sexta-feira, 31 de maio de 2024

A despedida final de NY

Com muita dor no coração, sei que saindo deste quarto do Arthouse Hotel, na 77stW com Broadway, estou me despedindo definitivamente de NY. Confesso que se pudesse viveria aqui, pelo menos durante os meses quentes. Dizem que o inverno aqui é de lascar. Não faço ideia, só vivendo para saber.
NY é deliciosa, cheia de vida, vem a décadas corrigindo seus problemas da maneira correta. NY é inesquecível.

Vou sentir saudades dos "banhos de civilidade", como costumávamos chamar estas viagens para o hemisfério norte, Europa ou Estados Unidos. Quem já as fez sabe que é um sonho se sentir um cidadão civilizado. Simples. Poder tirar fotos com o celular sem a mais remota preocupação de ser assaltado. Poder caminhar em calçadas lisas, em prefeitas condições e limpas, sem um papelzinho jogado, com guias rebaixadas nas esquinas que cadeirantes transpassam sem sobressaltos. Do trânsito ser muito mais silencioso que em nossas cidades. De poder usar a mesma camiseta por vários dias sem que ela fique com a gola preta por causa da poluição. Das pessoas conversarem em voz baixa nos bares, cafés e restaurantes, estações e dentro do metrô. Ouvir bom dia, boa tarde, boa noite, posso ajudar, como você está hoje?... Da prestação de serviço ser uma prestação de serviço, o atendimento ser atendimento, não ter que esperar que terminem a conversa para te atender com cara de "que saco!". Da informação pedida vir com precisão. Das pessoas entrarem e esperarem na fila com paciência. De poder entrar cachorro onde bem entender, metrô, ônibus, café, restaurante, farmácias e até supermercados.

Loja do Ralph Loren Up East Side

Banho de civilização mesmo, visitar museus que são bem cuidados, que nunca pegaram fogo, entrar em lojas caríssimas sem ser tratado como cidadão de quinta categoria por não ter poder aquisitivo. Poder fazer pipi no banheiro de um hotel de sei lá quantas estrelas sem ser barrado na porta...
Sentir se gente. 
Ver mendigo sendo tratado com respeito.

metrô
Vou sentir saudades de civilidade, dos pequenos detalhes que fazem e confirmam o respeito ao próximo.

Vou sentir saudades dos supermercados da Broadway Ave, em especial o Fairway Market, uma loucura de intermináveis variedades.

Aliás, esqueci de um ponto importantíssimo: durante os dias que estive em NY, não tive que parar, desviar ou extender o braço como um para-choque para não ser atropelado por quem quer que seja que estivesse falando ou digitando no celular, o que acontece com um frequência irritante em São Paulo. Gente falando ou digitando no celular por aqui, NY ou USA? Óbvio que sim, aos montes, mas eles não cagam e andam para o próximo, nem podem porque se fizerem pode acabar como um problemão com a polícia ou até justiça. Calçadas largas e sem obstáculos ajudam, mas o respeito pelo outro impera.

NY não é Estados Unidos. Para esta viagem foram reservados uns bons dias para conhecer os Estados Unidos mais por dentro, longe das grandes cidades litorâneas. Peguei um carro em NY e fui dirigindo até Atlanta, passando uns dias em Nashville. Foi esclarecedor, agradabilíssimo. 


Como é este Estados Unidos interiorano? O choque comparativo com nossa realidade é mais forte ainda. A "caipirada" americana pode ser o que quiser, mas eles tem um padrão de vida ótimo, mesmo para os que ganham menos e tem vida dura. A diferença para o que somos está nas cidades que deixam claro que o espaço urbano, o público e o privado, serve para o convívio coletivo.


Vou sentir saudades de NY, mas não só dela. Infelizmente sei que esta festa acabou. 

A única coisa que não vou sentir saudades é do papel higiênico americano, no geral fura bolo.



domingo, 26 de maio de 2024

Violência Brasil: lutamos contra?

gravado em 2012

Faz todo sentido cruzar o texto de Eliane Cantanhede publicado no Estadão, "Quem tramou, e como, a anistia geral e irrestrita da Lava Jato", com o artigo de entrevistas  publicados no mesmo jornal (23 e 24/05/2024). As conclusões, óbvias, são desanimadoras, para dizer o mínimo. 

Existe uma íntima relação entre os dois casos: Brasil. Um contando a história de como foram extintas pelo poder legalmente constituído responsabilidades por crimes fartamente documentados e que atingiram este mesmo poder legalmente constituído. Outro apontando as razões pelas quais o Brasil tem uma ineficiência assustadora no combate ao crime organizado, e porque não dizer toda espécie de crime, sem exceção. O primeiro artigo fala sobre acordão dos três poderes deste país, Executivo, Legislativo e Judiciário, para livrar todos os já condenados e evitar novos "problemas" para os seus. O segundo cita, dentre outras coisas, a crônica falta de vontade das autoridades para uniformizar informações e agilizar o combate ao crime. Não sei porque tenho a sensação que os textos dos dois artigos poderiam ser trocados sem que com isto fosse afetado o sentido do que está sendo dito, melhor, afirmado. 

