sábado, 2 de fevereiro de 2013

A bicicleta do WTB 2013


Se for comparada com as bicicletas vendidas no mercado brasileiro, a bicicleta distribuída neste World Bike Tour São Paulo de 2013 está acima da média da maioria das bicicletas baratas vendidas em supermercados, magazines e mesmo em bicicletarias de periferia. Começo este texto, ou relatório, desta forma por que o que vi e vou descrever pode parecer muito ruim, mas, dada a atual realidade brasileira, não é. É uma bicicleta cheia de pequenos problemas, alguns ridículos, outros, em menor quantidade, mais sérios. Diferente das barbaridades que são vendidas por ai, a WBT 2013 depois de um bom trabalho de realinhamento, ajustes e regulagens, funciona. É certo que algumas peças, pedal e aros em especial, terão que ser trocados em curto tempo.

Esta não é a primeira vez que faço um relatório sobre as bicicletas do WTB. Na primeira edição a bicicleta foi completamente desmontada para avaliação e feitura de relatório. Nas outras edições fiz uma avaliação informal com o objetivo de fazer as bicicletas funcionarem corretamente.




Primeira impressãoO primeiro contato com a bicicleta do WBT São Paulo 2013 foi o ginásio de esportes do USP São Paulo, onde os convidados foram recebidos. A única coisa que vi lá foi que a bicicleta é amarela. Só quando chegamos ao local de partida, na Ponte Estaiada, e recebemos as bicicletas comecei a ter uma noção clara do que ela realmente é.
Infelizmente, imediatamente deu para perceber que as bicicletas, muitas, a maioria, foram mal montadas, se é que se pode chamar aquilo de montada. Ao apertar os meus pedais, que estavam só encostados. Os dos cinco amigos também estavam praticamente soltos. Muitos pneus em volta estavam baixos e uns poucos completamente vazios e até furados. Mas o que chamou mesmo a atenção foi a quantidade de gancheiras traseiras desalinhadas, principalmente as de câmbio. Nunca vi nada igual.

Pedalando no passeio
Durante o trajeto de 11 km havia vários postos para encher os pneus e alguns para fazer manutenção. Isto é bom ou ruim? Será que uma bicicleta nova, recém entregue ao proprietário, precisa de várias “bicicletarias” no meio de um trajeto de só 11 km? Praticamente todos participantes completaram o trajeto e, por incrível que pareça, uma boa parte deles estava cansados e até uns poucos exaustos. Opa! Porque cansou? Boa parte dos leigos, incluindo muitos que trabalham no setor de bicicletas, vai dizer que o cansaço é responsabilidade do ciclista. Não só deles, com certeza. Quem conhece sabe a incrível diferença que faz pedalar uma bicicleta mal ou bem ajustada, com pneus vazios ou corretamente calibrados.

Antes de detalhar a bicicleta e tecer comentários, quero comentar o discurso de várias pessoas sobre a bicicleta entregue pelo World Bike Tour. Ouvi muito: “(Custou) R$ 250,00. O que quer mais?” – Desculpe, mas bicicleta é um veículo, portanto (pelo Código Nacional de Trânsito) tem que ser perfeitamente segura. Ademais está sujeita ao Código do Consumidor, portanto tem que ter qualidade e entregue em perfeita condição de uso, não importa o preço. Ponto final!

O problema maior foi a qualidade da montagem, digamos patética.




Relatório:

Bicicleta encontrada na largada; problemas mais comuns

·         pneus fora da calibragem – quantidade sensível / pneus furados - visíveis

·         pedais soltos – alguns ficaram pelo caminho

·         pedais trincados ou quebrados – poucos

·         bicicletas desreguladas ou com componentes soltos – a maioria

·         gancheira traseira / câmbio traseiro desalinhado  - muitas, muitas

·         câmbios completamente desregulados

·         selim solto

·         blocagem de selim (da Silvia) quebrou na minha mão

Foi reportado um princípio de briga num dos setores, o azul, se não me falha a memória, em razão de bicicletas fora de condição.



