Do Código Civil:
Artigo 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a alguém, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo. Parágrafo único: haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.
Este é o início de um texto que nunca terminei. Não sei
bem porque, mas também há tantas razões que não vale mais a pena pensar.
Infelizmente este país está uma baderna completa que pensar em leis virou tema
secundário. A nossa questão é de foro íntimo, é um problema de caráter. O vale
tudo está escancarado e valendo tudo mais que nunca. Liberou geral. Exagero? Vide
a história do CNJ que está estampada em todas primeiras páginas de jornais.
O original começou a ser escrito dia 24 de Fevereiro
de 2010, foi aberto um montão de vezes para ser terminado e publicado e toda
vez eu parei na leitura dos dois artigos acima, 186 e 927, brochei, fechei e
tratei de esquecer para não enlouquecer. Posso bem imaginar o que fosse a idéia
original, provavelmente ter ouvido mais uma história sobre ciclista chutando um
carro que foi considerado agressor contra os direitos dos ciclistas, portanto
da humanidade, mais especificamente o direito individualíssimo do ciclista
ofendido. Nosso trânsito é assim. Roberto da Matta, brilhante antropólogo, numa
entrevista no Jornal da Cultura disse algo como “trânsito é o melhor espelho da
sociedade”. Estamos fodidos!
O que interessa ao brasileiro é o “meu direito”. “Pouca
farinha, meu pirão primeiro”, diz o ex conselheiro do CNJ, Ives Gandra Filho,
em entrevista para O Estado de São Paulo, em “Lobby de juízes impediu CNJ de
pôr fim a farra das verbas milionárias”(Domingo, 15 de Janeiro de 2012; pg A12,
Nacional). O meu começa no topo da pirâmide e termina no país dos coitadinhos
do chão dos abandonados. Incluo ciclistas, inexistentes para os números
oficiais do país (IBGE) desde 1981.
Mesmo o fato de não existir oficialmente não dá o direito
de exigir nossa estrita parte do pirão primeiro. Mas é o que mais acontece. E
nunca antes neste país aconteceu tanto porque o paizão liberou geral. Coitadinhos
- todos. Não, não, não, como disse o paizão ‘os de olhos azuis e loiros’ não
estão incluídos. Estranha frase para um pernambucano, estado onde boa parte da
população, melhor dizendo - do povão, tem olhos claros e não raro cabelo pixaim
e loiro, restos de uma colonização holandesa. Estes, segundo o paizão, também
estão excluídos.
Olho para trás e vejo o que aconteceu com a revolução da bicicleta no
Brasil foi mais um desperdício de oportunidade.
O uso da bicicleta constrói uma nova realidade, mais humana, integrada,
pacífica, livre, sustentável. Já acontecia Brasil afora em localidades mais de
topografia mais plana e transporte de massa deficiente, fato comum. O que aconteceu e ainda está acontecendo, fim
das contas, não passa da novidade e aceitação deste veículo pela classe média,
acompanhada por “é legal” da propaganda, e um “é perigoso” da realidade. A
bicicleta é perigosa, ou qualquer veículo mal conduzido é perigoso? A velha
classe média, muito vaidosa, individualista, feliz de sua parte do pirão, quer
pedalar com pleno direito, mas sem perder seu pleno direito ao uso do carro.
Coitadinhos! Como sentir-se-ão quando lhe chutam o espelhinho porque o motociclista
/ ciclista veio de ângulo sego ou estava atrapalhando o direito de ir? Quem
chutou antes, o ovo ou a galinha?
A baderna está instaurada. Leis valem pouco porque não
são feitas para leigos, mas para quem com elas sabe tratar. Respeitar as leis
de trânsito, que seria um ótimo treino para entender como funcionam as leis, a ordem,
a comunidade real, ainda não faz parte de nossa pauta. Estamos longe disto.
Muito longe disto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário