Fazia muito tempo que não fixava meu olhar por tanto tempo em alguma imagem, menos ainda que não deixava uma revista aberta ao lado da cama para ver um anúncio. Me senti como uma criança e só me faltou fazer pedidos para Papai Noel. Acredito em Papai Noel? Mas com certeza. Ver aquela simples imagem com duas bicicletas lado a lado, uma masculina e outra feminina, me fez um bem que é difícil de explicar. Antes de apagar a luz dava uma última olhada com carinho e aí era dormir com as esperanças de um anjo. Vai que Papai Noel reconhece.
Estou exagerando? Juro que não - digo com meu lado criança. A imagem das Coffee & Cream, dois modelos clássicos americanos típicos da década de 70 fabricados pela tradicional Schwinn hoje. Nada de alta tecnologia, nada de inovações impensáveis; só a beleza e simplicidade clássica. Precisa entender mesmo de bicicleta e arte para conseguir enxergar. Bicicleta para quem entende do recado, para quem está rodado e tem há muito mãos e bunda calejadas. É aquela coisa: quadro construído com tubos high tensil em diâmetro pequeno; pára-lamas e cobre corrente pintados em cores discretas, café para quadro e garfo, creme para o resto, praticamente sem grafismo. Guidão levemente curvado para trás tão cromado como o avanço curto e curvo de desenho retrô; selim clássico com molas; bagageiro cromado, freios ferradura (ai sim de alta tecnologia); pé de vela monobloco (ou sueco, como queira); sem marchas ou com 3; rodas 700 e pneus 36, o que era chamado de pneu meio esportivo. O conjunto lembra as bicicletas aro 27 dos anos 60 e 70, magrelas, discretas, rápidas, macias, eficientes. As duas, masculina e feminina, tremendamente chiques, remontam a um pedalar romântico, outras épocas, memoráveis tempos.
Noutra revista a mesma propaganda das Coffee & Cream está lá, mas quando se vira a página vem outra delícia visual. Que dúvida, será esta mais charmosa ainda? É uma foto de um cara pedalando uma típica “meio esportiva” Raleigh, clássica, muito clássica, exatamente como na década de 50. Era como ter um carro esportivo, um MG verde ou vermelho. Para quem não sabe o que é uma “meio esportiva” de verdade vale a explicação: é uma bicicleta aro 27 com desenho de estrada e uma geometria mais relaxada, de condução mais previsível, menos agressiva, que vem com pneus mais largos que uma bicicleta de competição e pára-lamas. A verdade é que algumas das meio esportivas vinham com um guidão curvado para trás e só algumas com a curva (guidão) típica de bicicletas de estrada.
Há um bom tempo atrás, talvez um ano, apareceram pela primeira vez as propagandas das Electra Amsterdan, uma evolução das Old Dutch, as “velhas holandesas”. Imponentes, chiquérrimas! A diferença do desenho do quadro desta Electra para as originais fabricadas na Holanda há mais de um século está posição do movimento central, que foi ligeiramente avançado para permitir que o ciclista consiga parar com os pés completamente apoiados no chão. É a chamada “Flat Foot Technology”, uma reinvenção da geometria que abre um espaço incrível para o crescimento do uso da bicicleta para aquela imensa parte da população que se sente insegura na hora de parar. Você pedala com a perna esticada e para com os pés completamente apoiados no chão. Na revista a propaganda não chama tanto a atenção, mas no site da Electra a excitação causada pelo que se vê é total. Aliás, o site é um arraso.
Electra lançou um tempo depois a seqüência para a Amsterdan: a Balloon. A diferença entre elas está principalmente nos pneus brancos e gordos. Brancos e gordos? Não só, eles têm uma tecnologia que faz com que rodem com pouca pressão sem que isto faça que o pedalar pareça que se está num caminhão. A Electra e a Bicycling dizem que a bicicleta roda como se os pneus estivem calibrados com 60 libras, mas o radar é extremamente macio. E daí, que vantagem Maria leva nesta? A bicicleta roda como tivesse uma suspensão sem ter nenhuma suspensão. Ops! Legal!
Mas convenhamos, o espírito infantil gosta mesmo de olhar figurinha. Mas (também) todo adulto tem seu lado criança. Bingo! Entendeu? Não?
Deixe-me ir um pouco mais para frente nesta história. Lime. Trek Lime. Você já pedalou um Lime. Ou qualquer bicicleta com Shimano Coasting? Câmbio automático. Você pedala e as marchas mudam automaticamente. Câmbio automático. Só vai entender a sensação quando fizer um teste com um Coasting. É absolutamente incrível. Para mim foi uma sensação muito parecida com a primeira vez que vi um câmbio funcionando. Era um Campagnolo básico, feito de braços paralelos em chapa de aço plano, muito simples, e descarrilhava a corrente numa catraca de quatro engrenagens e um rodar de uma suavidade impressionante. Meu primo Fabinho colocou a bicicleta de ponta cabeça e me mostrou como funcionava. Para mim aquilo era quase um milagre. Fiquei muito tempo girando os pedais e fazendo trocas de marchas. Pura magia.