Vistoria e manutenção em casa (duas bicicletas completamente ajustadas) e alguns casos de socorro durante o passeio:
 
·         as duas gancheiras traseiras de baixa qualidade de estamparia, desalinhadas; melhor dizendo, tortas
 












·         a gancheira do câmbio provavelmente não está no dimensionamento padrão (Shimano) por que é praticamente impossível retirar a roda sem soltar completamente a porca direita.

·         rodas muito mal alinhadas, sem tensão correta nos raios. Uma das rodas traseiras trabalhadas (foram 3) estava tecnicamente solta, com a tensão só em poucos raios. Na mão de um ciclista comum provavelmente vão fechar, virar um oito, ao descer de uma guia ou passar em buraco. Todas as rodas estavam com tensão de raios mal distribuída, para não dizer mais nada.

·         aros de qualidade muito baixa, os piores que já vi. Espessura da parede muito fina, qualidade do alumínio usado muito frágil, emenda com muita rebarba e mal alinhada, furação de niples fora de centro, furação de válvula com uma inacreditável rebarba.
 












·         para simplificar: por causa de erro de centragem e fragilidade dos aros, muitos buracos de niples já estavam deformados para fora, demonstrando que estes aros vão para o lixo em breve.

·         é praticamente impossível centrar com a tensão correta ou o aro estoura

·         não se recomenda usar pneus de pressão acima da (baixa) 36 libras dos pneus Levorin ou o aro vai abrir

·         eixo de movimento central fora da medida correta. Os pedivelas estavam pelo menos a um centímetro para fora do correto. A corroa estava desalinhada duas marchas para fora. Havia eixo de movimento central montado na posição correta e invertido; a escolha do freguês

·         numa das bicicletas o parafuso de fixação do pedivela estourou... Tive que trocar por um eixo novo, que na mesma medida do original acomodou os pedivelas na posição correta. Provavelmente há um erro de usinagem dos eixos que vieram na WBT 2013

·         alinhamento das sapatas dos freios foi difícil por causa da qualidade; mas são em alumínio, muito melhores que os freios de aço de bicicletas da mesma faixa de preço

·         cabos usados tem plasticidade baixa – são quebradiços

·         falta de trava de segurança na gancheira do garfo – detalhe de segurança importantíssimo

·         câmbio dianteiro um pouco mole e bem chato de regular

·         pintura nas gancheiras muito frágil, quabradiça

·         só o câmbio traseiro é Shimano, o modelo mais básico, que funciona bem, mas a gancheira não ajuda em nada, mesmo quando alinhada.

·         esta formula, só câmbio traseiro Shimano, é uma prática não muito... Leigos pensam que a bicicleta é toda equipada com Shimano

·         campainhas frágeis / espelhinho (sempre) inútil

·         absurda falta de refletores nas rodas, desrespeitando a lei e mostrando desconhecimento da WBT sobre o que realmente importa para segurança do ciclista

·         os engates dos passadores são precisos, mas as manoplas são muito duras




qualidades

·         selim de boa qualidade, confortável (para quem é magro ou tem bacia estreita).

·         carrinho de selim dos melhores

·         refletor traseiro de ótima qualidade

·         bom guidão de alumínio, com boa curva



rodando 
·         primeira impressão é boa, “equilibrada”. A razão é simples: é uma bicicleta longa

·         os freios são suaves, não estancam a bicicleta, o que é perfeito para o público a que se destina. Poderiam frear um pouquinho mais, o que provavelmente vai acontecer com o desgaste e assentamento correto das sapatas ao aro.

·         os manetes de freio são curtos, dois dedos, que aceitam ajuste até para crianças, o que é raríssimo no Brasil. Gostei muito.