Criminalidade, de toda espécie e forma, especialmente no Brasil, é negócio muito rentável para alguns e porque não fizer seguro. Todos praticam, todos nós, brasileiros, sem exceção. Começando pelo jogar lixo na rua o que gera muito mais consequências sociais que a maioria possa imaginar. Passando pelas pequenas infrações triviais de trânsito, a festiva barulheira infernal dos bares, os pequenos assaltos diários que ninguém se importa mais, e terminando pelo crime organizado de todo tipo, não só o tráfico de drogas. Até mesmo assassinatos bárbaros de grande repercussão tem processos demorados, julgamentos com recursos intermináveis e alta possibilidade do acusado escapar para liberdade para matar o próximo. Quem se importa? Alguém aí nega esta verdade?

Quem tem interesse na manutenção deste tipo de situação? Eu digo: pelo visto, pelo andar da carroagem, todos, todos nós. Quantas vezes saímos às ruas para urrar contra tudo isto? Sim, saímos às ruas para protestar contra um ou outro, mas não contra um sistema. 
O que está acontecendo e vem sendo fartamente noticiado faz muito é que há um acordão geral e completo. Incluí aí os salvadores da Pátria, os de esquerda, os de direita, e o silêncio geral dos trouxas. 
 
Se colocarmos o país nos trilhos o que deliramos ser nossas ditas liberdades individuais devem diminuir ou acabar. Para mim, aí está o medo de todo brasileiro, que acabe a nossa baderna libertina libertadora de cada dia. Começando por nunca reconhecer seus próprios erros e sempre apontar a culpa para o próximo. Acaba o Brasil do cada um faz o que bem entende, anarquia total, do "eu tenho direito, os deveres que se danem". Exagero meu? Será?

A culpa é dos corruptos? Ou a culpa seria dos que permitem toda criminalidade, do papelzinho fora do lixo até a corrupção endemica, terminando nos assassinatos nossos de cada dia?

Fato irrefutável é que nossa segurança, justiça, educação, e tudo mais, funciona precariamente no Brasil, para dizer o mínimo, com deprimente ironia. Para o povo brasileiro, vamos ser sinceros, a verdade não nos interessa. 

A Coréia do Sul deu um salto gigantesco para o futuro quando mudou o padrão educacional, e por conseguinte a qualidade de vida de toda sua população, isto em 25 anos.
Espanha deu um basta na violência no trânsito e em uns quatro anos passou de um dos países que mais matavam para um dos melhores índices de segurança Europeus. 

O que foi feito de fato pela educação no Brasil nestes últimos 30 anos? 
Quanto cobramos pela mudança? Praticamente nada.

"Quem tramou, e como, a anistia geral e irrestrita da Lava Jato?"
Sobre "...as sete soluções para combater o crime (no Brasil)", tenho a dizer que a primeira, que não está no texto publicado, é ter vergonha na cara. Aí... 

A moeda de R$ 0,01 ainda existe, mas ninguém mais a vê. Quando fiz o vídeo, em 2012, era muito comum encontrar moedas de R$ 0,01 jogadas no chão, abandonadas como uma vergonha deixada para trás. 

Sobre o roubo em minha casa, quando voltei descobri que junto com minha casa mais quatro terrenos vizinhos tinham sofrido invasões. Mais, na mesma época outros 5 casas, leia-se terrenos, foram invadidos do outro lado da rua. Fui o único a fazer B.O. Não tenho porque estranhar.



sábado, 18 de maio de 2024

Mistério da bicicleta sonhada

Passando pela garagem algo chama a atenção do despreocupado pai. Ele diminui a passada, olha para os dois carros que estão lá como foram estacionados. Tenta entender o que chamou a atenção e nada vê. Volta a caminhar, sob a pequena escada e antes do último degrau para novamente e fica pensando. Dá meia volta, caminha para a porta da garagem e olha com mais atenção ainda não entendendo o que está errado. Percebe a falta de uma bicicleta no gancho, a sua bicicleta. Onde deixei? pensa, e sai caminhando pelo jardim da casa procurando. Volta para a garagem, entra, olha atrás dos carros, abre uma porta, procura, nada. Sai da garagem, volta para o jardim, fica parado por uns minutos na boa sombra. Pensa, tenta lembrar onde poderia tê-la deixado, não consegue lembrar, tudo o que lembra foi ter voltado pedalando, entrado em casa com compras, ter deixado as sacolas do supermercado sobre a mesa e... pendurado a sua bicicleta. Volta a garagem, fica parado, imóvel, entre os dois carros olhando para as outras bicicletas penduradas na parede sem entender o que fez com a sua. 

Chama com voz acentuada a sua mulher, depois o pai, a mãe e sogra. Ninguém viu a bicicleta. Brincadeira deles? Não parece que estejam brincando, mas irritado e intrigado ele desconfia. A brincadeira está ficando desagradável. Onde está a bicicleta? Questiona os filhos pequenos que brincam no jardim. Ninguém viu. Sai a procura dela por todos cantos, por todos os cômodos da casa, sala, quartos, banheiros, parte para suposições absurdas, abre armários, olha debaixo das camas. Nada.

