segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Feliz Ano Novo

Minha ansiedade vai aumentando. Está chegando o Ano Novo, ou ano novo, como queiram. Ansiedade não pela festa de passagem, os fogos de artifício, o estourar da champagne (que eu não gosto), o abraço dos amigos, os votos de um ano feliz e toda esta papagaiada. Estou ansioso porque o "primeiro de Janeiro, o dia mais morto do ano", segundo Tereza, verdade verdadeira indubitável, é também sem a mais remota dúvida o melhor dia do ano para se pedalar. Ruas completamente vazias, silêncio completo, ouve-se passarinhos e com um pouco de atenção roncos com bafo de mé. Dá para deitar no meio da rua e tirar uma soneca. Me lembro dos meus primeiros anos de pedal, final dos anos 70, quando chegava domingo, eu acordava cedo e saía para a rua, e era uma paz... Paz! E não é só o não ter carros circulando e toda a tranquilidade que isto dá, é não ter ninguém por perto; solidão abençoada, pelo menos por uns momentos.

Aqui em São Paulo este será o primeiro réveillon que o espetáculo dos jogos de artifício da Paulista será silencioso, só cores explodindo, o que é um indício muito promissor. Quem teve cachorro ou qualquer bicho sabe bem o estrago que o tiroteio de fogos faz. Em nome da passarinhada, que toda meia noite de ano novo era a primeira coisa que me vinha na cabeça, agradeço. Ainda vai demorar um tempo para o povão aderir, mas estamos caminhando.
Falando nisto, tenho uma goiabeira num pequeno vazo que está na hora de ser plantada numa praça. Será hoje. Despedida de um ano velho muito estranho e triste, muito triste. E votos de muitas goiabas bicadas por passarinhos, além da esperança que os goiabas podres caiam. 

Faz um bom tempo passei o ano novo em Ilha Bela. Acordamos cedo cedo e fomos pegar pão e leite para o café da manha da família que estava dormindo. A pequena cidade e suas estradinhas estreitas para o norte e sul que no dia anterior estavam intransitáveis, infernais, estavam vazias, quietas, uma delícia, paraíso puro. O centrinho já estava praticamente todo varrido, limpo, brilhando, o que nos foi uma gratíssima surpresa, um indício palpável que aquele poderia ser um ótimo ano novo. Varrer a sujeira é tudo que este país quer. 

Feliz Ano Novo a todos - literalmente.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Ainda estamos no "precisamos pensar na segurança do ciclista"


Olhe bem esta imagem. Esta ciclovia (?) na rua Natingui tem um quarteirão, começando praticamente, eu disse “praticamente”, na Av. Pedroso de Moraes e terminando na rua Vupabussu, num trecho de rua onde passa um carro por ano..., ok, dois. Ok, meu exagero, três. Foi feito um alargamento da calçada para a instalação da ciclovia e pelo que sei o projeto pretendia que isto seguisse em frente até a rua Sumidouro. Quem vem pela Pedroso de Moraes praticamente não vê a ciclovia. Passado um quarteirão o caminho para o ciclista segue pela direita das ruas Costa Carvalho, Sumidouro, Eugênio de Medeiros, e finalmente Capri, terminando no bicicletário da Estação Metrô / Terminal Pinheiros. Foi implantado um pouco depois do afundamento do viaduto na Marginal Pinheiros e tinha como intenção tentar diminuir o trânsito local. Não fez diferença, mas isto é outra história, para um outro momento.
Como se vê pela foto a curta ciclovia está à esquerda da rua Natingui e sua continuação se faz pela direita da rua Costa Carvalho, ou seja, obrigando o ciclista a fazer dois cruzamentos para seguir sua viagem. Por isto o banner. Não sei quando, mas não faz muito tempo penduraram esta sinalização "ciclista, pare, atravesse na faixa desmontado" (estes dois cruzamentos - não escrito e imagino eu que seja a intenção). Sabe quando isto vai acontecer?

Volto no tempo: quando tivemos a reunião de apresentação de lançamento da Ciclo Faixa de Domingo, isto em 2007 ou 2008, foi dito que todos cruzamentos estariam sinalizados informando que os ciclistas deveriam cruzar desmontados. Era o tempo que a representante da CET SP respondia tudo com um "precisamos pensar na segurança do ciclista". Eu tirei um sarro sem tamanho do "cruzar desmontado" e disse que eles (CET) não faziam a mais remota ideia de quem eram os ciclistas, e acabei um pouco mal visto. É óbvio que os ciclistas não tomaram conhecimento da sinalização seguindo em frente montados e pedalando. Umas semanas depois os patéticos banners plásticos impressos desapareceram da Ciclo Faixa de Domingo com direito a boa matéria nos principais jornais. Como foram recolhidos um monte destes banners vai ver que este na foto ainda é daqueles e a CET está tentando dar bom proveito ao dinheiro gasto.

É triste ver que passada mais de uma década e milhares de ciclistas/dia circulando o pessoal da CET SP ainda não faça a mais remota ideia de quem ou o que é um ciclista. Mais triste ainda é saber que esta sinalização serve única e exclusivamente para proteger a CET de possíveis processos na justiça. Diminuir acidentes se faz entendendo a realidade existente, não colocando goela abaixo soluções irreais.


Ainda naqueles tempos passados, Michael King, americano e um dos papas das mobilidades ativas, deu uma palestra no Mackenzie lá pelos 2007 onde mostrou que quem determina os caminhos a pé ou pedalando é a própria vontade do povo, não a das autoridades. Talvez em países de alto nível educacional e onde as autoridades sejam respeitadas a coisa seja diferente, mas no meio desta baderna que vivemos onde a autoridade praticamente não existe definitivamente não é, ponto final. Voltando, King mostrou dezenas de slides e gráficos que comprovam o que se vê em qualquer calçada, praça, gramado, incluindo o da Esplanada dos Ministérios de Brasília, que é ótimo exemplo e foi mostrado, que os caminhos do povo são os mais lógicos, mais rápidos, mais curtos, não os que as autoridades impõe e não fazem sentido. Sentada na cadeira em frente estava "precisamos pensar na segurança do ciclista" e Sérgio Luis Bianco, sentado ao meu lado, e eu ouvimos um claro "É um idiota (Michael King). Não sabe o que está falando!". Sim, claro, depende do ponto de vista. Estávamos numa cidade (São Paulo, 2006) onde morriam 1.500 por ano no trânsito, sendo 750 pedestres, só. Sem dúvida, "precisamos pensar na segurança..."

Não há o que discutir, basta olhar o comportamento do povo caminhando ou dos ciclistas pedalando para ter ideias de como melhorar a segurança no trânsito. É preciso trabalhar com o corriqueiro e não impor verdades técnicas. Um pouco de pedagogia, de Paulo Freire, ou de qualquer educador que tenha trabalhado e conseguido resultados com o povão. 

Brasil é um dos campeões mundiais de morte no trânsito porque as autoridades fazem questão de impor engenharias de tráfego que não têm diálogo com a vontade do povão. Tipo? Tipo o ponto de ônibus sempre movimentado está do outro lado da rua, mas a faixa de pedestres está a 50 metros de distância. Onde? Tem aos montes pela cidade, mas o mais emblemático é que que fica na av. Pedro Álvares de Cabral em frente a uma das saídas do Ibirapuera. Outra: muitos são atropelados cruzando a estrada exatamente embaixo da passarela. “São uns idiotas” eu já ouvi, mas não se pergunta porque não cruzam pela passarela. Um dia um técnico quis saber, conversou com o povão e resolveu a questão, e as mortes diminuíram drasticamente no local. E é assim que se faz. O fato é que do ponto de vista jurídico faz todo sentido usar o CTB à risca. Do ponto vista prático o resultado pode ser a continuação do banho de sangue. Neste sentido e contexto, “Ciclista, pare, atravesse na faixa desmontado" é piada de mau gosto. 

Só teremos segurança no trânsito para todos quando as autoridades começarem aplicar técnicas modernas de pedagogia onde o resultado parte do ignorante para o conhecimento e não o contrário. Se faz urgente educar o povo e isto não aconteceu, não acontece e tudo indica que não acontecerá de cima para baixo. Educação é inteligência e só existe dentro da inteligência.

Mingau quente se come pelas bordas, ou queima a boca.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Feliz Natal

Feliz Natal a todos

Com ansiedade o menino foi carinhosamente agasalhado pela mãe enquanto olhava pela janela do quarto a rua tranquila. Segurando delicadamente o queixo do filho e olhando nos olhos enquanto penteava seu cabelo pediu "Na casa de seu bisavô você vai se comportar bem. Brinque com seus primos, mas com calma. Nada de correrias no meio dos mais velhos" O Natal de 1959 foi numa noite paulistana atípica, fria, muito fria.
A casa dos bisavôs era grande, assim como a família. A porta estava destrancada, foi aberta, a mãe segurou pelo casaco o filho que já disparava para os primos; ele esticou os braços e livrou-se do casaco, subiu a escada correndo, e no pequeno jardim de inverno com seus vidros coloridos em frente a escada deu com o pequeno Papai Noel mecânico, um pouco menor que ele próprio, que fazia movimentos cíclicos curvando-se em boas vindas, a árvore que quase encostava no teto toda decorada piscando e o precioso Presépio cuidadosamente arrumado ao seu pé. Parou admirado e aí ficou por uns instantes. Lembrou-se do Presépio que armara junto com a mãe e irmã no topo da escada de casa. O burrinho ao lado da manjedoura de Jesus que via naquele momento lembrou o irmão mais velho sempre atencioso e brincalhão fazendo caminhar burrinho, vacas e ovelhas enquanto montavam o Presépio, provocando risos na mãe e irmã; e por instante aquietou-se. Olhou para o menino Jesus aconchegado como que pedindo alguma benção, mas ainda não sabia bem para que ou por que. Quando deu a volta ficou de frente para a lotada festa, abaixou a cabeça procurando os primos entre as pernas dos adultos e sem vê-los saiu correndo sem direção. 
A história foi lembrada dentro do carro que cruzava a av. Paulista pouco movimentada para um Natal naquela hora da noite. Entre os três havia esperança de ver luzes e decorações típicas, mas nada. "Éramos uns 150 naquela casa, não mais. A sensação de mais gente é porque éramos crianças, você era muito pequeno. De qualquer forma era muita gente, era uma grande festa, um belo Natal". As crianças brincavam, corriam, eram contidas pelos adultos no porão e pátio da garagem, o que nem sempre funcionava como desejavam. Jovens e adolescentes se concentravam em pequenos grupos na sala da frente e na longa escadaria de madeira que levava ao segundo andar e corria paralela à escada de entrada. Sala principal e a sala de jantar ficavam apinhadas de pais, tios, avôs, e os bisavôs, ainda vivos, lúcidos e imponentes sentados em suas imensas poltronas. Num determinado momento acontecia a troca de presentes, logo depois o jantar, mas não pareciam ser os acontecimentos mais esperados. Queríamos nos ver, conversar, brincar, estar juntos. Podíamos até brigar, mas queríamos estar juntos. Éramos uma família.
Foram-se os bisavôs, restou a casa sem as reuniões nem o Natal.
O Natal passou a ser uma comemoração mais intimista, dos núcleos familiares que se reuniam em novas casas. Alguns faziam uma peregrinação de casa em casa, de família em família, procurando manter a magia do passado, procurando momentos de paz e união, alguns mais religiosos, outros amistosos ou familiares, sempre com gosto de Natal. 

Com o tempo São Paulo foi se acendendo, a festa do Natal ganhando corpo, até chegar a um frenesi completo como se em volta da manjedoura, ou por causa dela, por uns dias acontecesse uma revolução. No meio da confusão generalizada encontrava-se amigos e familiares que há muito não se viam, o que também fazia parte da bagunça e resgatava um pouco do espírito do Natal. As decorações foram ficando cada ano mais sofisticadas, chamativas, imponentes. As ruas ficaram entupidas de carros com crianças que mais que ver o Natal queriam bagunçar dentro do carro enlouquecendo seus pais. O fechamento das lojas foi estendido até pouco antes do horário da ceia para o sucesso das vendas. O que interessava aos compradores eram os sorteios, os mais diversos relacionados ao número de cupons trocados depois das longas filas do caixa. 

2019: Nunca se viu uma avenida Paulista tão apagada num Natal. Nunca se viu uma São Paulo tão sem graça. Ironia ou reflexo de um Brasil que está nas mãos de ditos religiosos?
Como sempre fazemos, saímos em grupo pedalando para ver um pouco do Natal. Voltamos frustrados. E felizes de pedalar em ruas tão tranquilas.

