A musculatura esfriou, a dor ficou bem pesada, mas não apareceu nenhum derrame, nem uma restrição acentuada de movimentos. Bom sinal. A primeira noite de sono foi típica: muita dor, acordando à menor movimentação na cama, mal dormida. Mas, confesso, esta mesma dor intensa me fez dar muita risada de minhas molecagens passadas que não raro terminavam mais ou menos da mesma forma. Molecagens ou burrices. E senti muita saudade de minha santa mãe; muita saudade. Que paciência dona Lollia teve com este filho!
Uma destas aconteceu quando voltava de madrugada para casa pedalando depois de uma noite de amores. Vinha fazendo zig-zags, feliz da vida, quando a roda dianteira simplesmente fechou. Sai voando por cima do guidão e raspei todo meu lado esquerdo no asfalto. Chegando em casa, ainda com todos dormindo, fui para o banho, passei escovinha em toda perna, tronco e braço arranhado, e fui deitar nu. Acordei com o lençol colado no corpo. Enrolei-me no lençol como um sacerdote indiano, abri a porta e dei de cara com minha santa mãe. “O que é isto? O que você está fazendo enrolado no lençol?” Contei e fui para o chuveiro descolar meu corpo. Passar a escova em arranhão é uma dor momentânea, mas não menos difícil de administrar. A dor de ver o desespero de minha mãe foi mais complicada ainda.
Um dia, com ela ainda viva, fiz uma contagem para saber quantas vezes até então havia sido imobilizado: 18! O pior foi fechar o calculo de quantos dias de minha vida fiquei inativo, um total absurdo. Parte desta vida acidentada se deve a minha diabete, mas não justifica tudo. Querer conseguir resultados a qualquer custo, uma burrice sem tamanho, foi causa mais freqüente. Hoje não dá mais. A velhice traz consigo sabedoria, o saber que a recuperação vai ser cada vez mais longa. Com a idade, principalmente depois dos 50, as seqüelas de um erro fazem que o corpo desça degraus cada vez mais altos. Meu pai diz que depois dos 50 se você acordar sem dor é porque está morto. Bem verdade!
Eu olho para trás mais uma vez e tenho a mais absoluta certeza que faltou “educação física”, literalmente. Sou de uma época que educação física era praticada na escola em duas aulas por semana e que não passava de uma seqüência de exercícios comandados por um professor – um dois, um dois,um dois, agacha, levanta, agacha, levanta; seguida de alguma prática esportiva, normalmente futebol, vôlei ou basquete. Os ruins ficavam na reserva, o que era meu caso. Naquela época até mesmo os treinadores profissionais pouco sabiam sobre o que poderia ser educação física, como aprender a usar o corpo da melhor maneira possível, como saber quais são os limites e quais as técnicas adequadas para chegar aos resultados desejados. Era tudo uma variação do um dois, repete, repete, repete... Hoje há um profundo conhecimento sobre o corpo, seus movimentos e suas capacidades; mas parece que a geração das academias e dos “personais” passou do não saber nada do passado para o acreditar que sabe tudo. O número de pessoas machucadas em treinamento que o diga. No ciclismo então é bom nem falar.
O ideal é alcançar um ponto de equilíbrio da saúde, do bem estar, do rendimento e principalmente do não se machucar. Poucos são os educadores que de fato buscam encontrar o equilíbrio sadio do indivíduo. Sentir dor faz parte deste processo, mas precisa saber quais são as dores sadias, não lesivas, o que é um passo além porque envolve tanto experiências físicas como psicológicas. Tem muita gente que acha lindo se arrebentar. Em alguns meios sociais, lesão é sinal que o cara está dando tudo de si, de tentar se superar. Quanta besteira! Nossos dias podem ser resumidos numa propaganda que promete “Fazer você perder 30 kg em 30 dias e ainda ficar com barriga tanquinho”. É o que se espera do personal e é o que eles procuram entregar – custe o que custar.
Por causa da diabete aprendi a lidar com a dor e não raro contorná-la. Algumas vezes passei muito longe do bom senso e limite. Numa prova de mountain bike, há uns 15 anos, pincei a ciática, o que paralisou completamente minha respiração por uns 2 minutos. Controlei a situação com a bicicleta em movimento. Transferi toda minha sustentação da lombar para a musculatura frontal e assim que voltei a respirar segui em frente e terminei a prova. Contei esta história com grande orgulho para meu médico e amigo Bettarello, que ficou realmente furioso. “Você não faz idéia da irresponsabilidade que cometeu. Você poderia ter ficado paralítico!”. Ou correr a São Silvestre com duas costelas quebradas, o que também não é nada recomendável.
Não se educa sobre o que é dor e sobre suas variações. Talvez não interesse. Para a maioria vale aquela propaganda: “Ao menor sintoma (de dor) tome...” Pelo outro lado há a venda de um heroísmo tanto fantasioso como estúpido que a maioria compra como sendo o máximo. Heróis de verdade não sentem dor, ou se sentem passam por cima dela para chegar a eterna vitória sobre o mal. É nossa famosa sociedade bipolar variando de um extremo ao outro e esquecendo que somos todos humanos. Dor faz parte da vida.
A medicina chinesa estuda as dores há mais de 4.000 anos. Para a medicina moderna, ocidental, dor é dor e tem que ser automaticamente combatida. Mascarar a dor com remédios pode ser cômodo, mas também pode ser uma ação perigosa para o encontro do equilíbrio.
O que aconteceu comigo foi um acidente. Mesmo me fazendo lembrar algumas passagens da vida confesso que uma semana sentindo dor e dormindo mal é muito ruim, dispensável. Não dá para parar de pedalar e assim tentar zerar a possibilidade de outro acidente. Riscos fazem parte da vida.
Querido amigo Arturo; e TE; SINTO MUITO PELO SEU COLEGA CICLISTA Q FALECEU NA AV. SUMARE--ESPERO Q VOCE ESTEJA C SENTINDO MELHOR DO SEU OMBRO; SUA MAE ERA UM BARATO E Q ESSE FILHO DA PUTA Q TE ROUBOU Q VA PRO MEIO DO INFERNO. BEIJUS DA SUA AMIGA ANONIMA MIRIAM; MANDA MEU BEIJU PRA TE.
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