A primeira Trek Lime que testei, aqui em São Paulo, era preta, aro 26, uma cruiser clássica, guidão tipo beach bike, freio contra-pedal, que de diferente tem cubrindo as pontas dos eixos das rodas umas pequenas calotas redondas, como as dos VW 1200 (Fuscas mais velhos). Como bicicleta é linda, mesmo que não fosse meu sonho de criança. Mas, basta ir até a esquina para entender o que é a mágica sentir as marchas mudando por vontade própria. Quem pedalou uma riu a não poder mais. É mais que divertido, é ridículamente fácil pedalar. O lado ruim é que o preço da brincadeira é muito alto para meu caminhãozinho. O único defeito está na minha conta bancária.
Mas o que está acontecendo aqui? Estão tentando vender bicicletas puxando pela criança que há em cada um de nós? Provavelmente não. As sensações que tenho têm como base vem de um tempo quando a maioria dos compradores de hoje sequer haviam nascido. Provavelmente seus pais sequer sonhavam se casar.
As propagandas destas bicicletas estão sendo veiculadas na Bicycling, a maior revista especializada em bicicletas do mercado americano e talvez do mundo, que hoje tem sua maior força no ciclismo de estrada. A Bicycling sempre bateu na tecla do uso da bicicleta como modo de transporte, até com projetos importantes de estímulo. Mas como qualquer outra revista o foco é o leitor e no caso é um consumidor sofisticado voltado para o ciclismo ou mountain bike amador. Então, o que estaria fazendo anúncios de Coffee & Cream, Raleigh One Way, Electra Amsterdan e Trek Lime numa revista voltada para outra forma de vida?
Um artigo publicado no início do verão pelo New York Times sobre “estilo de vida” e “moda” na própria cidade de Nova Iorque dá a resposta. O chique do momento para os novaiorquinos é ir trabalhar pedalando as Old Dutch, de preferência as autênticas holandesas. E o chique é pedalar com roupas normais: traje social, roupa de trabalho, roupas de estilo ou grife, tudo no melhor estilo nova-iorquino. Eles descobriram que pedalar uma bicicleta urbana faz você suar pouco, se comparado com pedalar uma bicicleta esportiva. Descobriram que não é necessário vestir “roupa de franga”, aqueles uniformes colados no corpo, próprios para ciclismo esportivo. Enfim, descobriram que no coração do “planeta automóvel” também dá para usar a bicicleta como modo de transporte; como qualquer europeu faz. Eureca!
Estou exagerando? Juro que não - digo com meu lado criança. A imagem das Coffee & Cream, dois modelos clássicos americanos típicos da década de 70 fabricados pela tradicional Schwinn hoje. Nada de alta tecnologia, nada de inovações impensáveis; só a beleza e simplicidade clássica. Precisa entender mesmo de bicicleta e arte para conseguir enxergar. Bicicleta para quem entende do recado, para quem está rodado e tem há muito mãos e bunda calejadas. É aquela coisa: quadro construído com tubos high tensil em diâmetro pequeno; pára-lamas e cobre corrente pintados em cores discretas, café para quadro e garfo, creme para o resto, praticamente sem grafismo. Guidão levemente curvado para trás tão cromado como o avanço curto e curvo de desenho retrô; selim clássico com molas; bagageiro cromado, freios ferradura (ai sim de alta tecnologia); pé de vela monobloco (ou sueco, como queira); sem marchas ou com 3; rodas 700 e pneus 36, o que era chamado de pneu meio esportivo. O conjunto lembra as bicicletas aro 27 dos anos 60 e 70, magrelas, discretas, rápidas, macias, eficientes. As duas, masculina e feminina, tremendamente chiques, remontam a um pedalar romântico, outras épocas, memoráveis tempos.
Noutra revista a mesma propaganda das Coffee & Cream está lá, mas quando se vira a página vem outra delícia visual. Que dúvida, será esta mais charmosa ainda? É uma foto de um cara pedalando uma típica “meio esportiva” Raleigh, clássica, muito clássica, exatamente como na década de 50. Era como ter um carro esportivo, um MG verde ou vermelho. Para quem não sabe o que é uma “meio esportiva” de verdade vale a explicação: é uma bicicleta aro 27 com desenho de estrada e uma geometria mais relaxada, de condução mais previsível, menos agressiva, que vem com pneus mais largos que uma bicicleta de competição e pára-lamas. A verdade é que algumas das meio esportivas vinham com um guidão curvado para trás e só algumas com a curva (guidão) típica de bicicletas de estrada.