·         pneus Levorin de pressão máxima 36 libras, pesados, com cravos, não ajuda nenhuma bicicleta. Fica lento, um pouco pesado. Infelizmente perdem pressão mais rápido do que o recomendável. Mesmo assim é divertido pedalar

·         o sistema de câmbio "funciona". Provavelmente com o uso e acomodação dos cabos vai funcionar melhor (assim espero). A gancheira foi alinhada numa bicicletaria; estava bem fora. Mesmo com a gancheira alinhada o câmbio ainda está impreciso. É estranho, porque das cinco bicicletas que regulei só esta tem problemas para subir as 6ª, 5ª e 4ª marchas. Eu e o mecânico, Tiago, um dos melhores, não fazemos ideia do que está acontecendo
 
·         infelizmente a catraca (de rosca e 7 marchas) começou cedo a fazer barulhos. Apertei o anel de trava dos rolamentos, mas não resolveu completamente




Com boa dose de conhecimento e paciência a bicicleta deste WBT de São Paulo 2013 acaba funcionando relativamente bem. O funcionamento dela está na média das bicicletas básicas do mercado brasileiro. Conhecendo a qualidade das bicicletarias, infelizmente acredito que a maioria vai ter problemas com elas. Outros participantes vão gastar uma grana para fazê-las funcionar, o que não recomendo.

Ninguém sabe a origem desta bicicleta, mas é claro que foi montada às pressas e por profissionais pouco qualificados. Há uma série de detalhes, minúcias, que não fazem muito sentido.

Eu jamais teria utilizado aros tão ruins. Faz o problema das gancheiras tortas uma besteirinha, um simples descuido. Infelizmente o brasileiro tem triste hábito de achar normal receber uma bicicleta com aros tão ruins para depois troca-los por outros melhores. Isto gera lixo e é um crime.

Não consigo entender a opção pela geometria do quadro para o público geral. É uma 18 com uma frente muito longa, mais para 21 de competição. Também não consigo entender a opção pelo horrível avanço, meio quadrado e de acabamento feio. Ele tem 8 cm por 8 graus, ou seja um tanto demais esportivo.

Para o público do evento o ideal, a meu ver, seria uma bicicleta mais curta e com frente bem mais alta, própria para uso urbano. Encaixaria melhor com a proposta do próprio evento de estímulo do uso da bicicleta como transporte, aliás genial.

Final:
Estou me divertindo com elas. Troquei o avanço por um mais alto e achei uma posição urbana para mim. A questão é que tenho 1,85m. Quero ver como a maioria vai encontrar uma posição cômoda numa bicicleta tão longa; principalmente as mulheres e os baixinhos.

Infelizmente os adesivos desta bicicleta estão sob a proteção de um verniz. Vai demorar um tempo para os carteiros perceberem que eu não roubei a bicicleta.

Acredito na boa fé dos organizadores da World Bike Tour. Repito, eu e todo mundo do mercado tem curiosidade para saber a história desta bicicleta, que é estranha, mas divertida. O que não se pode é entregar qualquer bicicleta nesta condição.

Ops!
Esta no Diário Oficial da União que os organizadores do WBT foram recebidos pelo Ministro da Industria, atenção que o setor da bicicleta no Brasil estranhamente não recebe. Também causa muita estranheza o adesivo na forquilha traseira onde se lê “Lei de Incentivo ao Esporte”. Deve o Governo Federal, patrocinador através dos Correios, explicações.

 

4 comentários:

  1. Arturo, muito boa a sua análise para variar. Sugiro que mande este texto para os organizadores portugueses que parecem-me ser sérios. Agora falta descobrir a origem das bikes. Licitação, importação ou nacionais ? Não deve ser muito difícil de descobrir, porque o único senão no seu texto foi a "origem desconhecida" das bikes. Para alguém do ramo, voce tem que saber ! Abração

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  2. Luiz. Ninguém sabe. Me bateu a ideia que a bicicleta possa ter a mesma origem das bicicletas distribuidas gratuitamente para alunos acho que pelo Ministério da Educação. O que chama atenção é o selo "Lei de Incentivo ao Esporte".
    Outra coisa: os mecânicos com quem falei dizem que esta é a pior das WBT e que ainda vai dar muito problema; infelizmente

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  3. O que me surpreende e que ações envolvendo a bicicleta de tamanha relevância para a divulgação do seu uso não são mencionadas nos veículos de comunicação do País. Acredito que a essência do projeto passa longe da proposta apresentado hoje no Brasil. Lamento por isso, pois temos tanto para pedalar ainda!!!

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  4. E o capacete? E a "mochila"? Alguma informação?

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