Os cachorros não latiram. Estranho. Vai até o portão de entrada, anda pelo muro, procura um rastro, uma mancha, sujeira, marca que denuncie o roubo, alguma planta quebrada, grama amassada, nada. O pai pede para ele se acalmar, sentar um pouco e tomar uma água, um café. Pare um pouco que logo vai se lembrar onde deixou a bicicleta. Ele obedece e se acalma. A família está em volta e não para de fazer perguntas, levantar suposições e dar sugestões. Ele se levanta mais irritado e enquanto se afasta sai pedindo para pararem. Vai para a sala, senta no sofá, liga a televisão e fica lá, quieto, respeitado pelos seus. Não demora muito se levanta e vai para fora da casa e procura com mais cuidado pelos muros. Acha uma marca ali. O pai diz que aquela marca sempre esteve lá. Não adianta, ele, o ciclista, tem certeza, foi por ali, levaram a bicicleta e levaram para o vizinho, e de lá foram para rua. Na parede do vizinho, velho amigo, não há qualquer coisa que indique que a bicicleta tenha sido carregada por ali.  

No dia seguinte o filho mais velho, pré adolescente, está sentado quieto na cozinha para tomar café. O primeiro a sentar para o café da manhã? Estranho. Estou bem, ele responde ao pai com um sorriso maroto. Os dois tomam café da manhã no habitual silêncio, o pai estranhando o comportamento do filho. Meio tempo chegam as outras crianças, uma adormecida e de mal humor, a outra falante, desperta, ativa, que não para de provocar seus irmãos. O pai pede que peguem suas mochilas da escola ou vão se atrasar.
Saem para a garagem, o pai destrava as portas do carro, falta o mal humorado, o pai dá um grito, o garoto aparece quase arrastando a mochila. Todos no carro, o pai dá a partida, engata a ré, manobra com cuidado e para no meio da rua se perguntando o que está faltando, o que está estranho. O mais velho, sentado ao lado do pai, pergunta rindo "o que aconteceu?". O pai, olhar perdido, responde "nada, vamos embora", e segue em frente sem entender o que está diferente. 
Deixa os meninos na escola e volta para casa. Tomar banho, fazer a barba, vestir a roupa de trabalho, o de sempre. Entra na garagem, estaciona o carro, fecha a porta, entra em casa e se prepara, ainda intrigado com a forte sensação de estranheza. Pronto para o trabalho, entra no carro, coloca a chave no contato e congela o olho nas bicicletas. Estão todas lá, inclusive uma que está pendurada no lugar da sua. Olha com mais atenção, não é a sua velha e surrada bicicleta, é uma nova, linda, a bicicleta que queria comprar. 
Desce do carro, vai acordar a sua mulher, pergunta a ela ainda sonambula que diabos é aquela bicicleta nova. "Não sei. Não fui eu". Ela se levanta da cama e vai com ele ver o que acontece. Ficam os dois parados na garagem olhando a bicicleta nova, linda. Ele procura os pais e a sogra. Ninguém sabe como aquela bicicleta foi parar lá. Ele não entende nada, acha que estão brincando. Que seja. Hora do trabalho. Entra no carro e vai.

O mistério permanece até o dia seguinte. Café da manhã, a mesma coisa de sempre, mas o mais velho, pré adolescente, quieto e com um expressão inusual. Peguem suas mochilas ou vocês vão atrasar. Entram no carro, o pai liga o motor olhando curioso e feliz para a nova bicicleta. Dá a ré meio desatento. O pré adolescente chama a atenção dele, "para de olhar para a bicicleta ou vai bater o carro". E não se contendo pergunta para o pai "Gostou dela?". "Muito, mas nem sei se é minha", responde. "Vai sentir falta da sua velha?". O pai intrigado responde que sim, vai sentir saudades, mas tudo na vida um dia termina. 

A noite, com todos já  dormindo, a mãe senta com ele no sofá e conta o que aconteceu. O filho mais velho descobriu que o pai de um amigo sonhava com a velha bicicleta do pai. Ele pegou a velha bicicleta que o pai do amigo tanto queria e trocou pela nova que o pai sonhava. O pai, pasmado com a atitude do filho, não saiu do sofá até conseguir pensar o que faria, como levaria a inevitável conversa. Pelo rosto com leve sorriso feliz...    

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Anafalbetos Brasil, segundo IBGE, realidade?

