Por causa de um corte profundo em minha mão direita tive que ficar com ela imobilizada por uns 10 dias. A única solução foi começar a realizar com a canhota operações banais do dia a dia destro, como passar manteiga no pão, escovar os dentes, fazer a barba sem arrancar pedaços, acertar a chave na fechadura e girá-la, escrever, todas estas coisas bestas que simplesmente realizamos. Sem outra saída me coloquei a treinar para ser temporariamente canhoto. “É mole”. Definitivamente não. Trocou a mão dançou!
Só por brincadeira tente escrever seu próprio nome com mão trocada. Para a imensa maioria não sai nada além de garranchos ininteligíveis. Num grande almoço de família o pessoal começou com esta brincadeira competindo para ver quem escrevia um texto simples. Rimos muito de nossa própria incapacidade. Os que conseguiram deixar seu recado relativamente legível e alinhado se fizeram de reis. Fineza na coordenação motora é historicamente mérito social.
Para mim a experiência acabou se transformando em bem mais que uma brincadeira ou necessidade passageira. Começou como um simples ato de superação; tornou-se uma redescoberta, de revisão de quem fui e sou, uma viajem mágica na memória de minha própria infância que não imaginava mais poder fazer. Sou destro, mas sempre me entendi bem com os canhotos. Gosto de gente diferenciada, dos especiais. Canhoto é deferente não só pelo fato do fazer canhoto, mas porque cedo percebem que nasceram diferente, o que os induz a pensar e agir um pouco diferente, a buscar resultado no diferencial. o que os torna não mediano. A maioria dos que conheci tornou-se, de alguma forma, eficiente perante a vida.
Escrever ao contrário! Não deixa de ser isto porque o que você vai escrevendo acaba sendo escondido pela própria mão. Difícil! Que Até que minha letra saísse legível foi um bom tempo, esforço, paciência, dor na musculatura da mão, braço e principalmente ombro. Descobre-se muito sobre o próprio corpo. Parece ridículo, mas qualquer mudança na posição no funcionamento normal do corpo a coisa pode ficar bem complicada, até impossível. Pelo menos enquanto não se reaprende. É preciso muito treinamento para que haja fluidez do lápis ou caneta. É preciso acamar para não tratar a coisa na porrada, na força bruta. Não é como com a direita que em praticamente qualquer local, situação, ângulo ou superfície a coordenação motora é a mesma. Só um lado do corpo sabe trabalhar. O outro serve meio que de apoio, quando tanto.
Depois de uns dias de puros garranchos comecei a conseguir ter uma mão mais leve, e assim caprichar nas curvas, nas voltinhas, nos espaços, alinhamento. Acabei me sentindo como se houvesse voltado ao jardim da infância. Fui remetido para minha primeira chegada no jardim de infância, a sala de aula, o alfabeto com letras e figurinhas correspondentes às letras que ficava pendurada na parede, o giz branco na lousa verde escura com o “b - a, ba”, as primeiras aulas de caligrafia, a mão da professora segurando levemente a minha para ajudar nas formas, a minha inveja que sentia dos meninos e meninas que já tinham letra caprichadinha, que mereciam da professora “Muito bem! nota 100.” Um ano depois foi com grande emoção quando ganhei minha primeira caneta tinteiro, logicamente acompanhado de um tinteiro e uma aula sobre como carregar a caneta com a tinta sem borrar tudo em volta. E, não poderia faltar, um lindo mata borrão, coisa que vocês mais novos não fazem idéia do que seja e vou deixá-los na curiosidade. Posso dizer que funcionava maravilhosamente. Lembrei até de Madame Germain, a professora de francês que, anos mais trade, já no primeiro primário, ainda ensinava usando palmatória com uma régua de madeira. Quem errasse a pronúncia tinha que esticar a mão aberta para frente e tomava uma reguada dada com força, seguida da famosa bronca “Atencion!!”. A velhinha era apavorante - para a época. Mesmo depois de muitas notas baixas para caligrafia infelizmente minha letra continuou feia e seguiu até eu cortar fundo a mão. Santo corte!
É muito difícil controlar a mão, os movimentos, aprimorar as pernas do “p”, “q”, “b”. “g” é muito mais fácil porque é aberto. Fazer um “i” bem feito é complicado. Puxar a vogal depois de um “v” como em “polvo”, “válvula” e outros é um trabalho delicado, daqueles que, quando criança, colocamos a língua para fora e fazemos careta. O pior talvez seja “m” e “n” com as corcovas arredondadas e suas perninhas, não muito diferente de um “u” é coisa que só vem com o tempo. O “w” nem te conto. Gostaria muito de ter contado com uma professorinha, um caderno de caligrafia daqueles de três linhas, de ter recebido nota pela lição. Já venho a tempo querendo voltar a estudar e esta história só me deu mais coceira.
Depois de muito treino minha letra, mesmo sem perfeição, leveza e fluidez de movimentos, já tinha um forma relativamente bem definida, agradável, já exibia um compasso alinhado e uma lenta fluidez. Mais importante que isto: minha canhota se tornara mais legível que aquela letra que estragou tantos cadernos e papeis. Tenho ainda um longo caminho a percorrer e talvez nunca chegue a ter “letra de colégio de freira”, como dizíamos “no tempo da onça” sobre quem tem uma letra que se lê como se houve uma boa e suave música clássica. Escrever letras, palavras, frases, textos indubitável e maravilhosamente legíveis e agradáveis. Maravilha! Minha inveja da letra de colégio de freira não irá morrer e ser enterrada, mas sem sobra de dúvida agora ficará calminha num canto que não mais me incomodará.
Talvez uma das coisas que mais me tenham envergonhado na vida foi minha própria letra. Sempre foi indisciplinada, disforme, e não raro pouco legível. Eu até que me esforcei, de maneira errada e por praticamente toda a vida, para fazer daqueles garranchos algo artístico, alegre, simpático, agradável aos olhos, mas não houve jeito. O que nasceu para disforme sem boa forma e desagradável viverá. “Aquilo” jamais se tornaria algo agradável, legível, e jamais teria valor como desenho propriamente dito. Coisa ruim, proposta errada, de uma pretensão estúpida, grosseira. Ninguém se comunica com pretensão e sem respeitar boas regras. Comunicar-se bem depende de ter qualidade em seus gestos e ações. Uma boa letra, escrita de forma cuidadosa é meio caminho andado. O que será escrito é outro problema, depende somente da inteligência.
O bacana deste processo é que minha mão direita assimilou o aprendizado canhoto. Minha letra destra hoje me é agradável, o que me dá um imenso prazer. Gosto de pegar uma caneta e desenhar cuidadosamente cada letra, cada espaço, cada pingo nos “is”. O caderno no qual este texto foi escrito originalmente data de 1960 e até hoje nunca se acabou. É uma ótima medida da vergonha que sentia. Tem umas poucas páginas escritas com a velha e horrível letra. Agora voltou a me acompanhar e quando me dou conta estou desenhando textos.
Perdi a conta de quantas vezes quebrei ou lesei um músculo ou articulação. Agradeço a santa paciência de minha mãe e tias. E agradeço também a estas imobilizações a descoberta do lado esquerdo do meu próprio corpo. A primeira tentativa, relativamente bem sucedida, foi no futebol. Comecei a conseguir fazer alguns passes corretos, muito desengonçados, tristes de se ver, ótimo para os amigos rirem, mas bem funcionais. Quando me separei minha mãe me recomendou que fosse fazer dança. Até hoje sinto pena de Monica, santa professora. Foi ai que descobri o quanto minha coordenação motora era mal trabalhada. Dança-se na frente do espelho e ai não há como escapar de ver o quão travados somos, quão pouco nos conhecemos, nos usamos, nos aproveitamos. Trabalhar o corpo é encontrar a liberdade. Primeiro com a leitura, mais tarde com o mountain bike e com o contato com técnicos e ciclistas pró, confirmei que o caminho para uma pilotagem ou mesmo condução de uma bicicleta no trânsito passam pelo caminho estreito de disciplinar a coordenação motora. Desde a escolinha de pilotagem de kart do Waltinho Travaglini, que fiz aos 18 anos, a questão da disciplina me foi regra. Relaxar o corpo, diminuir a ansiedade, perceber e aprimorar cada um de seus movimentos, concentrar-se, e obter resultados. Procurar orientação, ouvir, avaliar, praticar, automatizar. Neste fim de semana, antes do GP Brasil, o Rubinho respondeu a um jornalista sobre “sorte”: “Algum piloto, ou o Jim Clark ou Jack Stuart, não sei bem, respondeu “que quando mais eu trabalho, mais sorte eu tenho”. Pedalar com segurança não é sorte, é trabalho. Reescreva seu pedal.
