quinta-feira, 2 de abril de 2020

São Paulo vazia, como na minha infância


Está um silêncio... Lá no fundo, bem baixinho, em algum lugar que não consigo identificar está tocando a música símbolo da Disney.  
Não sei como está sendo a quarentena para vocês, mas espero que estejam passando bem. 
Adoro este silêncio. Adoro a cidade vazia, qualquer cidade. Como vivemos no meio da loucura chamada São Paulo quando todos somem, vão para a praia, a cidade fica uma delícia. 

Sou daqueles paulistanos "chiques" que viu e viveu numa cidade muito tranquila. Nasci e vivi até meus 11 anos no meio do Jardim Europa, rua Sofia esquina com rua Alemanha, por onde passavam poucos carros e praticamente nenhum pedestre, a não ser o "homem da capa preta", que não sei se realmente existia, mas sua imagem servia para apavorar criancinhas que não se comportavam bem. Nunca fui ameaçado por aí mesmo aprontando uma atrás da outra, mas ouvia histórias com frequência sobre o "homem da capa preta". Em 66 uma amiga de minha irmã, bela e despachadíssima adolescente, ficou frente a frente com um homem de capa preta que abriu a capa e mostrou seu pênis. Ela teve um acesso de gargalhada e seguiu em frente. Nunca mais se ouviu falar da capa preta nem do broxa. 

Quando criança eu corria para a janela do quarto de minha mãe, que ficava de frente para a esquina, quando ouvia algum motor acelerando rua Alemanha abaixo. Adorava um Rover verde quatro portas que cantava pneus na curva para a rua Bucareste ou passava direto e cantava na entrada da rua Inglaterra. Era minha diversão, me colocava em contato direto com os carros de corrida que via pela TV branco e preto, minha outra diversão. Meu vizinho Edson tinha uma moto Gilera 175, linda, que me arrepiava todo quando acelerava. Jardim Europa era ruas curvas perfeitas para os malucos de então, que eram poucos, passavam muito de vez em quando, quando passavam. Uma tranquilidade. Motorista tranquilo só o nosso padeiro que entregava pão em casa com uma perua Ford Prefect 1948 preta, pequenina, linda, parecendo um brinquedo para minha idade de então. O resto meio a mil. Carros eram então o must, qualquer um, bastando ser carro. Um dia meu pai chegou com uma Romi Isetta e eu tive a brilhante ideia de colocar nossa tartaruga na frente da roda dela. Coitada na tartaruga, minha consciência chora até hoje.
Há uma pequena praça triangular gramada e com arbustos entre a rua Sofia e a Bucareste, esquina com Alemanha. E tinha tia Lígia com seu Chevrolet Bel Air 1951 que não raro dirigindo completamente bêbada ignorava a praça, a guia, as plantas, e passava direto com o carro dando um pulo de cavalo de cowboy que eu achava o máximo. Ela telefonava dizendo que estava vindo e eu ia para a rua assistir o rodeio. Não tinha perigo, tia Lígia com o tranco fazia uma curva perfeita manobrando e estacionando o carro em nossa porta como se nada houvesse acontecido. Não resta dúvida que o Bel Air era um tanque de guerra.
Jardim Europa daqueles tempos, acreditem, era muito menos agitada que a São Paulo de quarentena que estamos vivendo. A bem da verdade era uma bosta para qualquer criança ou pelo menos para mim que não parava quieto. Não tinha com quem brincar, era um deserto, um saco. O máximo que fazia era pedalar meu jeep de bombeiros até a outra esquina e voltar. Numa destas pedaladas conheci Paulinha, que tinha a mesma idade e pedalava um triciclo. Pedalamos juntos algumas vezes, era divertido, mas morreu de sarampo logo depois. Foi bem pesado. Assim que meus pais souberam da trágica notícia me enfiaram no carro e me levaram para tomar a vacina. Nunca mais vi seus pais ou qualquer movimento na casa castelinho que viveram até também morrer.
Paciência, esta São Paulo me lembra minha infância, mas vai passar.
No pré primário do Branca de Neve, 1959,
no centro da fileira de cima, cabelo preto.

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