O singelíssimo Presépio feito de papel brilhante pousa sobre uma mesa. Traz inúmeras recordações, faz pensar nos pequenos, netos que ainda creem em Papai Noel. Nas crianças, nos pobres, nas barracas armadas na calçada da Paulista que servem de abrigo para a noite de chuva fina e fria. Como terá sido o Natal dos avós e bisavós deste pessoal?
Olhar fixo no singelo Presépio penso neste Brasil e tenho duas pinturas na cabeça, "Descanso na fuga para o Egito", de Gerard David, e "Cristo Expulsa os mercadores do Templo" de El Grego.





terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Ou eu ou as bicicletas

Ontem foi aniversário de meu caro amigo Valter, um apaixonado por bicicletas. Faz muito tempo ele teve uma namorada que um dia ousou indaga-lo "Ou eu ou as bicicletas!". Sem responder, sem mudar a expressão, levantou-se da sala onde tomava calmamente seu cafezinho com bolo de fubá, foi até o quarto dos dois, pegou uma mala, abriu as gavetas, cuidadosamente colocou as roupas dela na mala, fechou-a, passou em silêncio e tranquilo pela por ela, desceu a longa entrada dos carros, abriu o portão, colocou a mala na calçada, deixou o portão aberto, voltou sereno e impávido, sentou-se e continuou tomando seu cafezinho com delicioso bolo de fubá sem dizer palavra ou mudar de expressão. Foi-se a namorada.
Logo depois da saída da namorada ele me ligou e com a voz de todo dia me convidou para tomar um cafezinho fresco, comer o delicioso bolo de fubá que só ele sabe fazer e ver um farolete que estava restaurando. Só depois de tudo servido e deliciado e em meio a conversas triviais sobre bicicletas ele contou o ocorrido. Quase caí da cadeira de tanto rir, principalmente porque ele não moveu uma ruga de constrangimento ou pesar, e olha que ele gostava da moça.

Nunca cheguei a tanto, nem ouvi o "ou eu ou a bicicleta", pelo menos não me lembro ou não quero lembrar, mas passei bem perto de me colocaram esta questão simples de responder. Creio que teria sabedoria para dizer calmamente e sem rodeios "OK, sem sombra de dúvida as bicicletas". Eu e minhas bicicletas e você e as tuas, isto se quiser! Soy macho, muy macho! Ou a coisa teria parado na justiça como disputa aquelas brigas pelo cachorro ou gato da casa. Garanto que seria uma luta feroz, afinal bicicleta não caga nem solta pelos! 

Não faço a mais remota ideia de quantas bicicletas já tive, mas sei que é um número um tanto irracional. A família até me mandou para tratamento e só a segunda psicóloga me aceitou. A primeira disse que eu ultrapassava sua capacidade e conhecimento e recomendou que eu fosse internado (literalmente). "Ou as bicicletas ou você vai internado". Sem minhas bicicletas jamais! Família, mulher e amigos apavorados com minha reação acharam melhor mudar para um "Ok, tá tudo bem, pode ficar com as bicicletas. Você quer mais alguma coisa? Um Chicabom?". 
Força do vício (e da insanidade) mais uma vez em minha casa só falta ter bicicleta em cima da privada, fogão e minha cama. Pequeno exagero, mas está quase. Tem uma no box do chuveiro. Fico ofendido toda vez que me perguntam quando foi o último banho que tomei. Antes de dormir tenho que ajeitá-las para deixar um caminho entre o quarto e o banheiro, o que é ótimo porque nesta rearrumação diária acabo fazendo academia. Como a cozinha fica lotada durmo com uma caramanhola entre as pernas. Por favor, não tirem conclusões erradas. Se o colchão amanhecer molhado foi a caramanhola que vazou. Fraldão não! Bermuda de ciclismo! Posso estar velho, mas ainda tenho dignidade! Só minhas bicicletas me entendem.
Contei no outro blog (https://escoladebicicletacorreio.blogspot.com/2019/10/revivendo-duas-bicicletas-mortas.html) que comprei uma Haro Impasse feminina linda que mui provavelmente iria para o lixo e a recuperei. Aliás, preciso pedalar um pouco com ela; ainda falta uns ajustes. Faz dias estou com uma Soul que acabo de ressuscitar pela segunda vez, a primeira depois de meses na mão de bike couriers (bicicletacidas!) e agora pela segunda vez porque ficou abandonada por quase dois anos. Seu ex-dono foi também intimado pelo "eu ou a bicicleta" e, acreditem, está casado. Os amigos quiseram interná-lo. A Soul desolada foi deixada para trás pelo cônjuge, cá entre nós e sem fofoca, que sua senhora não me ouça, saudoso do pedal. Que seja, mais duas bicicletas em minha casa. Pedalo todas elas, umas mais, outras menos, mas todas recebem a justa e merecida atenção. Faz um bom tempo entraram mais outras: uma Ceci a espera de restauro, uma Cruiser Ventura... Bom, esquece. Não, não me peça para contar quantas bicicletas são, muito menos quantas foram. 

Quem conhece cachorro sabe que eles são o reflexo mais perfeito de seu dono porque mostram o mais profundo da alma. Com bicicleta é igual. O problema é que tenho muitas e amo todas. Se bicicleta é reflexo do dono serei eu mulherengo? Preciso entrar no ATA (Associação dos Tarados Anônimos)? Não vou cair na besteira de entrar nesta seara porque aí não terei direito sequer ao "ou eu ou as bicicletas". Separar da mulher é fácil, das bicicletas definitivamente não.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Atropelamento da senhora na rua estreita e de pouco trânsito

Ontem voltando para casa e distraído bati com a bicicleta numa senhora. Eu acabei no chão e ela não chegou a cair, de qualquer forma eu atropelei alguém e fiquei apavorado. Demorei muito mais para me acalmar que a senhora que repetia sem parar "Não foi nada, estou bem. Amanha fica roxo (o joelho), mas estou bem". Depois de um bom tempo com a senhora e vendo que estava bem, deixei meu endereço e me fui. Hoje passei lá para ver como está, mas não encontrei ninguém. Enquanto não tiver boas notícias fico sossegado. 
O acidente aconteceu numa das ruas estreitas e de pouco movimento que estão entre a rua Sumidouro e a Paes Leme e ligam o Terminal Pinheiros ao Largo de Pinheiros, neste sentido de circulação dos veículos. Sempre passo por lá para evitar descer a Paes Leme pela calçada que sempre tem algum pedestre mesmo a noite, até porque SESC Pinheiros e o agitado Remelexo ficam aí. A maioria dos ciclistas descem na contramão da rua ou pela calçada pouco se importando com os pedestres ou a apertada rua da Paes Leme de trânsito pesado. 
Moro próximo ao Terminal e para voltar para casa ou respeito a mão de direção e desço pela rua Sumidouro junto com os ônibus e todo trânsito rápido, o que é tenso e desagradável, ou vou pelas ruazinhas paralelas e calmas. Por incrível que pareça, ou seguindo a lógica estabelecida, não há uma ciclovia ou ciclofaixa ligando a ciclovia Faria Lima com o Terminal Pinheiros. Ou, bem verdade, há. O ciclista passa o Largo de Pinheiros, pedala mais uns 1.000 metros, 1 k, até a rua Natingui e lá vai pegar primeiro a ciclovia sobre a calçada de um quarteirão para depois seguir pedalando até o Terminal por sei lá o que faixa branca sinalizada com proibido estacionar e parar, que não é  ciclofaixa (pelo CTB, mas é ciclofaixa, ou deveria ser). Detalhe: quando você chega na esquina da Eugênio de Medeiros com a rua Capri havia uma placa dizendo para desmontar da bicicleta e seguir empurrando até o Terminal, o que obviamente ninguém nunca fez. Uma longa volta sem sentido.
O caminho reto, portanto mais curto, é descer a Paes Leme. O mais calmo, agradável e civilizado é descer pelas ruazinhas, caminho que poucos conhecem. A questão é que em alguns trechos estas ruazinhas são muito estreitas e para carro e bicicleta cruzarem o ciclista tem que ir para a calçada, e foi aí que toquei na senhora, ou atropelei, o mais correto.
Pedalo pensando a segurança do pedestre. Estou em cima de bicicletas faz mais de 40 anos e até ontem sei quantas vezes encostei, repito - encostei num pedestre: 3 vezes. Infelizmente neste meio tempo assustei alguns tantos o que me incomoda e muito.

A foto ao lado é de uma rua estreita em Paris, uma solução simples aplicada em várias ruas europeias que funciona perfeitamente. A Via Amarela, responsável pela linha do metro que passa aqui em Pinheiros me procurou faz alguns anos para saber o que fazer para encher o bicicletário do Terminal Pinheiros. Propus que se negociasse com a CET SP a transformação das ruazinhas nos mesmos moldes das de Paris ou as ruas acalmadas de Amsterdam. Nunca tive retorno, provavelmente me acharam um louco.

Hoje fui três vezes à casa da senhora para saber como ela está, mas ninguém respondeu. Espero que esteja bem.

Numa madrugada que voltava pela rua Paes Leme dei com um corpo estendido no meio da rua exatamente de frente para um puteiro que ainda funcionava. Estava vivo, cheirando a cachaça e dormindo profundamente. Chamei a Polícia, que não demorou a chegar. Puxaram o corpo para a calçada e perguntaram para as meninas que olhavam da janela o que tinha acontecido. Sem constrangimento responderam em coro que ele entrou muito bêbado, começou a criar problemas, acabou dormindo no salão, e quando isto aconteceu foi arrastado escada abaixo e largado no meio do asfalto. "E se fosse atropelado?" perguntou um dos policiais; "Num tropela não. Os carro desvia. A gente tá olhando".

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Quanto mais sei mais sei que nada sei

A primeira imagem que vi de um 
V brake, publicada na Bicycling
em 1993. Então novidade total.
Um dia Tomas Rose apareceu com uma revista alemã especializada em bicicletas que trazia um teste comparativo entre uma dúzia de freios Vbrakes, novidade então. Coisa de alemão. Mesmo gostando de ler e me informar nunca me havia passado pela cabeça todas as variantes que aquele teste alemão expunha. Comparavam o poder de frenagem de um Vbrake com um determinado aro, depois com outro, e outro mais e tabulavam tudo. Aí comparavam Vbrake com um manete, depois com outro e outro mais e tabulavam. As a sapatas eram trocadas e tudo de novo. Colocaram a variante de terreno, asfalto, terra batida, cascalho... ciclista normal, esportista, tudo tabulado, tudo comentado. Nunca tinha visto nada igual.

Conhece o https://www.sheldonbrown.com/? Abre. A primeira vez que abri senti que depois de tudo que fiz para aprender algo nesta vida ainda sou um analfabeto funcional, não faço a mais remota ideia do que é uma bicicleta. Quanto mais sei, mais sei que nada sei.

Tenho uma formação bem eclética o que me deu uma vantagem grande para conseguir entender e consertar uma bicicleta, que aliás é uma máquina muito simples, literalmente básica. Depois da uniformização dos padrões de medidas e ajustes (anos 80 e 90) tudo ficou muito mais simples ainda e virou brincadeira. Os manuais técnicos são muito fáceis de serem entendidos e trocas de peças e ajustes são realizáveis por qualquer um com um mínimo de habilidade, paciência e vontade. Eu sou qualquer um, não passo disso.
A diferença que tenho para a maioria, e não só eu, é que tenho tempo para fazer as coisas. E minha curiosidade e o não aceitar com facilidade regras e normas me fazem mexer e remexer, algumas vezes até quebrar de vez para compreender um pouco mais profundamente como funciona e o que pode ser feito para melhorar. E aqui tenho que defender os mecânicos profissionais, mesmo os melhores e mais curiosos: eles precisam ganhar dinheiro, tempo é dinheiro, não dá para ficar dando jeitinho, realinhando e trocando as polias de um câmbio traseiro para estender sua vida útil, desamassar um aro, fazer voltar funcionar um passador de marchas meio travado... Se fizerem isso vão à falência. Trocar uma peça é mais rápido e lucrativo. Também não chegam ao ponto do jeitinho porque são poucos os que vão dar real valor ao minucioso trabalho. A maioria vai sair feito pedalando sem cuidado, vai arrebentar o conserto feito com amor, e ainda vão voltar para bicicletaria e colocar o dedo no nariz do mecânico pedindo uma peça nova grátis.

Tudo é uma questão de educação. Quanto mais educado se é, mais curioso, menos seguro das verdades. Quanto mais educado mais valor se dá a finesse. 

Temos 12 milhões de desempregados, mas o mercado não consegue preencher as cada dia mais numerosas vagas disponíveis por falta de mão de obra especializada, leia-se minimamente qualificada.
Muitas das vagas de trabalho, destas normais, sem grande especialização, não são preenchidas porque o pessoal quer começar por cima, quer moleza, está interessado num bom salário e ponto final. Neste sentido e dentro do espírito nacional os detalhes são chatice completamente dispensável. 
Nos falta educação para entender que são os detalhes que fazem qualquer coisa funcionar bem.

Ter tudo pronto, não duvidar, não experimentar, ter medo de errar, ou pior, não querer errar, não tentar de novo, não insistir, é tiro no pé. 

Aceitar que não sabe nada é o caminho para a verdadeira liberdade. Experimente.
Quanto mais sei, mais sei que nada sei.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A descida do Pedal Anchieta 2019

O Pedal Anchieta 2019 foi muito mais divertido que o do ano passado. Para começar não ter aquelas barreiras que ninguém me tira da cabeça que eram caixas de retenção para controle de fluxo. Fluxo livre funcionou perfeitamente. O único ponto que parou e todos tiveram que empurrar foi num estrangulamento da Anchieta um pouco antes da VW, mas aí há um problema de engenharia, uma pilastra de ponte para lá de esquisita estreitando o caminho, e não situação provocada pela organização. Também resolveram de maneira inteligente a entrada em Santos, que no ano passado obrigava a massa de ciclistas a seguir pela estreita ciclovia do canteiro central provocando congestionamento. Este ano a CET Santos interditou para os ciclistas a avenida Visconde de São Leopoldo no sentido Valongo - Anchieta, medida para lá de sábia. Tirando a descida pela Imigrantes, que foi loucura total, um show de irresponsabilidade e falta de civilidade, tudo correu muito melhor que eu esperava.

Em São Paulo a presença da CET foi bem menor que no ano passado. Os primeiros km na Anchieta, da Estação Metro Sacomã até o km 9,5, início oficial do passeio, a presença da CET SP foi muito discreta e restrita aos cruzamentos. Todo resto foi feito por colaboradores uniformizados com coletes. Passei pelo Metro Sacomã exatamente às 7:30 h, meia hora mais tarde que no ano passado, e a fluidez parecia indicar que teríamos menos ciclistas no passeio. A mesma sensação que nos primeiros km já da estrada Anchieta. Ledo engano. Fluidez espalha o pessoal o que dá uma falsa sensação de ter menos gente pedalando. A imprensa deu 40 mil, bem possível. Fora o pequeno trecho de estrangulamento causado pela pilastra, fluiu bem até Santos, o que é um imenso prazer.

Quem acompanhou a organização deste Pedal Anchieta 2019 sabe que até o último minuto havia incertezas sobre se e como aconteceria o evento. Pasqualini e o grupo Bicicreteiro assumiram a organização e no final das contas realizaram um ótimo evento. Levantou-se muita poeira, falaram muitas coisas, discordaram sobre a organização e as posições, mais uma vez dividiram. A sensação é que o personalismo segue firme e forte. Somos o Brasil do "sabe com quem está falando" que é repetido por todos e de todas as formas, mesmo as que não parecem ser. 

Não há dúvida que ninguém mais consegue parar este evento nos próximos anos, mesmo que queira. Pelo que me contaram sobre as reuniões com as autoridades, em especial as do Governo do Estado de São Paulo, houve uma má vontade sem tamanho para tentar melar o evento. Até entendo e de certa forma concordo com a posição do Doria e sua tropa em querer que eventos de lazer e esportivos sejam organizados e pagos pela sociedade civil, mas no caso específico da bicicleta ainda não dá para pensar desta forma. Não só não dá, não é inteligente pensar assim. Cicloturismo é uma novidade que cresce rapidamente e quase sem controle e não se pode cair na mesma burrice do passado de negar a realidade. Por outro lado, a bicicleta querendo ou não faz parte do futuro, é a base da mobilidade ativa e deve ser vista como investimento principalmente pelas autoridades. Doria é inteligente e deve saber que não dá mais para negar ou fazer corpo mole neste ponto. Que seja inteligente e não cabeça dura.


O fato é que o Pedal Anchieta de 2020 tem que começar a ser organizado desde já. Não dá para ter tantas incertezas e confusões como as que tivemos este ano. Não dá para ficar na mão de um ou de uma ONG, mesmo que estes tenham mais que boa vontade e força de trabalho. O Poder Público tem que estar presente e atuante porque é ele que estabelece e regulamenta a política de transporte, lazer e esporte.
O Pedal Anchieta 2019 não só saiu, como foi muito bom. Mas concordo com Vera Penteado: não se pode usar as palavras largada e desafio num evento que é um passeio de lazer. Não se pode dar qualquer trela a maluco e gente sem noção das coisas e ou civilidade. Uns poucos não tem direito de criar problemas para a maioria ordeira e principalmente para uma causa para lá de justa e necessária. É saída e é passeio. Deixemos “largada e desafio” competições.

Uma coisa me intrigou: O que estavam fazendo alguns PMs com metralhadoras no meio caminho? Qual o propósito? Qual a razão? Para que fim? Por infeliz ironia do destino na favela Paraisópolis uma ação da PM saiu completamente fora do controle na madrugada do mesmo dia do Pedal Anchieta 2019 deixando nove mortos e mais umas dezenas de feridos. O que aconteceu em Paraisópolis as investigações dirão (espero). O que interessa aqui é o Pedal Anchieta 2019. Se o ano passado tinha muito policiamento, o que é bom, mas não vi metralhadora, que é uma arma intimidatória, para enfrentamento, confronto pesado. Muito estranho, muito estranho.

Fico feliz que não tenha havido nenhuma fatalidade. A informação que tive, do SAMU Santos, foram 52 atendimentos total, 37 casos de trauma e 15 casos de desidratação. Boa parte dos traumas devem sido causados por falta de noção do que é pedalar uma bicicleta, o que é notório num passeio destes. Educação no trânsito de brasileiro é ruim, como provam os números, e não poderia ser diferente com ciclistas. Sobre desidratação, a SABESP esteve presente, poderia estar em mais pontos, mas sair para um passeio longo sem água é completa falta de noção do que é saúde por parte de quem desidratou. De novo caímos na educação, sempre a educação.

A falta de civilidade de todo tipo não poucos tem que ser freada. Três ciclistas abrindo passagem com uma sirene idêntica a das ambulâncias, ciclista uniformizado de um numeroso pelotão uniformizado jogando a caramanhola no meio do mato, pai distante do filho deixando a criança pequena na frente de ambulância, ciclistas decidindo parar no acostamento cruzando na frente de todo mundo sem olhar para trás ou sinalizar, ciclista parado quase no acostamento atrapalhando os que vinham, uns apostando corrida e costurando e, o pior,  uma cambada de imbecis descendo a Imigrantes a milhão apavorando.

Foram vários os acidentes na descida. Passei por um destes quando a situação já estava controlada e depois vi o que aconteceu num filme. O idiota que provocou os acidentes em cadeia não faz a mais remota ideia do que seja pedalar, muito menos descer. No filme fica claro que quando percebeu que tinha cometido um erro, que ele não conseguiria ultrapassar o outro ciclista perto da parede ele simplesmente tira os pés dos pedais mete a mão no freio, capota, e derruba o ciclista que estava à frente descendo tranquilo. Este se machucou. O idiota, que foi filmado, ainda quis argumentar. E enquanto o bate-boca rolava a bicicleta ficou no meio do caminho e os que vieram atrás também foram para o chão.
Se fossemos um país sério o dito cujo idiota seria localizado e responsabilizado criminalmente pelo acidente, mas como estamos no país do futebol de torcida única, ninguém vai fazer nada. Aliás vão: vão dizer que estou louco por fazer um comentário destes. Será? Só lembrando: em 2018 morreu um. Ele foi atropelado por trás e jogado no chão. Não foi o único. Boa parte dos atendimentos médicos de 2018 e deste ano foram causados exatamente pela mesma situação: um louco que veio por trás. É dar muito pano para manga de quem quer melar o Pedal Anchieta, ou vocês acham que as autoridades contrárias ao evento não vão usar isto?

Parabéns aos que fizeram acontecer o Pedal Anchieta 2019. E parabéns a todos, a maioria, que foi lá para se divertir com civilidade.  Até o Pedal Anchieta 2020. 

Meu Pedal Anchieta 2019

Como foi o meu Pedal Anchieta 2019?


Foi assim: 39 km de casa até a primeira ponte sobre a Represa Billings com minha divina bicicleta rodando perfeitamente. Nos primeiros metros da ponte ouvi um estouro e meu selim saiu voando. Recolhi o selim do meio da estrada, que felizmente não derrubou ninguém, e fiz os 45 km seguintes, até a distribuição de água da SABESP logo depois do viaduto da ligação Imigrantes - Anchieta, em Cubatão, sem selim, pedalando em pé. Achei que não iria conseguir, mas cabeça dura que é cabeça dura segue em frente. Parei para encher a caramanhola na SABESP, encostei a bicicleta na barreira como todos estavam fazendo, um outro ciclista encostou a bicicleta dele na minha como todos estavam fazendo, ele encheu a caramanhola antes de mim, pegou sua bicicleta e foi embora. Quando fui pegar a minha estava com pneu no chão, completamente vazio. Fui fazer o reparo e descobri que meu bico de válvula estava cortado na base. "Mas como?". E minha câmara reserva estava com Teresa, que estava sumida e não atendia o celular. Daniel Guth que estava ali também só tinha remendo. Ironia do destino eu nunca saio sem câmara reserva, e de fato não saí, mas a minha estava no alforje da Teresa. Com o sol aparecendo e começando a torrar optei por seguir correndo a pé empurrando a bicicleta com pneu furado, o que fiz por mais 5 km até aparecer o santo Leonardo oferecendo uma câmara nova. Pneu em ordem fiz mais 9 km pedalando em pé, sem selim, até a praia no Gonzaga. E cheguei incrivelmente vivo! E feliz, muito feliz.
Só quando cheguei é que fui entender o que aconteceu. Na SABESP o ciclista encostou a bicicleta dele na minha e o pedal da dele entrou no meio dos meus raios exatamente onde fica o bico de válvula. Na hora que ele pegou a bicicleta o pedal quase arrancou meu bico de válvula. Ele não deve ter percebido. Eu próprio já fiz o mesmo estacionando minhas bicicletas dentro de casa e só percebi porque no silêncio da casa ouvi o ar escapando. Bom, acontece.
Eu não conseguia falar com Teresa porque o pneu dela furou num dos tuneis. Um cara parou para ajuda-la e conseguiu partir em dois o bico de válvula de uma câmara e arrancar o bico da outra. Lá se foram as duas câmaras reservas novas. Teresa teve que descer a pé até encontrar um santo que tivesse uma terceira câmara. Dentro do túnel o celular não pega.
Sempre digo que sou um abençoado. Não tenho a menor prática de pedalar em pé. Quando quebrou o selim eu pensei: "ou volto para trás e acabo com o passeio da Teresa, ou sigo em frente deste jeito, o que provavelmente vai me arrebentar os joelhos".  Incrédulo fiz 45 km pedalando em pé até Cubatão, mais os 9 km finais depois de consertar o pneu. Como imaginei que Teresa e Vera tivessem passado por mim sem me ver, decidi continuar correndo a pé, o que seria mais 10 km, mas fui salvo pelo Leonardo, e de qualquer forma foram 5 km. Terminei cansado, com os joelhos pesados, mas inteiro. De tão excitado quase não ficar parado e depois consegui dormir. 
Tirando a descida da Imigrantes, que foi assustadora e nunca deveria ter sido feita por lá, e um número expressivo de ciclistas pouco civilizados, para dizer o mínimo, foi dos passeios mais divertidos que fiz na vida. Sem dúvida mais gostoso que o de 2018 com suas inúmeras paradas sem sentido. E foi mais delicioso ainda até pelas dificuldades que venci, um tempero para lá de especial. 
E a seguir algumas fotos primorosas que tirei; para que aprendam a tirar fotos emocionantes com celular. Na próxima levo a câmera fotográfica, com quem me entendo melhor.
Teresa D'Aprile no meio do povão

selfie do meu sovaco 

fratura na cabeça de canote de selim e
o bico da câmara de Teresa partido no meio.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

As melhores cidades para motoristas, e o efeito para ciclistas


As melhores cidades para motoristas? O que isto tem a ver com o ciclista? Tudo, absolutamente tudo. Dependendo dos critérios colocados na pesquisa quando melhor as condições para o motorista melhor é a cidade não só para os motoristas, mas para absolutamente todos, sem exceção.
O correto é ter uma cidade melhor e não melhor para este ou aquele. Não há outra forma porque a cidade engloba tudo e todos. É lógico que a sardinha pode ser puxada para cá ou para lá, mas com equação puxa-puxa nunca se chega ao melhor. Um semáforo que demora muito para abrir para pedestres (mais de 45 segundos) induz o pedestre a cruzar com o sinal vermelho, e aí o tempo maior para motoristas pode causar atropelamentos e consequentes congestionamentos, e congestionamentos são péssimos para não só para motoristas, mas para todos. Portanto apostar ou apoiar só na fluidez dos motorizados, por exemplo, acaba sendo um tiro no pé.

Foi publicada a pesquisa sobre as 100 melhores cidades do mundo para os motoristas e duas cidades brasileiras aparecem lá no fundão, Rio de Janeiro em 92ª e São Paulo em 94ª. Pensando raso como ciclista isto pode ser bom por um lado para a bicicleta e outras mobilidades ativas porque com o motorista encalacrado no congestionamento ele vai sofrer e vai ficar com vontade de largar o carro no meio da rua e sair correndo. Pior ainda quando vê um ciclista leve e solto passar e ir embora. Pelo sim ou pelo não acaba sendo um estímulo para experimentar outros transportes, qualquer um, ônibus, táxi, Uber, bicicleta, patinete, caminhar. Mas por outro lado, se a vida do motorista for ruim a vida do ciclista também não poderá ser?

A questão é que não se sabe bem como levar a vida sem o automóvel. São tantas as perguntas sem resposta que a cidade utópica dos ciclistas, a cidade sem carro, está longe de nossa realidade imediata. Ok, tem pequenas cidades na Holanda e em várias partes do planeta que conseguiram o feito, pelo menos em seus centros, porque nas bordas os carros existem, estão lá, e são necessários. E são pequenas, o que faz toda diferença.
Carros são e serão necessários por um bom tempo ou para sempre só o futuro dirá. Quem sabe desapareça num futuro muito distante, mas pelo quanto está aí – ponto final. Eu aposto que o carro nunca deixará de existir e ser usado porque é imprescindível. De imediato precisamos reorganizar seu uso até através de restrições, já que o carro deixou de ser ferramenta de transporte racional e virou vício epidêmico.
Se o carro não vai desaparecer, pelo menos tão cedo, porque não ter cidades que sejam melhores para seus motoristas? "Isto vai vender mais carros, vamos ter mais motoristas, e cidades piores para quem não é motorista". Para quem pensa assim seria bom ver o índice de automóveis por habitante na Holanda, por exemplo. Cidades melhores para motoristas não tem nada a ver com a cidade que vivemos hoje. Não é uma cidade com mais fluidez, mais velocidade, mais estacionamento, mais avenidas, viadutos, custos menores para o proprietário do automóvel e facilidades para os motoristas. Esta solução está provada que só piora a vida do motorista.
Quer ver uma criança infeliz? Dê a ela tudo que ela quer, da forma que ela quer, no momento que ela quer. Você terá uma criança mimada, um adolescente mimado, um adulto mimado, e infeliz. Diz o budismo que não existe liberdade sem disciplina, o que se pode traduzir em felicidade sem restrições, sem limites, sem contratempos. 
A cidade melhor tem regras, restrições, limites, para todos, incluindo motoristas, e porque não dizer ciclistas.

Errata: infelizmente foi publicado e ficou no ar uns dias um croqui de texto não revisado. Peço desculpas pelo erro. 

A matéria em português e a tabela nos links abaixo. 
https://www.panrotas.com.br/mercado/pesquisas-e-estatisticas/2019/11/estudo-revela-as-100-melhores-e-piores-cidades-para-dirigir_169164.html

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Sem Ciclo Faixa de Domingo

Museu Casa Sertanista, Caxingui
Faz tempo que São Paulo está sem Ciclo Faixa de Domingo. Não faço ideia do que está achando a população, mas deve ter muita gente sentindo falta. Volta ou não, eis a questão. Acho que a Ciclo Faixa de Domingo cumpriu sua missão com louvor e é hora de dar um passo a frente. São Paulo é muito mais mágica e interessante que a imensa maioria da população consegue imaginar. Há muito por descobrir. Ficar pedalando sempre nos mesmos trajetos não ajuda em nada a cidade. São Paulo é talvez a cidade com maior diversidade de arquitetura no mundo. Por outro lado, o número de usuários vinha diminuindo a olhos vistos. A pergunta decisória do volta ou não volta pode ser o que diminuiu, o número de ciclistas na Ciclo Faixa de Domingo ou o número de ciclistas pedalando aos domingos e feriados, o que sinceramente duvido.
Para estabelecer uma política pública é necessário ter dados, saber o que está acontecendo, e buscar caminhos que levem o coletivo ao bem comum. Esporte e lazer são importantíssimos não só para a saúde pública, mas para a estabilidade social. É muito provável que o Bradesco, patrocinador da Ciclo Faixa de Domingo tenha estes dados. Se os tem é um direito mante-los fechados, mesmo sendo de interesse público. Duvido que a Prefeitura tenha dados precisos porque a coisa pública não tem a tradição desta coleta de dados e nestes últimos anos provavelmente não deve ter tido dinheiro para fazer as contagens. As administrações públicas mal tem dinheiro para o que prioritário. Lazer é prioritário, bicicleta tem que ser política pública, mas isto não implica em que a cidade tenha que ter um gasto alto com o lazer para ciclistas. Usando a inteligência há outras alternativas a meu ver muito mais interessantes.  
Os primeiros números que vi a respeito eram do que acontecia dentro do Parque Ibirapuera antes da instalação da ciclo faixa separando ciclistas de pedestres e a situação era bastante feia, com um monte de acidentes, principalmente envolvendo crianças. Quando a Caloi mudou de mãos, Musa, o novo proprietário, fez uma pesquisa e deu um milhão pedalando em fins de semana com dias ensolarados. Um pouco depois a SVMA fez outra pesquisa e contaram 700 mil ciclistas por domingo nas ruas. A metodologia das duas contagens / pesquisas era a mesma. Tentei encontrar algum dado na Internet sobre a Ciclo Faixa de Domingo e não consegui encontrar, mas isto não quer dizer muito porque em algum lugar deve haver.

