Toda esta história está um tanto distante e o que conto aqui já não passa de uma ficção baseada na realidade.
Um dia estávamos numa reunião e veio a notícia que o Sub-Prefeito de Parelheiros havia cansado de tentar resolver a questão das bicicletas e decidido que faria uma ciclovia com ou sem a CET (SP). A notícia caiu feito uma bomba porque aquela era uma vontade que a cada dia se agigantava em cada coração. Até então, 2006, praticamente todos os projetos relacionados à bicicleta e seu uso em São Paulo - ciclovias, ciclofaixas, ruas de lazer, passeios e outros - haviam morrido dentro da CET. A justificativa era sempre mais ou menos a mesma, que mesmo não lembrando mais exatamente as palavras, é algo como “é necessário ver muito bem a segurança do ciclista”...; e a partir daí não se fazia mais nada. Confessado entre paredes a razão para a falta de ação sempre foi o medo que se fizessem algo eles, a CET, seria responsável por qualquer problema; o que hoje sei que é uma tremenda balela. Morrem uns 750 pedestres/ano na capital paulista e, infelizmente, desconheço quem tenha entrado na justiça contra a CET. É fácil provar besteiras e inépcias deles. Aliás, todo mundo erra, somos humanos, inclusive eles. A diferença é que eles se dão o direito à omissão de responsabilidade e ninguém faz nada. Governantes, servidores, vereadores e a população simplesmente se calam; vergonhosamente. Vergonhosamente por que o silencio vem da ignorância de todos, inclusive e principalmente dos ditos educados, aqueles que deveriam dar exemplo.
O mesmo discurso vem se repetindo a décadas. Quantos projetos perdidos, esquecidos, jogados no lixo. Quantos! Vocês não imaginam quantos.
A curta ciclovia de Parelheiros foi logo concluída e entregue à população e não demorou muito para começarem os acidentes. Lembro de ter ouvido que um ciclista acabou morrendo. A CET foi chamada para dar jeito e furiosa não poupou críticas à forma como fora realizado. Foram lá e sinalizaram. Então começava uma discussão interna sobre a atitude do Sub-Prefeito, com boa parte dos ciclistas, vereadores, funcionários públicos e até mesmo uns tantos de primeiro escalão, oferecendo brindes, “urras!!!!!” e apoio à ousadia; e outros dizendo que aquela não era a forma de resolver, que tudo tem seu tempo, que a CET sabe o que faz, e que uma hora esta mesma CET aprenderia como lidar com a questão da bicicleta e os processos seriam mais lógicos, fáceis, rápidos.
Hoje, nos mesmos corredores, cada dia menos gente dá seu apoio à CET e cada dia mais se ouve quem prefere mandar que as coisas sejam realizadas da mesma forma que se fez em Parelheiros. Ou não sai do papel. Muito tem sido feito nesta base, o que também é um erro. Quem manda no trânsito é a CET, isto é lei federal e este poder não se deve tirar do órgão responsável pelo trânsito – até que alguém encontre uma saída e decida mudar a lei de responsabilidade técnica. Fazer trabalhos em paralelo é sempre um erro; um dos principais entraves do progresso deste país. No caso da CET é um jogo de poder, quando não de vaidades, o que na coisa pública é ridículo.
A meu ver o que está errado é a CET continuar com uma visão sobre vida na cidade, trânsito e mobilidade anacrônica, cada dia menos apropriada e até mesmo honesta para todos, incluindo eles próprios. É lógico que há uma pressão social muito forte para que eles mantenham o “status quo”, que deve ser levado em conta. O paulistano, aliás, o brasileiro quer brincar de “bibi-fonfom” com seus carrinhos dados pela política populista e absolutamente irresponsável de equilíbrio da economia via diminuição de impostos. Acredito que a CET está se encurralando porque se recusa a ver a nova cidade e a montar um setor que realmente atenda às demandas de pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência, o que é dever legal. Eles são sim responsáveis pelo trânsito de todos, não só motorizados. O que eles têm hoje para “não motorizados” é bem definido pelos números de acidentes fatais divulgados pela própria CET e que provam, sem sobra de dúvida, que eles só são “amigos” do fluxo de veículos motorizados. O resto que se dane.
O Estado de São Paulo, 29 de Março de 2011 / Cidades / Metrópole / C7
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