quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

falar, repetir, repetir... sem eco

Passei pelo menos uns 20 anos batendo de frente com todo mundo aqui no Brasil porque sai afirmando que ciclovia não trás segurança total para o ciclista. Repetindo sempre o mesmo discurso: simples, não existe ciclovia sem cruzamentos e a maioria dos acidentes ocorre justamente nos cruzamentos. Isolar completamente o ciclista do trânsito motorizado, o que é absolutamente impossível, não é recomendável porque faz o ciclista invisível para o trânsito motorizado. O questionamento sobre a segurança de pedalar em ciclovia não para por ai.

No fim de uma de minhas palestras veio um holandês elogiar minhas críticas e fazer uma correção: “Você esqueceu uma coisa”. E fez uma breve pausa. “Acontecem muito acidentes (colisões) entre ciclistas que circulam na ciclovia”. Alguns acidentes entre ciclistas são mais graves que colisão contra um automóvel que esteja na mesma velocidade de uma bicicleta. Carros tem a frente projetada para reduzir ferimentos em pedestres e ciclistas, enquanto uma bicicleta é pontiaguda, o que machuca muito no caso de colisão, principalmente frontal.
O que propunha na época era a construção de um sistema cicloviário completo, que incluísse toda e qualquer opção que pudesse realmente dar segurança e conforto para o ciclista. O centro da ideia era tirar os ciclistas das vias e cruzamentos mais perigosos e fazê-los descobrir o bairro, as alternativas, os caminhos não motorizados, o prazer de pedalar numa dinâmica de espaço e tempo completamente diferente da sociedade do automóvel. Difícil!

Provavelmente a forma de meu discurso também atrapalhou. “Quem não se comunica se trumbica” já dizia Chacrinha, um dos melhores apresentadores da história da TV brasileira. Passar o recado completo e inequívoco é comunicar-se. O resto é soltar o verbo. Ser direto, claro e sem rodeios. Infelizmente não é exatamente meu estilo. Mesmo assim... dava para entender.
Enfim, mais de 30 anos repetindo a mesma coisa praticamente sem qualquer eco. Nunca houve grande novidade em minhas palavras. Eram fáceis de comprovar. Eu simplesmente li textos e documentos internacionais, pensei um pouco e fiz algumas adaptações baseadas na cultura brasileira. Mesmo que minha comunicação tenha sido errada, o que espanta é falta de curiosidade em ir atrás de uma informação diferente da corrente. O pior foi e continua sendo a relação com a imprensa, que tem por princípio ético e moral a obrigação de investigar e não o faz, não cruza informação, não lê, não busca novas fontes, não é capaz de pensar horizontal.

Estou escrevendo estas linhas porque depois de mais 30 anos de interação com a imprensa pela primeira vez um jornalista, Carlos do Valle, do Jornal da Tarde, (O Estado de São Paulo, C8 | Cidades/Metropole | Domingo, 08 de Outubro de 2012 – O Estado de São Paulo Caio do Valle – JORNAL DA TARDE (link no final do texto)) agradeceu os comentários e críticas que fiz a sua matéria, mostrando interesse em pontos de vista novos. Senhores, mais de 30 anos para isto acontecer. Confesso que tive um dos maiores acessos de choro de minha vida, não sei bem se de alegria ou de depressão pela surdez geral brasileira. Definitivamente não sou dono da verdade, que o tempo faz camaleoa. Mas adoraria deixar de ouvir que somos o país do futuro – que nunca chega.

Pedalando na ciclovia Faria Lima me sinto feliz. Mudou tudo; a cidade, o número de pessoas nas ruas, a quantidade de carros e bicicletas circulando. As ciclovias de canteiro central, contra as quais lutei, hoje são uma boa opção, até mesmo por que praticamente não há outra. Só espero que os ciclistas se deem conta que para ter a ciclovia ali boa parte do verde da avenida desapareceu. Eu preferia o verde. Há outras alternativas. Espero também que não se caia na mesma barbárie da decadente sociedade do automóvel que para abrir novos caminhos passaram por cima da razão e bom senso. Bicicletas devem construir uma cidade nova, não seguir as trilhas dos pneus da devastação. Para que isto não aconteça é necessário ter a mente aberta. Nem burro gosta de tapa olho e cabresto.


2 comentários:

  1. Arturo, o que você repete há 30 anos é o que em mim é intrínseco!!! Não é uma questão de "eco", mas de cumplicidade e compartilhamento de ideias e conceitos: se todos se respeitarem, não há necessidade de SEGREGAÇÃO, compartilhar vias é ser educado, gentil, responsável e cidadão. Tenho 45 anos, aprendi a andar de bicicleta com minha mãe (uma das mais lindas memórias que tenho) ao 3 anos e sempre andei pelas ruas. Sofri um acidente de bicicleta pela 1ª vez o ano passado...adivinha aonde? Pois é fui atropelado por um pedestre na ciclovia da Zona Leste. Bem, aí já é outra história...Abçs e obgdo pelo Blog. Neto.

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  2. Antonio. Espero que estaja bem e de volta aos pedais

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