiro!
 

Lindo Caminho da Fé
Desta vez pousei em Casa Branca e descobri que a cidade tem um belo conjunto arquitetônico disperso, mas preservado. Nas duas vezes anteriores simplesmente passei pela cidade num andor pré-determinado para terminar o Caminho da Fé em tantos dias. Não havia e continua não havendo nenhuma indicação sobre o patrimônio histórico da cidade, que é bom e tem muita coisa bem preservada. Tem estação de trem na parte alta da cidade, o que foi uma surpresa. Trem, sim! A riqueza da região foi construída graças à estrada de ferro. Nenhuma informação. Casa Branca foi num passado uma das cidades mais importantes do Estado de São Paulo. Continua com índices bons. Nunca ouvi falar.

De noite tinha gente na rua, lanchonetes e sorveterias com mesinhas na rua. Me avisaram que ficaria um pouco mais agitado depois da missa. Fui até a igreja de teto e paredes decorados, todos pintados recentemente, e estava lotada. A bela praça central, em frente à igreja tinha meia dúzia de adolescentes ouvindo funk e fumando um no coreto. Os pais de algumas crianças pequenas corriam pareciam não se importar ou sentir-se impotentes. No entorno da praça nenhum local que se possa sentar em mesinhas e pedir um café, um lanche, jogar uma conversa fora. Há mesinhas na rua, mas longe da praça principal. Falta aprender com o melhor da experiência internacional. Praça central, principalmente quando bela como esta, deve ser usada como ponto de encontro de todos. Aquela meia dúzia de adolescentes fumando um e ouvindo funk não cheira nada bem. A experiência internacional mostra que em praça agitada o futuro é da paz, segurança, crescimento. 

Acordei cedo e fui dar uma última volta pela cidade. Vale realmente uma visita com mais tempo. Tenho que retornar. Subo pedalando para a estação de trem preocupado com a invasão de modernidade na rua principal. O povo de cidade pequena acha chique ter lojas modernas como as da cidade grande. O conceito de riqueza passa longe da preservação do patrimônio histórico, o que é uma pobreza. Muitas cidades lindas no passado se transformaram em nada, sim "nada". A pobreza de nossa modernidade não passa de nada, de um lugar sem futuro. Pobreza é falta de cultura, falta de história, falta de raiz, falta de sentido, é burrice.
Fui ansioso para Vargem Grande do Sul. O hotel é bom, a cidade tem boa comida, pequena padaria com café expresso. O restaurante Varanda, simples, mas muito bom. Infelizmente esta padaria vai fechar. Acabei descobrindo um pequeno café, uma espécie de mini pub, muito gostoso. Conheci o dono que me contou que tentou conseguir na prefeitura a instalação de mesinhas na vaga de estacionamento em frente. Olharam para ele como se fosse um louco. 

Desta vez não tive tempo para ficar em Águas da Prata, o que me deixou triste. Vez passada parei e fiquei no tradicional Grande Hotel Prata, com construção original de 1906, remete imediatamente a tempos áureos quando foi cassino e casa de shows; patrimônio histórico maravilhoso. O bolo de fubá saído do forno no café da manha é indescritível. Vizinho do hotel é possível fazer uma deliciosa caminhada por ruas calmas e ricas casas da mesma época, para depois voltar e sentar na varanda de pedra que circunda a frente do hotel e ficar vendo a calma vida local passar ou talvez lendo à sombra. Precisa mais? Dá a sensação de ser civilizado. Vem uma nostalgia do tempo, faz muito, em que acreditávamos que este país realmente tinha futuro, falava-se constantemente sobre futuro, acreditava-se piamente no futuro. Eles têm um maravilhoso balneário com projeto de arquitetura moderna contrasta com as velhas e pitorescas construções do entorno, mas está desativado há muito, completamente deteriorado. Como podemos jogar tanto dinheiro público no lixo? Logo em frente um parque linear acompanha o rio e a estrada de ferro. Ainda passa trem, mas só de carga. Felizmente a velha estação está bem preservada. Próximo a estação um imponente hotel do início do século XX com placa “em reforma” desgastada está caindo aos pedaços. O conjunto de construções de época alinhado que fazem frente para o parque e estação são preciosos, mas não sei por quanto tempo ficarão em pé.

A imagem negativa que tinha de Andradas se desfez pelo simples fato de ter me hospedado no pequeno Hotel Pastre, simpático, cordial, limpo; e não no Andradas Palace Hotel, velho, descuidado, impessoal, puído, desinteressado no hóspede. Desta vez tive bons olhos para a bela igreja, sua praça e algumas construções ainda conservadas. Deprimente os dois edifícios altos recém construídos no meio de Andradas, exemplo de prepotência, riqueza estúpida, prova cabal de nossa profunda ignorância geral.