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

IBGE divulgou os números do analfabetismo no Brasil. O que se deveria perguntar é qual é o índice de alfabetizados que realmente sabem ler e escrever, que conseguem ler uma notícia e fazer juizo dela. Ou, quantos são os anafalbetos funcionais. Vou mais além, quantos são os afalbetizados funcionais que não são tão funcionais assim. Quantos brasileiros são capazes de operar máquinas automatizadas, para começar a história? Muitos dos ditos alfabetizados funcionais que trabalham na construção civil, o emprego com menor nível de exigência do mercado, executam seus trabalhos com um índice de erros que é inaceitável em qualquer país dito civilizado. A prestação de serviços, no geral, qualquer que seja, é de baixa qualidade. Atendimento ao público? E por aí vai. Este custo Brasil é absurdo e neste sentido os números sobre analfabetismo no Brasil divulgados pelo IBGE pouco ou nada significam. Vou mais longe ainda, os ditos alfabetizados e instruídos tem um grave problema de formação. A prova está no altíssimo grau de aceitar quaisquer absurdos como verdadeiros. Redes sociais que o digam. 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

catástrofe Rio Grande do Sul

Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Danielle Brant
Custo de deslocar cidades no RS chega a R$ 30 bi, estima governo
Cruzeiro do Sul, Roca Sales e Muçum ficam à margem do rio Taquari, um dos mais afetados pelas fortes chuvas.

A notícia é velha, os números agora são outros, o tamanho da catásfrofe também. Tudo muito muito maior. 

Um dos prefeitos reuniu seus secretários, depois chamou a população e disse que a cidade tem que mudar de lugar para que novas catástrofes não se repitam. 

Conversei com uma amiga de lá, que foi pouco atingida, e pela primeira vez que ouvi que o Rio Grande do Sul tem que se repensar para se reconstruir. Ou as catástrofes continuarão como continuam em Blumenau e região.

Estou em NY, cidade que desde 2007 vem recebendo mudanças sensíveis no uso do espaço público das ruas. O que vem sendo feito tem dado resultado. A razão é simples: projetos eficientes, sérios, bem pensados, que atendem a um macro planejamento de longo prazo, discutidos civilizadamente com a população, um cronograma de trabalho realista, bem estabelecido e cumprido, correção dos possíveis erros e imprevistos, e principalmente execução final com qualidade. Foi assim que Jeanette Sadik-Khan, ex comissária do Departamento de Transportes de NY, conseguiu implantar uma radical transformação em 20 quarteirões na Broadway Ave. que abriu as portas para uma transformação no pensar o espaço público e o espaço privado de uso público de Manhattan e a cidade de NY como um todo. 
Jeanette Sadik-Khan só pôde realizar o que realizou, e definitivamente foi não pouco, porque no final da década de 70, ou seja mais de 30 anos antes, as autoridades decidiram dar um basta no caos que NY vivia. Você acha que o Rio de Janeiro é violento? Pena que você não viveu em NY nos anos 80 para entender o que é violência, sujeira, baderna urbana, desalento, depressão econômica, miséria... 
Como NY reverteu isto? Foi feito o que era necessário fazer para resolver os inúmeros problemas. Muito diferente de bla bla bla, de programa deste ou aquele governo, que não raro é só propraganda de governo, onde cada um faz e desfaz o que bem entender porque não atende a seus princípios políticos e ideológicos, e outros mais. É deprimente, realmente deprimente, mas é o cheiro que está vindo dos pampas. 

NY hoje é uma outra cidade. Tive a sorte de conseguir acompanhar de perto a impressionante transformação que segue vindo. Outro dia caminhei na Amsterdam Ave. entre a 77th St. e a 85th St. As mudanças implantadas, principalmente a diminuição do espaço para automóvies e as vagas vivas, transformaram o local que bem conhecia. No lugar de pequenos comércios de sobrevivência, daqueles que vendem baratinho quinquilharias, surgiram pequenos restaurantes de todos tipos. Mudou radicalmente a vida na rua, que agora está cheia de vida, gente sentada, caminhando, conversando, comendo, gente com expressão feliz, amigável, cidade viva. Não citei a ciclovia, por que? A população entende que ajudaram muito na transformação, mas por ela praticamente só circulam entregadores a milhão, e os atropelamentos de pedestres são frequentes. Precisam repensar a situação, o que pelo que entendi já vem acontecendo.

Tudo são maravilhas? Não. Toda transformação tem seu preço. A questão é colocar na balança os prós e contras com dados, informação correta, e um olho no futuro melhor para a maioria. 

Interesse público ou da cidade? Não é a mesma coisa? Não necessariamente. Fosse levado em consideração o interesse público, ou de boa parte da população, a Paris que está aí, a Paris de Hausmann, que foi toda reurbanizada e reconstruída, jamais teria se transformado na capital do mundo. O Central Park de NY continuaria sendo terra para pequenos fazendeiros e favelas. As cidades continuariam sendo as cidades do automóveis. Etc... 

Com a catástrofe do Rio Grande do Sul está em jogo muito mais do que a recuperação de um estado ou de sua população. Está em jogo o futuro do Brasil, não porque os gauchos são a 4ª economia do país, mas porque o que for decido e realizado lá pode e deve servir de refererência para o resto do país. Eu acredito nos gauchos, mas guardo o direito a dúvida que o resto do país aprenda algo com o que aconteceu e acontecerá. Não aprendeu em outras catástrofes...

Não dá para fazer errado, não dá para brincar de politica ou ideologia, onde quer que seja. É deprimente, mas já se divulga discordâncias políticas eleitorias que podem atrapalhar e muito a recuperação do Rio Grande do Sul. Começou muito mal.

