segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Natal


1995. Os preparos para o Natal correram mais de dois dias. Minha parte era ir pegando na rua, na padaria, mercado, frutaria, e até no armarinho da esquina, o que minha mãe pedia. E ajeitar detalhes, e antes de tomar banho montar o básico da mesa. Os finalmentes sempre ficaram a cargo da detalhista e muito caprichosa matriarca. Não era um Natal ostensivo, mas sutil, amoroso, maternal, com decoração pontual espalhada pelas salas e um presépio discreto em cima da cômoda do bar, não estilizado, personagens do tamanho de uma mão de criança, Jesus bebe braços abertos, Maria e José ajoelhados ao lado da manjedoura, ela cabeça levantada, olhos na criança, expressão de mãe cuidadosa, Reis magos próximos, uma vaquinha, um carneirinho, alguns patos, galinhas. 

Desci com Biba, nossa gorducha e bonachona beagle, para o último passeio antes da noite feliz. Abri o portão, ela veio atrás com seus passos lentos, girei para fechar o portão e vi o que parecia ser um rato parado no meio da calçada. E soltou um pio, e outro, e era um filhote de sabiá laranjeira perdido ali depois de seu primeiro voo. Biba olhou, torceu seu nariz farejando, e sentou-se desinteressada. "Quieta!" e coloquei lentamente a coleira no chão. Reabri suavemente o portão, contornei o filhote e o fiz sair pulando no sentido do portão aberto. Passou direto pelo portão e por Biba já deitada que acompanhou o passarinho com os olhos e um discreto levantar de orelhas. Contornei-o novamente e desta vez o fiz entrar pelo portão e seguir pulando para longe da calçada. Passeei rápido com Biba e voltei, e lá estava ele desamparado e quieto olhando para nós dois, eu e Biba. "Pelo menos não está no meio da rua. Aqui você vai estar seguro" pensei olhando para ele. Subi e contei a novidade para minha mãe. 
"Temos um passarinho, filhote de sabiá" 
"Que passarinho? Onde ele está? Está bem?" perguntou um pouco sobressaltada
"Está no corredor quieto meio escondido pelas plantas do vazo. Está bem. Deve ter descido do ninho voando e agora não consegue voltar."
"Telefona para a Carol veterinária para saber o que faz"
Seguindo as recomendações preparei a caixa com paninhos que aqueceriam o filhote, mais uma tampa de pote com água e um pedacinho de mamão. Coloquei-a protegida de gatos. O filhote me acompanhava parado, piando vez em quando. Joguei um pano leve sobre ele, peguei-o delicadamente e quando o soltei na caixa fugiu com energia. entrou voando raso por uma porta aberta e escondeu-se atrás de uma caixa. "Seja o que Deus quiser, não vou te estressar mais. Durma bem. Feliz Natal". Subi e dei o relatório para minha mãe. "Noite de Natal, amanha ele voa, nasce para a vida." respondeu ela com expressão esperançosa, mas preocupada. 

Fui para o banho, coloquei uma bela roupa. Apareci na sala e perguntei se precisava que fizesse mais algo. "Pega o gelo e coloca no bar", respondeu minha mãe. A campainha tocou e fui abrir a porta com o balde de gelo ainda na mão. "Feliz Natal. A noite começa bem" disse sorridente minha irmã tirando o balde de minha mão e entregando o bolo de nozes; "Coloca na geladeira" e entrou. Deixamos a porta entreaberta com sua maravilhosa guirlanda pendurada, tradição de família, e foram chegando, entrando, abraçando com mãos delicadas e olhos nos olhos brilhantes. Pouco depois de entrarem coloquei baixinho músicas clássicas natalinas e Jim Brickman. Fireside, define o que foi aquela noite.

Manhã seguinte desci com Biba para ver como estava o pequeno sabiá. Fui recebido por uma furiosa mamãe sabiá piando, cantando, chamando seu filhote não se via de onde. Desimpedi o caminho do filhote, me afastei pelo corredor, e vi a mãe sabiá descer do telhado, chamar insistente o filhote, que saiu de seu esconderijo e se aproximou da mãe. Abri o portão e fui caminhar com Biba, um rápido e preocupado passeio. Voltamos e os dois não estavam mais. Voaram. Subi e contei a boa nova para minha mãe. 
"Meu filho; agora sim, de fato Feliz Natal" e me chamou para um longo afetuoso abraço e beijo. Sentamos juntos e ficamos em comunhão de mãos dadas olhando pela grande e iluminada janela a copa da árvore e o céu azul.

Feliz Natal a todos. 

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