Há um bom tempo atrás, talvez um ano, apareceram pela primeira vez as propagandas das Electra Amsterdan, uma evolução das Old Dutch, as “velhas holandesas”. Imponentes, chiquérrimas! A diferença do desenho do quadro desta Electra para as originais fabricadas na Holanda há mais de um século está posição do movimento central, que foi ligeiramente avançado para permitir que o ciclista consiga parar com os pés completamente apoiados no chão. É a chamada “Flat Foot Technology”, uma reinvenção da geometria que abre um espaço incrível para o crescimento do uso da bicicleta para aquela imensa parte da população que se sente insegura na hora de parar. Você pedala com a perna esticada e para com os pés completamente apoiados no chão. Na revista a propaganda não chama tanto a atenção, mas no site da Electra a excitação causada pelo que se vê é total. Aliás, o site é um arraso.
Electra lançou um tempo depois a seqüência para a Amsterdan: a Balloon. A diferença entre elas está principalmente nos pneus brancos e gordos. Brancos e gordos? Não só, eles têm uma tecnologia que faz com que rodem com pouca pressão sem que isto faça que o pedalar pareça que se está num caminhão. A Electra e a Bicycling dizem que a bicicleta roda como se os pneus estivem calibrados com 60 libras, mas o radar é extremamente macio. E daí, que vantagem Maria leva nesta? A bicicleta roda como tivesse uma suspensão sem ter nenhuma suspensão. Ops! Legal!
Mas convenhamos, o espírito infantil gosta mesmo de olhar figurinha. Mas (também) todo adulto tem seu lado criança. Bingo! Entendeu? Não?
Deixe-me ir um pouco mais para frente nesta história. Lime. Trek Lime. Você já pedalou um Lime. Ou qualquer bicicleta com Shimano Coasting? Câmbio automático. Você pedala e as marchas mudam automaticamente. Câmbio automático. Só vai entender a sensação quando fizer um teste com um Coasting. É absolutamente incrível. Para mim foi uma sensação muito parecida com a primeira vez que vi um câmbio funcionando. Era um Campagnolo básico, feito de braços paralelos em chapa de aço plano, muito simples, e descarrilhava a corrente numa catraca de quatro engrenagens e um rodar de uma suavidade impressionante. Meu primo Fabinho colocou a bicicleta de ponta cabeça e me mostrou como funcionava. Para mim aquilo era quase um milagre. Fiquei muito tempo girando os pedais e fazendo trocas de marchas. Pura magia.
A primeira Trek Lime que testei, aqui em São Paulo, era preta, aro 26, uma cruiser clássica, guidão tipo beach bike, freio contra-pedal, que de diferente tem cubrindo as pontas dos eixos das rodas umas pequenas calotas redondas, como as dos VW 1200 (Fuscas mais velhos). Como bicicleta é linda, mesmo que não fosse meu sonho de criança. Mas, basta ir até a esquina para entender o que é a mágica sentir as marchas mudando por vontade própria. Quem pedalou uma riu a não poder mais. É mais que divertido, é ridículamente fácil pedalar. O lado ruim é que o preço da brincadeira é muito alto para meu caminhãozinho. O único defeito está na minha conta bancária.
Mas o que está acontecendo aqui? Estão tentando vender bicicletas puxando pela criança que há em cada um de nós? Provavelmente não. As sensações que tenho têm como base vem de um tempo quando a maioria dos compradores de hoje sequer haviam nascido. Provavelmente seus pais sequer sonhavam se casar.
As propagandas destas bicicletas estão sendo veiculadas na Bicycling, a maior revista especializada em bicicletas do mercado americano e talvez do mundo, que hoje tem sua maior força no ciclismo de estrada. A Bicycling sempre bateu na tecla do uso da bicicleta como modo de transporte, até com projetos importantes de estímulo. Mas como qualquer outra revista o foco é o leitor e no caso é um consumidor sofisticado voltado para o ciclismo ou mountain bike amador. Então, o que estaria fazendo anúncios de Coffee & Cream, Raleigh One Way, Electra Amsterdan e Trek Lime numa revista voltada para outra forma de vida?
Um artigo publicado no início do verão pelo New York Times sobre “estilo de vida” e “moda” na própria cidade de Nova Iorque dá a resposta. O chique do momento para os novaiorquinos é ir trabalhar pedalando as Old Dutch, de preferência as autênticas holandesas. E o chique é pedalar com roupas normais: traje social, roupa de trabalho, roupas de estilo ou grife, tudo no melhor estilo nova-iorquino. Eles descobriram que pedalar uma bicicleta urbana faz você suar pouco, se comparado com pedalar uma bicicleta esportiva. Descobriram que não é necessário vestir “roupa de franga”, aqueles uniformes colados no corpo, próprios para ciclismo esportivo. Enfim, descobriram que no coração do “planeta automóvel” também dá para usar a bicicleta como modo de transporte; como qualquer europeu faz. Eureca!
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