Um dia me explicaram a diferença entre o Brasil e os Estados Unidos da América
Pegue um problema ou um projeto. Dê para um brasileiro, ele vai se sair bem e ter boas ideias. Brasileiro é inventivo, desprendido. Junte a ele outro brasileiro, os dois vão pensar e trabalhar melhor. Adicione mais outro brasileiro e as discordâncias se iniciarão. E quantos mais brasileiros estiverem trabalhando no problema ou projeto, mais confuso será o processo. 
Peque o mesmo problema ou projeto, dê para um americano. No geral os americanos são mais amarrados, tem menos jogo de cintura, mas o sujeito fará tudo para conseguir dar seu melhor. Junte um segundo americano e as ideias vão começar a surgir. Mais outro e o processo será mais produtivo. E assim por diante. 

Confio nos gauchos, confio na união que sempre tiveram. Espero que sejam ajudados e não atrapalhados.   

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Luiz Dranger

Beto Dranger de azul e Luiz com boné da Power Bar e camiseta da Cactus Cup  

11 de maio de 2024, 9:58, recebo uma mensagem de Nando, avisando que Luiz Dranger, seu pai, descansou. Descanse em paz, meu caro amigo e, em certo momento de minha vida, um orientador. De minha parte, sem qualquer dúvida, muito obrigado Luiz.

E quem foi Luiz Dranger?

Ele e o irmão, Beto, foram os responsáveis pela entrada e inicio das operações da Specialized no Brasil. Para quem não sabe, Specialized é definida por muitos como a Porsche das bicicletas, ainda hoje a referência de mercado. Luiz e Beto fizeram um trabalho brilhante, genial. Mesmo dentro do setor e do meio da bicicleta muitos poucos conhecem esta história real, como é bem comum acontecer no Brasil. Apaga-se a história, esquece-se quem foram os reais atores.

No final dos anos 80 Luiz tinha saído da Norton Abrasivos, onde fora Diretor Comercial com resultados mais que expressivos. Na época Beto era Diretor de Marketing da Elma Chips no Brasil. Os dois, apaixonados por bicicletas, decidiram trazer uma marca de bicicletas para o Brasil e optaram pela Specialized, já então considerada uma das melhores do mercado americano. Specialized vinha sendo sondada por várias pessoas e empresas, incluindo um milhonário que ofereceu mundos e fundos.

MIke Sinyard, criador e proprietário da Specialized, ficou impressionado com o profissionalismo dos dois irmãos e entregou a marca para eles operarem no Brasil com uma condição: vender dois conteiners no primeiro ano. Venderam 20.
Vale lembrar que a Specialized daquela época tinha um extremo cuidado com qualidade de todos seus produtos, bicicletas, acessórios, roupas, outros, com os mínimos detalhes de apresentação, venda, atendimento ao público, do montar e entregar e dar manutenção nas bicicletas. Junto com as bicicletas vieram acessórios e roupas, material de propaganda e algumas diretrizes de trabalho. Mesmo entre outras marcas importadas, mesmo entre as grandes americanas, este nível de detalhismo e cuidado com qualidade geral não era praticado. Todos queriam vender bicicletas. A Specialized vendia conceitos, e procurava entregar caminhos para o futuro. E entregou.

Specialized já era uma referência nos Estados Unidos. Aqui no Brasil virou um bem mais que isto, principalmente pelo trabalho os irmãos Dranger. O primeiro responsável técnico da marca fui eu. Logo depois a responsabilidade passou a Daniel Aliperti que tinha acabado de voltar de um dos mais respeitados cursos técnicos de mecânica dos Estados Unidos e trabalhava tudo com detalhes que beiravam a F1. Eu fiquei com o treinamento e atendimento a público.
Outro detalhe, ao contrário de muitos que trabalhavam dando um jeitinho fiscal, tudo na Specialized foi feito no estrito da lei, o que tornava as bicicletas mais caras que a concorrência e, por sua vez, dificultava as vendas.

O primeiro foco de vendas foi para a elite. Como ação promocional juntaram a Specialized com o Rubaiyat, um dos restaurantes mais sofisticados de São Paulo, para fazer um passeio noturno por semana pela cidade acompanhados por vários guias previamente treinados, um carro a distância com água e sorvetes. A ideia foi convidar 30 pessoas escolhidas a dedo por passeio que começava com uma recepção no Rubaiyat Faria Lima regada a deliciosos petiscos, alguma bebida, enquanto eu revisava todas as bicicletas, e terminava num maravilhoso jantar oferecido por Berlamino, dono do Rubaiyat. Não foi só um sucesso, explodiu. Acabou gerando uma matéria de uma página na VejaSP, então publicação de grande público na cidade. Não me lembro quanto tempo durou, mas teve que ser suspenso por causa do enorme sucesso e repercussão. No último passeio foi servido exatos 100 jantares, maravilhosos. Não houve forma de controlar. O impacto não só no meio das bicicletas foi enorme, a ciumeira também.

A razão para a venda de 20 conteiners foi um acordo realizado com o Free Shop. As bicicletas, Hard Rock, eram vendidas por US$ 330,00, sem impostos. O sucesso foi total e durou uns dois ou três anos, até que Luiz fez um acordo com Tito Caloi para a fabricação delas pela Caloi. De novo o sucesso foi total.
O negócio tinha crescido demais e tinha entrado num outro patamar, financeiro inclusive. Os Dranger não tinham condições financeiras para seguir crescendo como era necessário, foi a explicação de Luiz. Os irmãos foram aos poucos passando tudo para a Caloi. A princípio a Specialized - Caloi foi um sucesso, pelo menos até as vendas da concorrente Caloi Aluminun cairem tanto que Bruno Caloi pai, dono e quem mandava no pedaço, mandar parar a operação. 

Luiz também foi o responsável por trazer a Cactus Cup para o Brasil, uma prova criada pela Specialized que acabou servindo de referência internacional de como promover e realizar provas de mountain bike.

Terminado os tempos de Specialized, Luiz parte para os Estados Unidos e consegue trazer para o Brasil a Power Bar, barra energética de cereais, a primeira do mercado, a que vai abrir as portas para um mercado milionário mundo afora. Exatamente como com a Specialized, todas as ações foram cuidadosamente planejadas e executadas. O resultado não veio por diversas razões. O produto, barra energética criado para esportistas de ponta, Power Bar, era completamente desconhecido no Brasil, aliás, ainda uma novidade mundo afora. O investidor no projeto Brasil, pessoa conhecida, respeitada e de sucesso no mercado de alimentos, apaixounou-se pelo produto e perdeu a razão, com ele o tino e o bom senso comercial. E para finalizar, no meio de uma operação comercial bem complicada, o dolar dobrou. 
O tranco para Luiz foi grande. Até então toda sua vida de administrador fora só sucessos. Mesmo acostumado a lidar bem com contratempos, a sequência em cascata de problemas de todo tipo na operação Power Bar foi uma loucura. Eu trabalhei no projeto e sei bem, resumo muito a história aqui. Ali aprendi que nunca se pode confundir paixão com negócio.

Passado o desastre, Luiz continuou procurando novos negócios, mas um acidente de bicicleta acabou mudando sua vida. Eu estava junto. Tinhamos terminado a tarde num bar conversando com amigos. Luiz bebeu além da conta. Pedi para ele não voltar pedalando, e disse que estava bem. No único momento que tirei os olhos dele bateu contra um carro estacionado. 

Luiz foi praticamente um irmão para mim. Aprendi muito com ele, muito mesmo. Não tenho como agradecer.
Deixa um filho, Fernando, Nando. Tem dois irmãos, brilhantes também, Cao e Beto. De certa forma os Dranger deveriam servir de exemplo para o Brasil que poderia dar certo se olhasse mais para quem merece ser olhado. 

Daniel Aliperti: Um mito em nossas vidas. O cara que me conectou com a Specialized, com quem continuo.

Pouquíssimos fizeram tanto pela bicicleta no Brasil quanto Luiz Dranger. Não digo isto como um quase irmão, mas como alguém que aprendeu a separar emoção de realidade e que a 40 anos está mergulhado nesta história.

Luiz, apaixonado por automóveis, indo para a fábrica da Specialized em Morgan Hill, California


quarta-feira, 8 de maio de 2024

Você acha que tem problema? Olhe para o Rio Grande do Sul

Andou quebrando tudo, uma coisa em seguida da outra, quabrando sem parar, um mês, sem parar. Adianta ter um ataque histérico? Resolve? Definitivamente não resolve. Só piora, mas cá estou eu, um histérico controlado espumando pela boca. Chuveiro, dentista, exames pernas, óculos multifocal que arranhou, bicicleta quebrou, geladeira... , um problema atrás do outro e, muito pior, minha conta bancária indo para o espaço.

Um problema atrás do outro? Ataque histérico?

De fato, tive não um mês, mas um mês e meio de um problema atrás do outro. Iniciei o texto um pouco antes das chuvas e o desastre que o Rio Grande do Sul está sofrendo.
Um problema atrás do outro? Ataque histérico? Só posso estar brincando. "Cada um sabe de suas dores". O que? Como assim?

Tenho grande carinho pelo Rio Grande do Sul desde a primeira vez que passei por lá por volta de 1964. Não tenho palavras para dizer como estou me sentindo com as imagens, os depoimentos, as reportagens que não param de chegar sobre a devastação causada pelas enchentes. A bem da verdade, não acho honesto, e não sei se esta é a palavra certa, dizer que tive um problema atrás do outro. Para de reclamar mané!
Olho no espelho e vejo um abençoado. Fico parado em frente a meu reflexo e sinto vergonha, por toda minha vida fui um privilegiado.

Sobre ataque histérico afirmo que cada vez que tenho um, e tive muitos pela vida, sou jogado ao pior dos infernos. Felizmente não tenho a mais remota dúvida que histeria é mais que ridícula, é profundamente improdutiva, quando não destrutiva.

Estou num cruzeiro onde boa parte dos passageiros são brasileiros. Se estão aqui é porque fazem parte da elite do Brasil, ou não teriam a menor condição de pagar por isto.
A conversa de alguns deles está sendo dura de engolir. Começou com uma reclamação sobre a programação do cruzeiro que, segundo eles, "é toda direcionada para os americanos". Traduzindo, nenhum destes brasileiros fala inglês. Detalhe: viajam neste cruzeiros pessoas de 65 naciolidades, isto mesmo, e só uns poucos americanos, mas como todos falam bem ou mal inglês, fora boa parte dos brasileiros, todos são americanos. Dedução brilhante por parte deles que define muito quem realmente são.
A programação em questão é de shows com músicas internacionais bem conhecidas, de grande sucesso, boa parte clássicos americanos, mais rock, pop music, caribenhas e... e... algumas bossas novas cantadas em inglês, que portanto para eles são músicas americanas. Tom Jobim? Sinatra? Quem?
Ontem o navio fez uma brincadeira coletiva apoiada nas músicas do Queen. Diversão geral, muita gente alegre e cantando, grande sucesso... inclusive para brasileiros - que falam inglês. Segundo os reclamões "foi um absurdo! Eles (navio) não colocam música brasileira".

Me fez muito mal quando a conversa girou para a tragédia riograndense. Os comentários foram de uma total falta de noção do que é a vida real e de compaixão. Não pararam de contar fake news, todas desmentidas por todas mídias, inclusive as que apoiam os grupos de direita.
Os governos são culpados por tudo, sempre. Tudo se resolve num passo de mágica, segundo eles, desde que seja sem a intervenção do estado.
Discurso de direita? Sim, mas sem grande diferença para o fanatismo que ouço com frequência de outros lados.

Segundo notícia do Estadão houve uma diminuição de 78% nos gastos Federais com preventivos para desastres naturais... no governo passado, o terraplanista, e continua mais ou menos a mesma coisa neste que vivemos. Sejamos justos, faz décadas que preventivo não é exatamente a especialidade dos governos, todos, mais aqueles ou aqueles outros. A bem dizer, ninguém neste país se interessa muito por estas besteiras de gastar dinheiro com preventivo, começando pelo esgoto nosso de cada dia.

Qualquer cálculo de serviço público é realizado com base numa média, ou seja, para ser gasto dentro da normalidade, com variações que são calculadas em cima da média  para as ocorrências excepcionais. O que está acontecendo no Rio Grande do Sul está completamente fora da curva, em todos sentidos. O governador teve a honradez de sair a público e avisar a população que o serviço e administração pública não teriam condições de atender uma calamidade desta ordem. Em um dos municípios atingidos a população foi avisada por todos meios que o desastre estava chegando e esta continuou sua vida normal até não ter mais tempo para nada.

O babaca com quem eu estava conversando disse que um bom governo mandaria a polícia combater os assaltos, roubos e outras violências armadas que se está registrando em Porto Alegre. Quando perguntei se a prioridade das polícias deveria ser salvar vidas consegui baixar o nível da besteirada.

Rio Grande do Sul é o 4º maior PIB do Brasil. Tem 497 municípios, com a 6ª maior população. Hoje pela manhã divulgaram que 300 municípios foram gravemente afetados. No final da tarde foi divulgado que 417 estão com problemas. Voltou a chover, ventos de até 110 km/h, amanhã despenca da temperatura. Aviso aos navegantes e aos delirantes: quebrou, acabou. Senhoras e senhores, delirantes de plantão, fanáticos de todas matizes: a senhora de olhar perdido sentada à porta do nada que restou de sua casa numa das cidades que simplesmente desapareceram do mapa é a imagem da realidade que se tem que enfrentar. E teremos efeitos colaterais, muitos, começando pelo preço do arroz e feijão, alimentação básica dos brasileiros, que subir imediatamente. Vai sobrar para todo mundo.

Brasil não sai de seus dramas porque as besteiradas ditas por aqueles e aqueles outros são sempre a solução mágica de todos os problemas.

Os gauchos merecem respeito. Besteirada é o que mais desrespeitoso se pode oferecer nesta ou em qualquer hora. Chega!
Fake news? Que nojo!

J. R. Guzzo, em seu texto do Estadão, é muito mais claro e explícito.





segunda-feira, 6 de maio de 2024

Quanto vale um presente?

Para meu completo espanto, Elisene veio com duas garrafas de vinho dizendo que nunca me deu nada. "Como assim nunca me deu nada? Só pode ser brincadeira" respondi atônito. Elisene é uma das pessoas mais bondosas que tive a benção de conhecer. O que recebi, melhor, o que recebemos dela pela vida não tem preço, pouco importa que ela fique na dela, no canto dela, fale pouco e só apareça quando se faz necessário. Não tem valor que pague o que ela é e dá para cada qualquer um de nós que apareça por lá. As duas garrafas de vinho em sua mão é de uma singeleza infinita.

Poli pediu desculpas, via Miriam, por não oferecer nada? E a maravilhosa conversa? As ricas histórias de sua vida? A conversa que só interrompemos porque há uma hora que é educado paritr e deixar o outro em paz em sua própria casa. Tudo ali, no apartamento dela, não tem preço. Agradável, muito bem decorado que me remete aos melhores momentos de minha vida, aqueles nos quais todos viam um futuro melhor, para todos, sem distinções. Toda vez saio de lá mais leve.

Qual o valor das coisas? E dos relacionamentos? No último livro de Licia está um breve conto, baseado na realidade, onde um senhor cercado no almoço pela numerosa família conta o segredo para manter a união: uma discreta ajuda recorrente. Mesada. 
A possibilidade tirar proveito, digamos receber um presente, dos bons convites para refeições ou viagens que lhe são oferecidas? A pergunta vem com frequência depois de uma sequência de debates na imprensa e mídias a respeito de como estão os relacionamentos nesta era digital. 

Walter Longo, em seu livro "O fim da Idade Média e o início da Idade Mídia", é mais um que afirma, com toda razão, que hoje em dia somos todos mimados. Temos praticamente tudo que precisamos e não precisamos a mão e com uma facilidade sem precedentes, e tudo muito focado no individual, no eu, como se o "nós" fosse coisa do passado. Ele define "Idade Média" como um processo milenar pelo qual se leva em consideração a média para estabelecer padrões. Hoje a intenção é buscar uma individualização tal que acabe por estabelecer o padrão. Resumo da ópera: todo mundo ganha presente, cada um ganhando exatamente o que deseja. 
O livro descreve as maravilhas deste mundo novo baseado na inteligência artificial que individualizará tudo. Teremos o que quisermos na hora e forma que quisermos, o que a bem da verdade já acontece. 

1960. Domingo era o dia de tomar uma Coca Cola. Era uma alegria tomar com hora marcada a única Coca Cola da semana. Tomar duas, três? Só em festas especiais. Pera e maçã eram caras, então só de vez em quando. Sábado pela manhã ia ao supermercado com meu pai e podia comprar uma lata de suco de pessego Yuki, do qual ainda me lembro cada gota bebida. Batatinha frita de saquinho? Upa! Hoje, o número de obesos pelas ruas deixa claro que os tempos são outros.

Quando tirei meus sapatos para me aproximar da garota descalça e com rosto profundamente deprimido abri as portas de uma longa amizade. Bom tempo depois ela me contou que a forma de me aproximar, descalço como ela, simplesmente lhe abriu as portas para sair da depressão e iniciar uma vida nova. Foi um dos melhores presentes que sem quer me dei pela vida.

Um dos meus aniversários passei em Joinville com Valter, Rose e Teresa. No dia ganhei uma caixa de lápis de cor das que se dá para criança pequena, caixa pequena com lápis pequenos e só umas poucas cores básicas. A brincadeira, pequena caixa de lápis de cor, continua até hoje, uns vinte anos depois, na minha mesa. Se tornou um presente inesquecível. Não faço a mais remota ideia de qual foi o presente dito "para valer" que recebi naquele dia. 
Aliás, não me lembro da imensa maioria dos presentes que recebi pela vida.

Yeda, minha querida tia / mãe entregou um embrulho de presente parecido com uma mochila para Renata, que veio até mim, esticou a mão desejando feliz aniversário e me deu. Eu abri e de lá saíram um par de luvas de boxe vermelhas. As duas crianças foram autorizadas por minha mãe para ir brincar no quarto dela. Subimos na cama de casal, cada um vestiu uma luva e sem que tivesse tempo para pensar tomei um muro no meio do rosto e fui literalmente a nocaute. É impossível esquecer a sequência toda, mesmo tendo ocorrido lá pelos meus 4 anos de idade. Presente estonteante.

Chuva, sol, por do sol, amanhecer, vento, mar agitado, um sabor especial... O bom da vida vem nos pequenos presentes inesperados que não tem preço. Ficar parado no meio da Ponte Bernard Goldfarb vendo o rio Pinheiros com o Pico do Jaraguá ao fundo não tem preço. Num final de tarde com o céu alaranjado então... Presente que me dou com frequência.

O que me move foram estes presentes imateriais que recebi pela vida, mesmo os que foram dados com embrulho de presente.  

sábado, 4 de maio de 2024

Lula no vazio e os chatos caducos

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

O estacionamento vazio para a fala de Lula é notícia divertida e alvissareira. Para bom entendedor esvazia o discurso recorrente apoiado no medo das esquerdas. Perigo do socialismo e comunismo no Brasil? No país do selfie? Crê quem quer ou quem acredita em walking deads. Dá um recado claro para aqueles que continuam estacionados nos anos turbulentos de 70 e 80: acreditem se quiser, estamos em 2024. Mesmo as igrejas, quanto tempo sustentarão seus estacionamentos cheios de vendilhões do templo? Restarão os bobos e fanáticos, mas somos todos humanos e estes são uma menor minoria, um traço social. Felizmente a cada dia mais e mais cidadãos se dão conta que não é este ou aquele, não somos nós ou eles. Se há uma coisa que a paciência de brasileiro não suporta é gente chata, e chamar este pessoal que está ai de chatos é um tremendo elogio. Chega de chato caduco.