Ouro Fino é de uma riqueza impressionante, as mostras estão por toda parte em construções de virada do século XIX para o XX, ecléticas e art deco. Sua igreja é rara, imponente. Está tudo disperso, mas está lá, basta caminhar e olhar com atenção. O povo não faz ideia desta riqueza e dá mais importância ao imenso monumento em homenagem à música "Menino da porteira" que está na estrada. Fazer o que? É o que temos. Tem uma boa pousada toda carinhosamente decorada, bom churros na praça da igreja, e um ótimo café expresso na rua principal, o Inverno D'Italia, que me marcou muito por causa do excelente atendimento. Aquelas meninas que servem podem trabalhar em qualquer lugar do mundo que serão elogiadas. Diga-se que cortesia é o que não falta em todas aquelas cidades de interior, mas o atendimento delas é primoroso. 

Inconfidentes, um pouco mais adiante de Ouro Fino, tem uma linda avenida central, larga e arborizada. Só passei, mas fiquei curioso com que vi. E quase no fim desta avenida, próximo a estrada, uma bicicletaria bem completa onde se pode ajustar, consertar ou comprar o que falta para o resto da viagem. Me surpreende como melhoraram as bicicletarias do interior.

Em Inconfidentes o céu fechou para valer, a coisa ficou preta, e tentei chegar seco em Borda da Mata pelo asfalto. Estrada mineira, um pouco melhor que o trecho de Andradas, mas mineira. Porque todas estradas deste país não são como as de São Paulo? Reclamam, reclamam, mas é inegável os benefícios de um pedágio bem cobrado. Não recomendo este trecho de asfalto para quem não tem experiência; tem bastante caminhão e acostamento precário. Quase escapo do toró. Pela terra do Caminho da Fé é muito mais bonito e calmo.

Borda da Mata é sem graça, uma cidade ligada a produção de peças íntimas e pijamas, bons por sinal. Reformaram e ligaram a fonte na praça central, que são simpáticas. A fonte ficou multicolorida, trocando continuamente de cores, coisa moderna. Quando sentei num banco da praça, de frente para a fonte multicolorida tendo a igreja ao fundo, dei conta que a imagem no alto da igreja também está multicolorida, também trocando as cores, quase em conjunto com a fonte. Acaba sendo gozado imaginar quando vai cair a ficha dos locais que aquele multicolorido faz uma interessante referência ao movimento GLBT. São mineiros, uns tradicionalistas, outros gozadores, vão falar, aposto que vai ter muito bate-boca acalorado; apaga, não apaga, vergonha, progresso... De novo, nada de mesinhas na rua. Pena.



Repeti mil vezes que o caminho de terra, o sobe e desce, tem uma paisagem linda, em alguns pontos maravilhosa. É comum mundo afora os mirantes têm uma espécie de mapa, um desenho reproduzindo a paisagem e indicando o que se está vendo. Poderiam repetir a experiência para ver no que dá. Hoje o único que o turista encontra no meio do caminho são uma espécie de cobertura como de ponto de ônibus com banco largados em dois topos de serra. Fiquei esperando, mas não passou nenhum. Estas paradas estão completamente empasteladas com adesivos dos que passaram por lá, muitos deles propagandas. Nada de mapa, nada de indicações, sequer um providencial lixo. Pelo caminho afora poderia ter pelo menos ter indicação sobre os locais com água potável.


Passei boa parte da viagem me perguntando como e o que fazer para melhorar toda estrutura do Caminho da Fé e fazê-lo convidativo para um público maior. Merece. Não tenho a resposta, estou longe dela. Sempre me lembro da recomendação que me foi feita em Piedade: "Se apresentar ideias pode ofender este povo". Como explicar para um dono de pousada orgulhosíssimo de seu imenso banheiro recém feito que naquele espaço ele poderia ter construído dois banheiros ótimos? Como dizer que aquelas janelinhas de aço que só abrem para uma nesga de luz são um desserviço para o negócio, que turista quer ver a vista? Como explicar para toda uma população das cidades que cada construção histórica que é colocada abaixo a cidade perde valor agregado? Como mostrar o básico do básico que dá certo no mundo todo?

Mais ainda, como explicar para a maioria dos romeiros e turistas que há uma diferença brutal entre simples e errado, entre qualidade e riqueza pobre.



Encontrei Camila, que trabalha na organização do Caminho da Fé, em Consolação. Ela disse que o ano passado, 2017, registraram-se mais de 8.000 peregrinos, mas não sabe ao certo quantos fizeram o caminho sem registro religioso ou por turismo. Ela acredita nuns 20%, mas acho pouco. Fiquei sabendo que até agora as autoridades oficiais de turismo de São Paulo e Minas Gerais fazem pouco caso do que já é fato. Só como termo de comparação, para o Caminho de Santiago de Compostela foram mais de 4.000 brasileiros. E o aeroporto de Compostela movimenta mais de 2 milhões de passageiros \ ano.

Precisamos de um plano para o turismo brasileiro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário