Qual seria o elo perdido que daria ao Brasil um futuro de fato melhor? Esta é a pergunta que muitos se fazem neste país do futuro que não só nunca chega, mas que a cada dia parece mais e mais distante do tão esperado futuro melhor. Da mesma forma que o jeitinho brasileiro de um passado distante, aquele do fazer as coisas de uma maneira diferente, com inteligência, desprendimento, para chegar a um resultado bom, surpreendente, mudou de bom vinho, boa cachaça seria melhor, para água podre e fedorenta, firmado e afirmado depois de uma propaganda, a famosa "lei de Gerson", simbolo de sacanagem, a má esperteza, desvio, má fé. Deve haver algo que leve ao caminho contrário, do negativo para o positivo. No fim do filme sobre a vida de J. R. R. Tolkien, o escritor de Senhor dos Anéis, ele recebe a mãe de um de seus colegas de escola que morreram durante a Primeira Guerra Mundial. Ela senta na cadeira onde seu filho se reunia com os amigos da escola e diz, muito emocionada, que tinha perdido dois filhos e que uma outra mãe, amiga sua, tinha perdido três para aquela guerra. Morreram 9 milhões de combatentes e 7 milhões de civis na maior carnificina da história. Duas décadas depois mais outros entre 50 a 70 milhões entre civis e militares na Segunda Guerra Mundial.
O contexto no qual milhares de mães perderam seus filhos nas duas Guerras Mundiais foi da luta do bem contra o mal de verdade, não o imaginário, da liberdade contra a mais cruel ditadura, contra a barbárie, contra o fanatismo sem limites, sem razão. As perdas, mesmo dos próprios filhos, apontavam para um futuro de esperança. Esperança!
Não sei qual é o número proporcional de mães brasileiras de periferia que perderam seus filhos de forma violenta, mas é alto, inadmissível. Não tenho medo de dizer que foram vidas e mortes vazias, sem sentido, pior, sem qualquer esperança. Na estupidez generalizada que vivemos a violência não faz mais qualquer sentido. Não há uma luta do bem contra o mal, mas tratar de manter-se vivo no dia a dia, nada além disto.
Um dos documentários que vi sobre a reconstrução da Alemanha pós Segunda Guerra Mundial fala sobre adolescentes que foram ou ficaram escondidos, não quiseram ou não se interessaram em ajudar na reconstrução das cidades e da vida de todos. Quando descobertos foram executados pela própria comunidade no meio da rua. Não se deve colocar esta brutal cena histórica sem contextualiza-la, mas dá para avaliar o que é o valor da esperança como prioridade absoluta para um futuro de paz.
Somos animais com uma capacidade quase sem igual de adaptação e acomodação ao meio ambiente. O ser humano se acostuma com o ruim, principalmente quando não tem referência sólida do que é bom, correto, eficiente, digno, racional. Nossas periferias e favelas têm uma qualidade de vida precária, em muitas localidades miserável, indigna, degradante. Aliás, vou mais longe, nossas cidades têm no geral uma qualidade urbana ruim, muito longe dos parâmetros definidos pela UNESCO como saudáveis e dignos. Como boa parte da população brasileira não conhece outra opção, o que é ruim passa a ser o normal, quando não referência, e por isto mesmo parte da identidade coletiva. "Quanto pior melhor" foi e continua sendo usado como princípio político partidário em discurso e ação ideológica. Esta posição visa por um lado confirmar as identidades locais e individuais deslocando as mazelas para os próximos, de preferência para os "inimigos", reais ou criados, a maior parte deles criados. Uma luta do bem contra o mal, exatamente como nas religiões mais distorcidas e fanáticas. Muita gente ganha com o Brasil bipolar, e aí toda nossa verdadeira esperança é derrotada.
Como tudo neste país, Pátria
Amada Brasil, não poderia ser de outra forma: ninguém sabe ao certo se o Pedal
Anchieta 2019 sai ou não sai. A explicação que dão Renata e Willian no abaixo vídeo
diz tudo.
Quem já viu o vídeo sabe que
os ciclistas estavam em tratativas para fazer que o Estado se
responsabilizasse pelo Pedal Anchieta 2019 e que por sua vez o Estado queria
passar a organização, a responsabilidade e principalmente os custos para
alguém, quem quer que fosse. Precedentes eles têm porque a maioria dos eventos
de corrida a pé são organizados por entidades particulares e não pelo poder
público. O modal, bicicleta, que é pela lei um veículo, o tamanho, a extensão e
a escala do Pedal Anchieta, tudo junto, não permite pensar o evento da mesma
forma que uma corrida a pé, mesmo se comparado à São Silvestre, o maior evento
do pedestrianismo. Não dá para jogar nas mãos do primeiro que levanta a
mão. Só ser bem-intencionado não basta principalmente num evento deste tamanho
e complexidade. É dever do Estado olhar as credenciais de quem vai prestar um
serviço público.
Fato é que as autoridades tiveram
um ano para pensar e organizar o evento. É praxe que as autoridades percam as
tartarugas sobre a mesa, e perderam. Uma coisa é querer repensar e reorganizar
a coisa toda da bicicleta, outra é cozinhar o galo vivo e com pena e tudo.
Ninguém aguenta mais o empurrar com a barriga de autoridades.
Não dá para brincar com um
evento que ano passado reuniu 33 mil participantes, não só, 33 mil ciclistas; ou
mais. Quantos sejam, foi uma linda loucura ter a Anchieta entupida de
bicicletas, gente feliz para valer pedalando mais de 70 km, algo sem
precedentes. Teve problemas, sim, teve, um infelicíssimo acidente fatal, sim,
mas não contar com uma possível situação destas é ficar fora da realidade. Virou
conversa para muitos dias entre os que não foram, e criou uma ansiedade sem
precedentes para este ano. Tem muita gente perguntando como vai ser este ano. A
ansiedade está maior ainda porque São Paulo perdeu a Ciclo Faixa de Domingo.
Em cima da risca as
autoridades vão dizer que não deu, não vai acontecer? Vão ser tão
irresponsáveis imaginando que simples palavras evitarão que o passeio ciclístico
para Santos aconteça de qualquer forma e que se repita numa escala maior o que
aconteceu em 2017? Vão brincar de acender estopim? Uma pancadaria na serra não pode
se espalhar? Não sabem do que está acontecendo aqui na América do Sul, no
Chile, no Equador, na Bolívia? O Governador do Estado João Dória vai bancar a
aposta?
Lembro a todas autoridades e a
Vossa Excelência Governador do Estado de São Paulo: “pão e circo”. A história
prova que dá ótimos resultados acalmando os ânimos.
Como tudo é entendido como ameaça
neste país bipolar reafirmo que não sou de meter fogo no circo; quero paz. Vejo
com muita preocupação o que pode acontecer. Não vejo outra saída a não ser o
Pedal Anchieta ser realizado.
Entendo os problemas que o
Estado de São Paulo vem passando, assim como acho que o uso da bicicleta tem
que ser pensado e trabalhado com muito menos entusiasmo juvenil. É modo de
transporte importantíssimo, lazer de milhões, esporte cada dia mais popular. Não
é coisa para se brincar.
Você já pedalou no entorno da Represa de Guarapiranga? Não. Não sabe o que está perdendo. É um dos locais mais bonitos e agradáveis de São Paulo. Hoje temos a ciclovia que acompanha toda a av. Robert Kennedy, que vergonhosamente mudaram de nome para av. Atlântica. Que seja. Tiraram praticamente todas as construções irregulares que estavam entre a avenida e a represa, o que aumentou muito a beleza do lugar. É um passeio para dia inteiro porque dá para subir até Interlagos, há muitos bares, padarias e restaurantes, bairros agradáveis, e se o tempo estiver bom dá até para ir velejar. Alguns córregos foram recuperados, criados pequenos parques lineares. Um pouco mais adiante tem o SESC Interlagos, o maior de todos em área e sempre com uma boa programação. Dá para terminar a tarde tomando um café num dos clubes de vela vendo o pôr de sol. Melhorou muito, mas poderia estar muito melhor.
Em 2009 fomos contratados para fazer o projeto funcional de um anel cicloviário no entorno da represa. Sabíamos que seria contrapartida para um mega projeto de reurbanização de um bairro residencial de pequenas casas próximo à barragem próxima a av. Socorro, com a criação de imenso parque com algumas poucas torres, algumas residenciais, outras comerciais. O que eu não sabia é todo o projeto tinha por trás a vinda para o Brasil de um dos principais museus do planeta, o que se não é verdade, pelo menos faz todo sentido. A contrapartida iria muito além da ciclovia, e passaria pela recuperação e reurbanização de toda margem da represa Guarapiranga. Entre a barragem e o Clube de Campo São Paulo se propunha a criação de um extenso parque linear para pedestres, ciclistas, montarias, pescadores, velejadores e praticantes de outros esportes náuticos. Para a então já prevista ciclovia do rio Pinheiros seriam feitos dois acessos, um pelo canal que liga a barragem ao rio e fica paralelo a av. Guido Caloi, e outra direta para Estação CPTM Jurubatuba através de ponte para pedestres e ciclistas. Seria feita também a ligação com o autódromo de Interlagos e com terminal Grajaú através do já recuperado córrego São José. Na outra margem da represa seria realizada a correção viária da avenida Guarapiranga, a ligação direta para pedestres e ciclistas, com deques e pequena ponte sobre um córrego, entre os Parques Municipal e Estadual - Ecológico da Guarapiranga. Uma ciclovia ligaria ao terminal M Boi Mirim. As Estradas da Baronesa e da Cumbica seriam alargadas e receberiam calçadas largas e ciclovia. Os responsáveis pelo mega projeto nos avisaram que estava proposta a construção de uma ponte para pedestres e ciclistas ligando o Balneário Dom Carlos com o Jardim das Palmeiras, ligando as duas margens para fechar o círculo e dar a volta completa, 55 km de ciclovias, calçadas e em alguns trechos trilhas para equitação; em meio a parques náuticos e os parques lineares dos córregos recuperados. Não preciso nem falar sobre o fortalecimento dos clubes de náutica e iatismo, em especial as escolinhas de vela. Depois de várias vistorias o projeto funcional foi entregue. Nunca mais tivemos notícia. Mais um belo projeto que sumiu do mapa. Pena. A Guarapiranga merece. Sei que há toda uma questão política e social, mas se deve levar em consideração a prioridade de preservação das águas. Com água não se brinca. Um dia recuperam, na paz ou no tapa, as nossas represas. A crise hídrica que tivemos acendeu o sinal de alerta, que não parará de tocar daqui para frente.
Estava conversando com um morador de uma das travessas da avenida Dona Belmira Marin, a que passa pelo terminal Grajaú e vai até a balsa de Bororé. Eu contava para ele sobre este projeto de recuperação da Guarapiranga com a recuperação de todos córregos pelo Projeto Córrego Limpo da SABESP com colaboração da Prefeitura de São Paulo, mais os 55 km de calçadas e ciclovias. Ele, antigo morador da área, começou a levantar as orelhas, ficar a cada palavra mais interessado. Num determinado momento ele me interrompeu e contou que mora no Jardim Shangrilá desde a década de 70, num terreno e sobrado legalizados, com documentação, água, esgoto, IPTU e tudo mais. Durante vários anos o córrego que fica próximo de sua casa era limpo e cheio de mato, dava para pescar. Começaram a chegar os invasores, gente muito pobre, e os moradores ficaram com pena, deixaram invadir e construir seus barracos ainda longe da represa. A invasão foi indo até acabar com o córrego e chegar nas águas da represa. Depois que viram o a recuperação do córrego São José, de onde retiraram invasores, reformaram e organizaram as casas, canalizaram o esgoto, criaram um parque com campinhos e área de lazer, os vizinhos começaram a sentir inveja e mudar de ideia sobre os invasores que se instalaram no córrego. Mais, estão começando um movimento para tirar os invasores do córrego e ter parques como o São José e mais dois córregos que foram recuperados pelo Projeto Córrego Limpo. A matemática das águas é simples: a vida depende dela e água poluída praticamente para nada serve a não ser deixar a população doente. Caiu a fixa. Há um drama social, ninguém duvida, mas se não for trabalhado rapidamente teremos um caos hídrico. Aliás, já temos. E aí, como fica?
Tudo muda com uma rapidez absurda nesta terra. O projeto funcional que fizemos faz 10 anos provavelmente tem que ser refeito. O que não pode é demorar. Guarapiranga e Billings tem que ser recuperadas com a máxima urgência. Enquanto isto não acontece aproveita o que já existe porque é lindo, vale a pena. E o passeio deixará uma mosquinha na sua cabeça, a mesma de quem pedala na ciclovia do rio Pinheiros e vê aquela tristeza de água.
Para colocar o Brasil na rota da Industria 4.0 não basta revolucionar o setor industrial, o que dificilmente gerará os resultados esperados se não houver em paralelo uma grande revolução para melhoria da qualidade de vida nas cidades brasileiras. O ambiente hostil de nossas cidades comprovadamente prejudica e muito a educação, o aperfeiçoamento e treinamento, essenciais para qualquer mudança, principalmente a exigida não só por indústrias 4.0, mas nas mudanças que se impõe tão rapidamente. É muito difícil compreender o que é de fato valor agregado se a base da vida, a cidade, é uma baderna, funciona mal, suja, poluída, imprevisível, com esgoto correndo a céu aberto... O Brasil não conseguiu sequer consolidar o patamar de qualidade de décadas atrás. Os trabalhadores de indústrias e serviços com selo ISO não conseguiram replicar o básico do sistema de qualidade do ambiente de trabalho em suas comunidades, em seus bairros, em suas casas. Quando há uma dissociação, um conflito e até um abismo entre o padrão de vida pessoal e a do trabalho a probabilidade de ocorrerem problemas e distorções diversas no macro é grande. A verdade é que o Brasil não conseguiu sequer implementar em todos seus sistemas administrativos, econômicos e sociais o básico de qualquer sistema de qualidade. As principais cidades do planeta estão sendo preparadas para a nova realidade que está aí. O jogo que se apresenta é bem definido no excelente e tenebroso texto "O Brasil e a Industria 4.0" da página A3 do Estadão: ou se está dentro ou se está fora desta revolução industrial. Vale para as cidades. Vale para nosso futuro.
Sou um dos privilegiados deste
país. Como tal não tenho direito de ter chiliques com as malditas formalidades
necessárias burocráticas estúpidas, ineficientes, desnecessárias, arcaicas, mas
tenho obrigação, principalmente por ser privilegiado, de reclamar com razão e
sensatez.
Tive um estouro porque me pediram
uma série de dados pessoais dos sensatos aos surrealistas para realizar uma
operação. "Prende o pessoal que faz irregularidades. Prende! Por que um
cidadão que faz tudo certinho tem que preencher um monte de papeis estúpidos?"
disse entre outras no meio de um chilique. Minha reclamação é justa, assim como
a necessidade de garantias por parte do banco para realizar a operação. Reclamação
é uma coisa, chilique é outra, isto é fato. Reclamação se transforma em chilique
porque situações como esta que descrevo, ou infinitas outras corriqueiras neste
país, poderiam não acontecer caso no passado eu, tu, ele, nós, vós, eles, tivéssemos
feito alguma coisa para que as coisas mais simples funcionassem de maneira mais
racional, prática, sensata, produtiva. Se não fiz, não fizemos, não tenho, não
temos o direito de ter chilique. Tenho, temos hoje o que compramos no passado.
Logo ali na sala de onde digito
este mais que um desabafo, largada no chão, está uma torradeira do Mickey que
quebrou na terceira vez que foi usada. Sempre reclamei, tenho um logo histórico
de gritaria indo atrás de meus direitos, mas estou exausto e desta vez simplesmente
não tive forças para reclamar mais uma vez de mais um produto que dá problema
logo no início de sua teórica vida útil. Antes da torradeira foi uma cafeteira
expressa Philco que quebrou um mês depois do uso, foi para a garantia, voltou
com defeito, foi para a garantia, e mais uma vez deu defeito. Na terceira vez num
técnico, aí não mais de autorizada, ouvi que poderiam consertar, mas a bomba
padrão daquele modelo de cafeteira era frágil e provavelmente quebraria de novo
em pouco tempo. Não duvidei. depois fiquei sabendo que o amigo que a recomendou
também descartou a sua. Não me lembro mais qual produto que tive problema antes
da cafeteira e da torradeira, nem quero me lembrar, ou fico mais furioso que
estou. Ah! o acendedor automático de fogão. Antes dele... Em nome de minha
sanidade mental paro por aqui, mas sei que enquanto digito este texto mais e
mais quebradas lembranças serão recordadas. Fato é que não só os 1,99 são de
baixa qualidade. Infelizmente baixa qualidade faz parte da vida dos brasileiros,
eu sei disto, vivo batendo na mesma tecla. Lembrei de outro: freio a disco de
duas bicicletas que pararam de frear. Chega, não quero lembrar de mais nada; sigamos
em frente.
Pausa!
Na vida tem certos problemas
que tem que ser resolvidos e ponto final!
Preciso recolocar minha cabeça
no lugar e voltar a reclamar se quero ter paz. Chilique é que não dá. Reclamar
é chatíssimo, mas dá resultados não só para você, mas para toda a sociedade. Se
o povo todo reclamasse nossa indústria não estaria da pindaíba que está, o
serviço público seria outro, não teríamos tanto problema com lixo, teríamos uma
sociedade mais justa... É nosso dever, dos privilegiados, reclamar, sem
chiliques, reclamar com razão, inteligência, persistência, reclamar até
corrigir o errado.
Ontem estive com uma pessoa do
mercado de bicicletas que está horrorizada com a baixa qualidade das 29 baratas
que estão sendo vendidas. Para sobreviver tem marca americana que foi
considerada primeira linha, referência de qualidade, que está oferecendo uma
versão baratinha da 29 com 21 marchas câmbio Shimano. Shimano, mas nem tanto, o
resto é mistureba, passador de uma marca, coroa e catraca cada uma de outra,
corrente de mais outra, uma mistura feita para baratear que até aqui só era
encontrada em bicicletas vagabundas de, digamos assim, 1,99. Mas para leigo o
que vale é ouvir Shimano e o resto ele não quer nem saber, nem mesmo que seja só
Shimano o câmbio traseiro e ainda assim o mais básico. Não vai funcionar como
deve, provavelmente vai ficar dando problemas. Mais, a relação de marchas é
própria para roda 26, muito pesada para 29 que tem diâmetro maior, pouco
reduzida para subidas, péssima para iniciantes. Ninguém reclama, ninguém fala
uma palavra, acha tudo normal até a hora que fica na mão, aí tem um chilique no
meio da rua e depois na bicicletaria. Ou pior, encosta a bicicleta e nunca mais
pedala, o que é muito comum. O número de bicicletas empoeiradas e jogadas na
garagem aqui no Brasil é absurdo. O setor reconhece que só na cidade de São
Paulo passa de alguns milhões, uns prováveis três ou quatro, dizem. Deprimente.
Ficar esperando que os outros
resolvam seus problemas é dar tiro no próprio pé. Quem espera nunca alcança, diz
aquela música que acho chatérrima, mas diz a verdade. Assim como é verdade que
os que tem chilique tem um perfil displicente, esperneando no bar e não fazendo
nada no lar. O “não é responsabilidade minha” quando cai na cabeça vira “FDP!”.
Ou então não sabe a diferença entre reclamar e ter chilique.
Vale aqui um deprimente exemplo,
a Argentina, que já foi o 5º país mais rico do mundo, com um dos melhores
índices de escolaridade, que em 1974 tinha 4% da população na pobreza e agora
tem 35,4%. Em 1973 elegem Peron e a Argentina entra num ciclo de populismos sem
fim, com massa gritando chiliques de todos lados. O resultado está aí. Este
exemplo conheço porque vi pessoalmente boa parte dos absurdos. Não é o único.
Europa e Estados Unidos tem a
cultura de reclamar, e reclamar imediatamente. Aconteceu, reclamou. Acho que
deu certo.
O Japão segue um lema que é
mais ou menos assim: Não importa como você encontrou o lugar (ou uma coisa),
interessa como você vai deixar para o próximo (sempre melhor).
O ideal é não ter que reclamar
e muito menos ter chilique; o certo é agir para não ter que reclamar. Numa
palavra: ser preventivo.
Não tenha chilique, reclame;
não reclame, seja preventivo. Exemplo prático vem da medicina: o Brasil sofre surtos
de sarampo, varíola, dengue, dentre outros, porque não foi e segue não sendo preventivo.
O resultado são pessoas morrendo. Para que?
Infelizmente, a era da bicicleta (nos Estados Unidos, nas últimas duas décadas de 1800 e primeiros anos de 1900) durou pouco. Os primeiros fabricantes de automóveis logo adotaram as principais tecnologias da fabricação de bicicletas, e as estradas que haviam sido defendidas por ciclistas ficaram entupidas de carros no século XX. A classe média desenvolveu um apetite precoce por automóveis por causa de sua velocidade e paixão por cair na estrada, e tinha dinheiro para rejeitar bicicletas e bondes em favor desses meios de transporte (automóveis).
Comentário:
Estados Unidos é um país com vasto território, distâncias enormes e com muita disponibilidade de terras, o que influenciou seu desenvolvimento. A bicicleta surge na segunda metade do século XIX e vai funcionar principalmente no perímetro urbano das cidades grandes, a maioria ainda não completamente calçadas. É possível pedalar na temporada de clima quente e seco, mas não em época de chuva, por causa do barro, ou de neve e frio intenso quando até com calçamento sair de bicicleta fica difícil. Por outro lado, a maioria da população ainda vivia no campo, distante das cidades, com acesso por estradas precárias de terra, ruins para as bicicletas de então. Uma das razões para o Ford T ter feito tanto sucesso é que independente das condições do terreno, barro ou neve profunda, pedras, córregos, valetas, ele simplesmente não para. No calor tem uma simples capota, no frio para-brisas, e rapidamente ganhou portas com janelas. É muito mais confortável que as bicicletas da época, duras, sem marchas e pesadas de pedalar, que freiam pouco, não levam cargas com facilidade, atolam... O sucesso das bicicletas se deve as vantagens que ela tinhaem algumas situações para os cavalos: custo muito menor, nenhuma necessidade de cuidados constantes, ocupa muito menos espaço, é a única alternativa para milhares de famílias que moravam em pequenas casas urbanas. O golpe final não só na bicicleta, como no cavalo: Ford T acaba sendo acessível para boa parte da população, gasta pouca gasolina e sua manutenção é praticamente zero. Mais: Fort T não caga, não solta bosta de cavalo, o que tinha se tornado um problema gravíssimo para todas as cidades.
Neste contexto faz todo sentido que o automóvel tenha caído no gosto de todos. Mais ainda, o automóvel foi em determinando momento um maravilhoso instrumento de enriquecimento e melhorias sociais para todas as populações, incluindo os mais pobres. Neste sentido se pode tirar um paralelo com a Internet: hoje quem não tem Internet está fora do jogo econômico e social.
A maioria das cidades grandes americanas tiveram um eficiente sistema de bondes que por diversas razões foi desaparecendo até acabarem. É lógico que o automóvel e sua indústria têm muito a ver com o desaparecimento dos bondes, depois dos troleibus e a atual precariedade no sistema de ônibus, mas não se pode culpar só os automóveis, há inúmeros outros fatores envolvidos. Os norte-americanos têm como norte o trabalho e o resultado, e vivem numa sociedade tipicamente classe média onde status e pressão social são uma forte constante. Simplificando: efeito boiada. Sem falar no peso econômico, estratégico, interno e externo, até de geopolítica mundial, que o setor automobilístico teve para os americanos, não só pelo veículo em si, mas pela imensa cultura por trás dele.
WP:
Com o tempo, ficou claro que essa transição (da bicicleta para o automóvel) tinha muitos custos. Um resultado negativo foi a perda constante de cidades em escala humana, pois os carros assumiam todos os aspectos do crescimento urbano. Em vez de manter o desenvolvimento compacto e de uso misto (residencial, comercial e industrial juntos) que produziu nossas vibrantes cidades primitivas, a adoção em massa de automóveis levou à expansão suburbana e periférica. Planejadores do século XX, como Robert Moses, de Nova York, pouco se importavam com as comunidades que foram devastadas quando as estradas passaram a cruzar a paisagem urbana. Quando os ricos fugiram para bairros suburbanos exclusivos, o tecido econômico e social de regiões inteiras começou a se desgastar e desmoronar.
Comentário: Duvido que durante a transição para o automóvel tenham tido a capacidade de enxergar o erro que estavam cometendo deixando para de lado a bicicleta (e depois bonde e troleibus). Erros, imperceptíveis no momento, são muito mais fáceis de serem apontados depois de passado um bom tempo. A perda da escala humana na cidade não só tem relação com o automóvel, mas com as novas possibilidades de criação e uso do espaço público e privado, projetos e princípios de desenvolvimento econômico, perspectiva de futuro individual, da família, comunidade e até mesmo do país inteiro.
Antes do automóvel o trem rasgou cidades, separou comunidades, devastou áreas bem urbanizadas, e no custo / benefício econômico e de desenvolvimento social até um certo momento, exatamente como na chegada do automóvel, valeu a pena. Repetiram a dose com o automóvel agregando valor aos serviços dos trens; e sob vários pontos de vista valeu a pena, pelo menos até certo momento. E depois do surgimento do automóvel aconteceram duas Guerras Mundiais, o que impulsionou mais ainda o setor por razões ligadas a reconstrução dos países envolvidos.
WP: Para incentivar a transição de carros para bicicletas, as cidades dos EUA devem adotar as melhores práticas de seus colegas europeus. Para ser claro, esse será um processo de décadas. Sabemos disso porque nas cidades ciclistas mais amigáveis do mundo, que também já eram loucas por automóveis, esse é o tempo que levou para mudar atitudes e desenvolver a infraestrutura necessária.
Comentário: Ponto de partida que é óbvio, mas costuma passar desapercebido: cidade européia é cidade européia, e cidade americana é cidade americana. A diferença entre elas é muito grande, em vários aspectos. O recorte urbano é outro, a dimensão, as distâncias... É óbvio que se deve adotar as melhores práticas, não só em relação ao uso da bicicleta, mas em tudo. Códigos, leis e engenharia de trânsito é ciência, portanto resultado de coleta de dados, tentativa e erro, resultado, a busca de eficiência e "morte zero", o lema atual. Mas aí entram fatores históricos e culturais, que complica um pouco tudo. Com a reconstrução social (e cultural) que estamos tendo com as redes sociais, a questão é a população aceitar regras, não uma questão de tempo, pelo menos não tão longo como o artigo diz. Não serão décadas, mas anos, década talvez. bato uma aposta. Se a passagem da cidade do automóvel para a da bicicleta (e outras mobilidades ativas) for feita com um viés anárquico aí a coisa pode complicar e muito, coisa que já está acontecendo em alguns lugares. Não se tem nada a aprender com tudo que aconteceu com o automóvel? O que nos restou é só dizer que automóvel nas cidades é uma praga; e jogar toda uma cultura que deu certo no passado? A melhor prática num momento histórico foi incentivar o automóvel, por "n" razões; ponto. Vou mais longe: bicicleta naquele contexto era tida coisa de louco que não fazia ideia da realidade, como foi para a maioria dos europeus nos anos 70, 80, a partir de quando a bicicleta começou a ser levada a sério em algumas cidades europeias, principalmente nas menores ou com menos espaço disponível. Hoje a questão não é simplesmente a transição do automóvel para a bicicleta, mas a urgência de recuperar a qualidade de vida nas cidades, ou seja, melhorar a vida de todos e todos, sem exceção, inclusive ciclistas, não só para ciclistas. Mas se deve falar em transição, não varrer o passado, o que tem grande chance de se tornar um tiro no pé.
A questão que se enfrenta em qualquer mudança é a dificuldade para as sociedades largarem seus vícios e aceitarem o que é uma boa prática. Algumas, melhor, muitas ditas boas práticas foram enfiadas goela abaixo, a bem dizer goela abaixo em todos sistemas políticos, dos mais diversos matizes, sem exceção. Chinês não gostava de bicicleta e continuou não gostando mesmo depois de Mao Tse Tung e o partido comunista enfiaram goela abaixo no povão. Não tinha outra alternativa e todo mundo usou; ponto. Quando puderam comprar carros entupiram as cidades. Hoje entendem a praticidade e estão voltando para a bicicleta.
Boas práticas podem ter curto, médio ou longo prazo de benefícios, mas tudo tem custo / benefício. Como dizem os americanos, "não existe almoço grátis".
Vamos para as novas metrópoles, como a NY que eu tanto elogio. Era uma cidade com problemas graves em todos setores, mais ou menos como o Rio de Janeiro de hoje. NY passou por profundas mudanças através do Tolerância Zero até voltar a ser uma cidade com vida normal, ou seja, com pessoas voltando a viver tranquilas e sem medo nas ruas, avenidas, praças e parques. A bicicleta entra para valer no cenário de NY a partir da estabilização social da cidade. Antes, quando a cidade ainda era tensa, perigosa, ciclista era tido como meio marginal, não um bandido, mas mais problema que solução. Em 1987, o Prefeito de NY Ed Koch quase quase proibiu a circulação das bicicletas pela cidade.
Um pequeno detalhe: todas as grandes cidades que eliminaram seus principais problemas ficaram mais ricas, geraram mais impostos, resolveram vários problemas sociais, mas não todos. Exatamente por todos os benefícios estão se tornando caras e por isto meio que expulsando populações mais pobres, as que não tinham automóveis, usavam transporte público ou a tão então mal falada bicicleta. A bicicleta é ponto importante para a transformação. E aí, como fica o velho ditado "ao socialismo se vai em bicicleta"?
WP: Em Copenhague, onde mais de 60% das viagens diárias são feitas de bicicleta, os líderes começaram a se afastar dos carros há quase meio século. Eles começaram aumentando lenta mas constantemente os custos de dirigir - principalmente aumentando os impostos sobre automóveis e gasolina, mas também reduzindo a disponibilidade de estacionamento - e usando a receita para criar uma infraestrutura de bicicleta, que inclui quilômetros de ciclovias separadas e ininterruptas. como túneis de bicicleta, pontes e semáforos. Essas “ruas completas” e as “rodovias de bicicleta” (“complete streets” and “cycling superhighways”) evoluíram ao longo do tempo para reduzir o espaço disponível para carros e as velocidades nas quais eles podiam viajar. À medida que a direção se tornou mais frustrante e o ciclismo se tornou mais eficiente, o número de viagens diárias feitas de bicicleta aumentou significativamente.
Comentário: Faz alguns anos uma pesquisa oficial do governo apontou que 27% da população de Copenhague se pudesse não usaria a bicicleta.
Automóveis geravam uma cordilheira de empregos diretos e indiretos, e ainda geram, portanto ainda tem grande peso na estabilidade social. Empregos estão desaparecendo em todos setores, o número de desempregados é enorme, não só no Brasil. Como frear um setor tão grande e importante como o dos automóveis? Como reestruturar toda a logística de transportes das cidades, humana e de cargas? O que fazer com seus empregos? A perda de empregos tradicionais é irreversível, mas como fazer esta transição sem o colapso social? O que custa mais; o automóvel na cidade ou colocar a estabilidade social e da cidade em jogo? A riqueza gerada pelo automóvel ainda é imediata e gigantesca. A verdadeira riqueza gerada pela bicicleta é de outra natureza, o que demanda uma mudança de posicionamentos macro econômicos profundos numa sociedade estável e viciada. O ideal é que não seja simplesmente tirar o carro e colocar ciclovia. A questão central é a cidade. Apontar o dedo para quem pode ser o culpado mais provável geralmente não funciona.
Não resta dúvida que a transição vai o ocorrer e muito mais rápida que no passado, mas não será tão simplista quanto "do automóvel para a bicicleta". A internet levou a uma diminuição sensível de movimentações e transportes nas cidades, e vai diminuir mais ainda, não há dúvida. O automóvel já está sendo cada vez menos necessário, o que não quer dizer que isto tenha uma relação direta com a necessidade da bicicleta, tão pouco com extinguir o automóvel. Precisamos parar com os problemas que o automóvel e seu uso irracional vem causando, mas não precisamos de populismo, de soluções mágicas, de encantos ou modismos.
Em 1974 Argentina tinha 4% de sua população na pobreza e era um dos países mais ricos. Hoje, 2019, dados oficiais dão que 34,5% da população se encontra na pobreza. Porque aconteceu isto? Populismo puro, falta de coragem para realmente lidar com os problemas, aliás, nem saber bem quais eram os problemas, falta de planejamento, e mais soluções populistas. Acreditar e realizar mudanças necessárias sim, equidade sim, mas é necessário faze-las com bom senso, passo a passo. E sempre lembrar que não existe almoço grátis. Nem milagres. Bicicleta é um veículo, não um milagre.
Dois passos importantes para conhecer um pouco de NY e se divertir bastante. O primeiro: vá até uma estação do subway (metro) e compre com o cartão de crédito na máquina um passe para seis dias, US$ 30,00, que valerá para metrô e ônibus, mesmo que você fique menos dias. Dá para ir para praticamente toda Manhattan e Brooking. Não vale para as barcas.
Se quiser pedalar tem a Citi Bike, as bicicletas coletivas de NY, mas com as limitações de qualquer sistema de bicicletas bloqueadas em docas. Eu prefiro alugar uma, que sai mais caro, mas dá a liberdade de pedalar sem limite de tempo e ir para onde bem entender, mesmo onde não tenha doca da Citi Bike. Eu alugo na Master Bike que fica na 72th com a West End Ave., a uma quadra da estação 72th da Broadway. O dono é gente fina, fala espanhol, as bicicletas de aluguel são híbridas simples, bem ajustadas, só precisa chegar cedo principalmente aos sábados e domingos para conseguir uma. A saber, NY é uma das cidades onde mais se rouba bicicleta no mundo, portanto é importantíssimo também alugar uma trava. Não deixe de pegar na bicicletaria o mapa em papel do sistema cicloviário de NY, com orientação de como fazer alguns cruzamentos e acessos específicos; é uma ajuda valiosa.
A entrada do parque do rio Hudson está a uma quadra da Master Bike e é um pedal maravilhoso, tanto no sentido Downtown quanto sentido Hudson Heights. Na entrada do Hudson Park está o Eleanor Roosevelt Memorial, uma das mulheres mais marcantes, inteligentes e interessantes da história. Vale a pena procurar o documentário sobre ela.
Voltando ao passeio de bicicleta, o Central Park está logo ali, na mesma 72th sentido contrário do rio, com entrada pela esquina do edifício onde morava John Lenon. A volta completa é bem mais longa do que se pode esperar, mas tem vários locais agradabilíssimos para parar. Eu gosto de parar no laguinho onde crianças e adultos velejam seus barquinhos rádio controlados. Nem pense ir em bicicleta aos museus que estão ao lado do Central Park, incluindo o descomunal Metropolitan, onde é entrar e esquecer do tempo, tomando café e almoçando lá mesmo. E no entorno estão vários outros senhores museus, dentre eles o Guggenheim.
escultura de Botero no Columbus
Da 72th dá para ir até o Columbus Circus e de lá pedalar pela ciclovia do Broadway Boulevard passando por toda a divertida bagunça de NY, incluindo Times Square, Madison Square e Flatiron Building, Union Square, descendo Manhattan até chegar em Downtown. A pé ou em bicicleta é passeio obrigatório em NY. A Broadway Ave. é visita obrigatória porque só vendo para crer a vida que dá aumentar as calçadas e colocar mesinhas no meio da rua..
Lá em baixo, no extremo sul de Manhattan, está o Battery Park, onde ou se pode fazer um pic-nic no gramado ou tomar uma cerveja e comer numa mesa do deque do Pier A Harbor House. Se você chegar aí no final da tarde vai ver um belo pôr de sol atrás da Estátua da Liberdade. De lá dá para pegar a ciclovia do East River e cruzar para o Brooklyn. Ou ainda fazer a volta pela ciclovia do rio Hudson e sua sequência de deques antes de se passar ao lado do World Trade Center e depois do Hudson Yards, dentre outras construções e pequenos parques interessantes.
Todas as pontes têm ciclovias e calçadas para pedestres e é fácil chegar no Brooklyn. Pedestre invade o espaço dos ciclistas, mas tenha paciência e respeito que com jeito eles saem da frente. Nas pontes a paisagem é mágica e todo mundo se perde, inclusive ciclistas. Pare e olhe com calma, mas sem atrapalhar os outros.
Cruzou a ponte chega-se a um outro planeta, numa cidade de interior, tranquila, gente caminhando sem pressa, moradores locais, um povo diferente do de Manhattan, lugares gostosos para tomar café, sorvete, doces ou comer de tudo, lojas diferentes, a escolha é sua. Os locais mais movimentados e divertidos estão na Bedford Av. e Berry St.. A poucas quadras delas está o rio, de onde se tem uma outra vista maravilhosa de Manhattan. Ainda está sendo reurbanizado com alguns edifícios, em sua maioria modernos, e deques agradabilíssimos. Dá para deitar nas cadeiras e tirar uma soneca, mas cuidado porque o sol deles também torra. É possível pedalar nos deques, mas com o máximo cuidado com pedestres, idosos e crianças soltas. Uma boa opção é voltar para Manhattan pelas barcas, que aceitam bicicletas.
Hudson Yards, The High Line, Soho e Little Italy recomendo que sejam percorridas a pé. Esquece o shopping do Hudson Yards; shopping é tudo a mesma coisa. Se estiver por lá na hora do almoço, recomendo um kilo na 33th, o Frame Gourmet Catery, ótimo, muito melhor que alguns restaurantes famosos. Depois das 13:00h ou a fila é grande; pega, paga, e vai comer na praça onde está a torre de babel de escadas do Hudson Yards. Daí ou tira uma soneca ali mesmo ou numa das cadeiras espreguiçadeiras do High Line a uns passos de lá.
No Soho o número de lojas interessantes é grande e em muitas delas vale a pena entrar para dar uma olhada mais detalhada. Pode ser tão instrutivo quanto ir a um museu porque o nível de refinamento chega ao status de obra de arte. Se vier pelo High Line, logo depois de descer no Meatpacking District, que foi recuperado, e andar um pouco tem a Acne Studios (54-60 8th Av.), uma marca de Estocolmo, Suécia, que tem na pesquisa sobre tecidos seu forte. Toque neles para entender. Na vitrine deles vi um vestido estranho, de tecido com uma transparência que parecia feito de garrafa pet reciclada, mas na realidade era feito de uma sobreposição de finíssimas camadas de tecidos normais, muito agradáveis ao toque, provavelmente uma releitura da técnica impressionante das esculturas em mármore carrara véu de Giovanni Strazza, como sua Virgem Maria (1850). Nem foto e menos ainda o site conseguem dar uma noção clara do refinamento das peças de roupa.
Na 129 Spring St. tem a COS, Collection of Style, também de origem sueca e parte do grupo H&N. Tem um monte de lojas COS pelo mundo, sempre com roupas muito bem desenhadas, cortadas e costuradas, num estilo fora do habitual, um clássico ousado muito chique. As coleções que vi eram de estilistas nórdicos, uma gratíssima surpresa, mais surpresa ainda quando se descobre que não custam um absurdo e que nas liquidações os preços são bem acessíveis, até para brasileiros com este Real tão desvalorizado. Há diferença entre as coleções de cada loja COS; a da 5th Ave. é muito formal, meio sem graça; a do Soho é mais ousada, cheia de graça, mais ao nível das europeias.
Outra loja que chama atenção foi a do estilista coreano Kuho, também da Spring St. O belíssimo conjunto sóbrio de manto, saia e blusa solitário na vitrine me fez entrar. A qualidade geral deste conjunto em especial e de todas as peças é impressionante, trabalho de perfeccionistas orientais.
Estas três grifes estão linkadas, mas os sites simplesmente não têm nada a ver com o que se vê pessoalmente nas lojas. Não acompanho moda, não trabalho, não compro, até gostaria de vestir alguma cosa mais moderna, só gosto de olhar, curtir a inteligência da criação, ver os detalhes, o acabamento, ver mulheres bem vestidas, imponentes passando com charme e encantando. Os sites não dão a mais remota ideia da beleza destas roupas.
Hora do lanche. No 465 W Broadway tem uma Harbs, uma loja de bolos... Comi um bolo, Mille Crepes, feito de muitas camadas de finas panquecas com um recheio entre elas de um creme muito leve e frutas frescas. Indescritível, maravilhoso, arte culinária japonesa, sim, japonesa. Tão delicado que desmonta ao passar do garfo, mas quem se importa, não é para comer? Devorei a primeira fatia e fui para a vitrine: ó dúvida cruel! A Harbs só tem onze receitas de 'bolos' diferentes, duas delas não são bem bolo, o que não faz nenhuma diferença. Depois de muito olhar e babar fui para a segunda fatia, que são grandes, esta de 'bolo' de chocolate, também não tradicional, feito de camadas finíssimas de chocolate montadas entre camadas de uma panqueca grossa feita de uma massa que lembra um souflet achocolatado e creme. Não fui para a terceira, quarta, quinta fatia porque sou diabético, e fiquei com muita raiva. Minha terceira fatia estaria entre a Lemon Yorgurt e a Berry berry cake. A Harbs tem origem japonesa, respeita a tradição de altíssimo refinamento e delicadeza nipônica. A vitrine na rua é singela, o interior da doceria é grande, básico, com um serviço discreto, educadíssimo, silencioso, no melhor da cultura nipônica.
Voltando lá para cima, o negócio é descer a 5h Ave. a partir da 59th, onde está o Plaza Hotel, que vale uma entrada e uma visita ao subsolo onde há uma imensa praça de alimentação, que vale mais pelo zoológico que pela comida. Mais para frente tem o Rockfeller Center e seus inúmeros detalhes, incluindo as entradas dos edifícios no entorno. Um pouco mais a frente a livraria Barnes & Noble, não a maior da cidade, mas como toda livraria parada obrigatória, nem que seja pelo literário cheiro característico de livros. E andando mais um pouco o Grand Central Terminal, parte da história não só de NY, mas da humanidade. Lá um detalhe que poucos conhecem, que é seu mercado de comidas, pequeno, mas imperdível.
Voltando para a Broadway esquina com 72th e ainda falando sobre comidas, tem o tradicional hot dog do Gray’s Papaya. Na Amsterdam com 73th, a duas quadras do Papaya, tem a Salumeria Rosi para quem ama os melhores salames e embutidos da Itália, isto sem falar em queijos e outras delícias. Foi aí que descobri que ovo frito pode ser uma iguaria – se frito em manteiga com um leve toque trufado. Na Broadway entre a 74th e 75th tem o Fairway Market, um supermercado que é entrada obrigatória, principalmente se você entende de cozinha e sabe comer. Na mesma calçada, na 80th, tem o Zabars, outro supermercado tradicional de NY. Parece bobagem, mas não é, não deixe de entrar.
Na 83th quase com Amsterdam tem o Café Lalo, onde foi filmado “You’ve got a Mail” com o Tom Hanks e a Meg Ryan. Não é nada especial, mas vale pelo cenário do ótimo filme. Agora, na Amasterdam Ave., dobrando a esquina para esquerda, tem o Celeste, um dos não muitos restaurantes italianos fora da Itália que merece um almoço ou jantar, pelas entradas, pratos principais e mesmo pizzas. Seu dono é um italiano sempre presente e acompanhando tudo no pequeno espaço e poucas mesas. Só cuidado: o preço no cardápio de vinhos é por taça, não garrafa; como é comum em todos restaurantes de NY.
Não me lembro de ter soltado um texto com dicas para alguma cidade. Este primeiro saiu longo, e deveria sair muito mais longo se fosse detalhar a infinidade de coisas interessantes. Espero que gostem.