Só por brincadeira tente escrever seu próprio nome com mão trocada. Para a imensa maioria não sai nada além de garranchos ininteligíveis. Num grande almoço de família o pessoal começou com esta brincadeira competindo para ver quem escrevia um texto simples. Rimos muito de nossa própria incapacidade. Os que conseguiram deixar seu recado relativamente legível e alinhado se fizeram de reis. Fineza na coordenação motora é historicamente mérito social.
Para mim a experiência acabou se transformando em bem mais que uma brincadeira ou necessidade passageira. Começou como um simples ato de superação; tornou-se uma redescoberta, de revisão de quem fui e sou, uma viajem mágica na memória de minha própria infância que não imaginava mais poder fazer. Sou destro, mas sempre me entendi bem com os canhotos. Gosto de gente diferenciada, dos especiais. Canhoto é deferente não só pelo fato do fazer canhoto, mas porque cedo percebem que nasceram diferente, o que os induz a pensar e agir um pouco diferente, a buscar resultado no diferencial. o que os torna não mediano. A maioria dos que conheci tornou-se, de alguma forma, eficiente perante a vida.
Escrever ao contrário! Não deixa de ser isto porque o que você vai escrevendo acaba sendo escondido pela própria mão. Difícil! Que Até que minha letra saísse legível foi um bom tempo, esforço, paciência, dor na musculatura da mão, braço e principalmente ombro. Descobre-se muito sobre o próprio corpo. Parece ridículo, mas qualquer mudança na posição no funcionamento normal do corpo a coisa pode ficar bem complicada, até impossível. Pelo menos enquanto não se reaprende. É preciso muito treinamento para que haja fluidez do lápis ou caneta. É preciso acamar para não tratar a coisa na porrada, na força bruta. Não é como com a direita que em praticamente qualquer local, situação, ângulo ou superfície a coordenação motora é a mesma. Só um lado do corpo sabe trabalhar. O outro serve meio que de apoio, quando tanto.
Depois de uns dias de puros garranchos comecei a conseguir ter uma mão mais leve, e assim caprichar nas curvas, nas voltinhas, nos espaços, alinhamento. Acabei me sentindo como se houvesse voltado ao jardim da infância. Fui remetido para minha primeira chegada no jardim de infância, a sala de aula, o alfabeto com letras e figurinhas correspondentes às letras que ficava pendurada na parede, o giz branco na lousa verde escura com o “b - a, ba”, as primeiras aulas de caligrafia, a mão da professora segurando levemente a minha para ajudar nas formas, a minha inveja que sentia dos meninos e meninas que já tinham letra caprichadinha, que mereciam da professora “Muito bem! nota 100.” Um ano depois foi com grande emoção quando ganhei minha primeira caneta tinteiro, logicamente acompanhado de um tinteiro e uma aula sobre como carregar a caneta com a tinta sem borrar tudo em volta. E, não poderia faltar, um lindo mata borrão, coisa que vocês mais novos não fazem idéia do que seja e vou deixá-los na curiosidade. Posso dizer que funcionava maravilhosamente. Lembrei até de Madame Germain, a professora de francês que, anos mais trade, já no primeiro primário, ainda ensinava usando palmatória com uma régua de madeira. Quem errasse a pronúncia tinha que esticar a mão aberta para frente e tomava uma reguada dada com força, seguida da famosa bronca “Atencion!!”. A velhinha era apavorante - para a época. Mesmo depois de muitas notas baixas para caligrafia infelizmente minha letra continuou feia e seguiu até eu cortar fundo a mão. Santo corte!
É muito difícil controlar a mão, os movimentos, aprimorar as pernas do “p”, “q”, “b”. “g” é muito mais fácil porque é aberto. Fazer um “i” bem feito é complicado. Puxar a vogal depois de um “v” como em “polvo”, “válvula” e outros é um trabalho delicado, daqueles que, quando criança, colocamos a língua para fora e fazemos careta. O pior talvez seja “m” e “n” com as corcovas arredondadas e suas perninhas, não muito diferente de um “u” é coisa que só vem com o tempo. O “w” nem te conto. Gostaria muito de ter contado com uma professorinha, um caderno de caligrafia daqueles de três linhas, de ter recebido nota pela lição. Já venho a tempo querendo voltar a estudar e esta história só me deu mais coceira.
