Dá para separar as coisas, colocando cada fator em seu lugar, isolado do resto que o cerca, que o gerou, que lhe dá presença, vida? Não creio. Tudo está interligado entre si, mesmo as coisas mais desconexas. Holístico? Acredito que sim, pelo menos não consigo pensar diferente.
Andei tomando umas broncas, bem dadas e pertinentes, sobre o que andei escrevendo neste blog; que está diretamente ligado à Escola de Bicicleta, portanto a questões pertinentes à bicicleta. Não é primeira vez que isto me acontece - esticar a corda além dos limites do que parece sensato. O que é sensato? Bicicleta e suas relações mais diretas é o sensato? Além é fio da navalha. Foi por esta razão que acabou minha coluna no Suplemento de Turismo do jornal O Estado de São Paulo, lá nos idos de 1987. Não sei exatamente sobre o que escrevi então, se não me falha a memória foi sobre a questão da qualidade das bicicletas, que então era entendido como fora do tema “turismo e bicicletas”. Depende..., mas... O fato, ir além, se repetiu em outros veículos, o último deles a Rádio Eldorado. “Trânsito, Arturo, trânsito!”, viviam me dizendo nesta segunda passagem por lá. Parecia que o trânsito não tem nada a ver com a vida da cidade, com o que acontece nas padarias...
Contestar faz parte de minha alma, meu sangue, meus ossos. Sonho de procurar sempre dias melhores ou burrice? Dizem que burro é muito mais inteligente que cavalo. Ponto para mim? “Que asno!” alguns devem estar pensando. Certamente! Onde está meu pasto?
Como se constrói um sonho? Vertical ou horizontal? Vertical é centrado em si próprio, no próprio ego. Horizontal é coletivo, holístico. Como você vê esta questão? Eu adoraria ter um sonho tipo “Tron”, completamente cartesiano, mas meus sonhos são holísticos. (Enquanto escrevo estas linhas ouço “The Long and Winding Road” dos Beatles, complementar, irônico, quase cômico, mas sem dúvida apropriado. Por ironia, o revisor do Word passou a revisar o texto em inglês e tudo está grifado em vermelho.)
Uma das janelas abertas em meu computador é um vídeo que conta a história de como e porque a Holanda construiu seu sistema cicloviário. Dêem uma olhada em http://www.youtube.com/watch?v=XuBdf9jYj7o&feature=email . Serve para justificar este meu azedume recente, que não tem sua causa somente nas mortes estúpidas do dia a dia. Comecei a desmoronar para valer depois de mais uma horrível experiência com o poder público. Não é só o fato de praticamente todo trabalho mais uma vez acabar engavetado, mas todo o processo, os desejos e sonhos implicados, o sem sentido geral e tão freqüente, a construção de algo que sabidamente não teria como dar certo, o futuro rasgado, o dinheiro público gasto de uma forma tão ineficiente. Foi uma aula magna do Brasil que estamos vivendo. Posso afirmar que é deprimente, literalmente deprimente. Hoje tenho praticamente certeza que este país não vai dar certo porque a quantidade de problemas sem qualquer esperança de solução é absurdo. O momento que estamos passando é como aquele cara que zera a poupança e gasta tudo rapidamente e de maneira irresponsável, e ainda oferece um churrasquinho no fim de semana para comemorar com a futura família falida e os amigos credores. Todo mundo acha ótimo, dá risada, volta de barriga cheia para casa e acha que está tudo indo muito bem obrigado. Não vai dar certo. E ninguém faz nada. E ai alguém me manda este vídeo sobre o processo de reorientação de um país chamado Holanda, que é minha referência, não pelas bicicletas, mas pelo que aprenderam trabalhando e respeitando as águas. Para o holandês a vida é simples: ou você faz o correto, que não é nem mais nem menos, ou morre afogado. Poderia servir de exemplo para alguns de nós que estamos neste barco.
Horizontal ou vertical? Infelizmente minha forma de pensar sempre viaja, portanto não é vertical. Tenho grande dificuldade com o vertical. Também não é horizontal. Sonhos não são bidimensionais, cartesianos. Briguei muito para vender a idéia que não só de ciclovias se faz um sistema cicloviário, que quem pensa na bicicleta precisa entender que a qualidade da bicicleta é ponto vital, que no trânsito existe um histórico psico-social-neurológico que faz muita diferença de uma localidade para outra; que tem que ensinar ciclista a jogar o jogo do trânsito e não fugir dele, que cortesia é mais segura, que a quase totalidade dos motoristas quer chegar em casa sem matar um... Este é o vertical ou horizontal da questão da bicicleta? Não sei, confesso que não sei, juro que não sei, que não tenho capacidade de chegar a uma conclusão.
A experiência que tive nestes últimos anos me diz que ou se trabalha tudo junto, de maneira holística, ou não vamos chegar a um resultado adequado. O sistema maior, o macro, está tão desbalanceado que precisa ser pensado e trabalhado em cada uma de suas pontas com um olho no todo, no tudo. Também por ironia do destino saiu este texto http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-improviso-resume-a-historia-da-cidade-,789139,0.htm no Estadão, que me ajuda a sustentar meus pontos de vista.
Como qualquer um de vocês eu tenho um sonho: que um dia este país tenha equilíbrio social, paz, presente e futuro; que isto não seja esta baderna sangrenta, cheia de desmandos e políticos que cada dia parecem piores, a beira de traidores do pais. E eu revivo um pesadelo: uma população que acredita num discurso populista que dá esmolas, carros baratos que destroem nossas cidades, linha branca para ver uma Copa do Mundo de Futebol que nos vai empobrecer a todos e atrasar projetos de saneamento e educação cruciais para o povo não continuar escravizado pelo analfabetismo. Eu continuo tendo um sonho que a bicicleta pode ajudar muito na viagem para a construção do bem. Eu vou continuar sonhando, viajando na maionese, e tomando broncas. E agradecendo as broncas, que o que me dá referências que, como já disse, sou incapaz de entender bem.