Depois de muito treino minha letra, mesmo sem perfeição, leveza e fluidez de movimentos, já tinha um forma relativamente bem definida, agradável, já exibia um compasso alinhado e uma lenta fluidez. Mais importante que isto: minha canhota se tornara mais legível que aquela letra que estragou tantos cadernos e papeis. Tenho ainda um longo caminho a percorrer e talvez nunca chegue a ter “letra de colégio de freira”, como dizíamos “no tempo da onça” sobre quem tem uma letra que se lê como se houve uma boa e suave música clássica. Escrever letras, palavras, frases, textos indubitável e maravilhosamente legíveis e agradáveis. Maravilha! Minha inveja da letra de colégio de freira não irá morrer e ser enterrada, mas sem sobra de dúvida agora ficará calminha num canto que não mais me incomodará.
Talvez uma das coisas que mais me tenham envergonhado na vida foi minha própria letra. Sempre foi indisciplinada, disforme, e não raro pouco legível. Eu até que me esforcei, de maneira errada e por praticamente toda a vida, para fazer daqueles garranchos algo artístico, alegre, simpático, agradável aos olhos, mas não houve jeito. O que nasceu para disforme sem boa forma e desagradável viverá. “Aquilo” jamais se tornaria algo agradável, legível, e jamais teria valor como desenho propriamente dito. Coisa ruim, proposta errada, de uma pretensão estúpida, grosseira. Ninguém se comunica com pretensão e sem respeitar boas regras. Comunicar-se bem depende de ter qualidade em seus gestos e ações. Uma boa letra, escrita de forma cuidadosa é meio caminho andado. O que será escrito é outro problema, depende somente da inteligência.
O bacana deste processo é que minha mão direita assimilou o aprendizado canhoto. Minha letra destra hoje me é agradável, o que me dá um imenso prazer. Gosto de pegar uma caneta e desenhar cuidadosamente cada letra, cada espaço, cada pingo nos “is”. O caderno no qual este texto foi escrito originalmente data de 1960 e até hoje nunca se acabou. É uma ótima medida da vergonha que sentia. Tem umas poucas páginas escritas com a velha e horrível letra. Agora voltou a me acompanhar e quando me dou conta estou desenhando textos.
Perdi a conta de quantas vezes quebrei ou lesei um músculo ou articulação. Agradeço a santa paciência de minha mãe e tias. E agradeço também a estas imobilizações a descoberta do lado esquerdo do meu próprio corpo. A primeira tentativa, relativamente bem sucedida, foi no futebol. Comecei a conseguir fazer alguns passes corretos, muito desengonçados, tristes de se ver, ótimo para os amigos rirem, mas bem funcionais. Quando me separei minha mãe me recomendou que fosse fazer dança. Até hoje sinto pena de Monica, santa professora. Foi ai que descobri o quanto minha coordenação motora era mal trabalhada. Dança-se na frente do espelho e ai não há como escapar de ver o quão travados somos, quão pouco nos conhecemos, nos usamos, nos aproveitamos. Trabalhar o corpo é encontrar a liberdade. Primeiro com a leitura, mais tarde com o mountain bike e com o contato com técnicos e ciclistas pró, confirmei que o caminho para uma pilotagem ou mesmo condução de uma bicicleta no trânsito passam pelo caminho estreito de disciplinar a coordenação motora. Desde a escolinha de pilotagem de kart do Waltinho Travaglini, que fiz aos 18 anos, a questão da disciplina me foi regra. Relaxar o corpo, diminuir a ansiedade, perceber e aprimorar cada um de seus movimentos, concentrar-se, e obter resultados. Procurar orientação, ouvir, avaliar, praticar, automatizar. Neste fim de semana, antes do GP Brasil, o Rubinho respondeu a um jornalista sobre “sorte”: “Algum piloto, ou o Jim Clark ou Jack Stuart, não sei bem, respondeu “que quando mais eu trabalho, mais sorte eu tenho”. Pedalar com segurança não é sorte, é trabalho. Reescreva seu pedal.
Que tocante, mexeu cmg este post!
ResponderExcluirLindoo!
ResponderExcluirPerfeito!
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