Num domingo destes fui guia de um pequeno passeio onde uma das ciclistas, também guia de passeios, adorou os caminhos alternativos que fiz, pedalando o máximo possível por dentro dos bairros e longe das avenidas. Levei o grupo para o Morumbi tendo algumas ciclistas pouco preparadas num circuito praticamente sem subida e pedal em avenidas. Comemorei 30 anos como guia de passeios de bicicleta, tenho experiência o suficiente para dizer que o interior dos bairros de São Paulo é sempre uma boa surpresa. Nenhum dos que estavam no passeio sabiam da existência do Museu Casa Sertanista, muito menos das outras casas coloniais de taipa. A maioria nunca tinham pedalado no interno do bairro de classe média Caxingui e suas praças, nem nas ruas do rico Morumbi; Estádio do São Paulo, Colégio Porto Seguro, Colégio Pio XI, até Ponte Morumbi por onde atravessamos pela calçada. Como não é o caminho do automóvel, não é o caminho mais comum, precisa saber por onde vai, ou ir errando e acertando, o que é bem divertido e instrutivo. São Paulo é um mar de belas e vivas ilhas cercadas por vias expressas, avenidas e ruas de movimento pesado. Sabendo usar a topografia é possível evitar as piores subidas.


O pior momento da bicicleta em São Paulo? Por que? Esta é a questão. Dar um passo atrás não me preocupa. Persistir em alguns erros sim. Mesmo que não sejam erros, repensar, buscar novas alternativas, aceitar uma mudança faz bem. Buenos Aires repensou, deu um passo atrás, e entrou num caminho muito melhor; e este é só um exemplo.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A importância dos 400 km para o número de bicicletas nas ruas

No almoço saiu de novo a conversa sobre a importância de Haddad e seu pessoal ter implantado os 400 km de vias para ciclistas. “Sem isto não teríamos tantos ciclistas nas ruas” disse a interlocutora. Concordo em parte.

Ciclovias e ciclofaixas fazem crescer o número de ciclistas circulando uns 30% em média, diz todo e qualquer manual ou documento sério editado nas principais línguas e em seus países respectivos sobre sistemas cicloviários. Um pequeno detalhe: aumenta na ciclovia, ciclofaixa e entorno onde foram implantadas.

Já escrevi várias vezes que tínhamos em 2005 na cidade de São Paulo uma demanda reprimida de mais de 500 ciclistas, que era a diferença do número de ciclistas em fins de semana, 700 mil (SVMA SP), e os que já circulavam na cidade em dias de trabalho, um pouco mais de 65 mil oficiais (Pesquisa O. D. Metro) ou pelo menos 150 mil segundo o setor da bicicleta. Quantos destes iriam pedalar nas ruas para trabalho ou estudo só especulávamos. De qualquer forma entre 2005 e 2012, nos anos Serra - Kassab, mesmo com falhas de contagem, era claro que o número de ciclistas nos dias de semana vinha crescendo rapidamente, isto por diversas razões. A primeira delas era o trânsito que andava muito devagar e entrava em colapso com frequência também por diversas razões, mas principalmente por conta do absurdo aumento do número de veículos circulando em razão dos incentivos dados pelo Governo Federal para a compra de veículos. E aí, como sempre repetia Renata Falzoni na Rádio Eldorado, "Carro parado não mata", um ótimo slogan para estimular novos ciclistas.

Ainda em 2005, numa reunião do Projeto GEF Banco Mundial para bicicletas, Meli Malatesta apareceu com um mapa da CET SP de contagem aleatória de veículos onde aparecia bicicleta. Constrangida porque achava que os números apresentados de ciclistas circulando eram muito baixos abriu o mapa numa mesa e eu quase cai de costas com o que vi. Os números foram coletados nos horários de pico do trânsito motorizado, de 8:00 h às 10:00 h, e de 18:00 h às 20:00 h, e em pontos tão aleatórios como Al. Gabriel Monteiro da Silva esquina com rua Maria Carolina, onde era bem pouco provável encontrar ciclistas, mesmo assim estavam lá. Foi aquele mapa que deixou claro que já estava acontecendo um fenômeno desconhecido em São Paulo: os ciclistas dos bairros mais ricos estavam saindo para as ruas mesmo sem qualquer estímulo das autoridades, fosse campanha educativa, sinalização específica ou vias segregadas. 

Sempre foi usada a contagem realizada pelo Metro, a Pesquisa Origem Destino (O. D.), muito precisa, mas que é direcionada para ver qual a possível demanda de usuários do Metro. Há um filtro aí, o que dá diferença para menos no número de ciclistas circulando, mas para uso oficial era o que valia. 

Quando Haddad começou a implantar os 400 km havia uma pressão muito forte dos ciclistas, uma barulheira danada, o que não só chama atenção para o tema - bicicletas - como gera notícias. Gerando notícias mais e mais dados e informações começam a vir à tona. Os ciclistas que estavam espalhados pela cidade começaram a ser vistos, mais, a ser contados, não só por conta das notícias, mas também porque eram mais frequentes. E a administração Haddad começou a implantar freneticamente ciclovias e ciclofaixas, o que gerou mais notícia ainda, o que aumentou mais ainda o foco de atenção nos ciclistas e bicicletas. Num determinado momento propaganda boa tinha que ter um ciclista ou uma bicicleta. Por outro lado, a Ciclo Faixa de Domingo lotava, muitos motoristas e pais de família saindo para participar da festa, o que fez com que estes quando dirigindo seus automóveis ficassem mais atentos a qualquer ciclista. As críticas a implantação “sem critério” das ciclofaixas só aumentaram a visibilidade dos ciclistas; o que leva aquela matemática rasa: eu vi mais, portanto tem mais. Quando uma ciclovia é implantada os ciclistas vão para ela, concentrando-se num único local, o que os torna mais visíveis ainda. É lógico que com estímulos a sensação de aumento do número de ciclistas nas ruas se fortalece, a imprensa tem matéria e noticia, o diz que diz na população cresce... Em suma, a cidade entrou num ciclo vicioso do bem, por assim dizer. Aconteceu aqui como em todas as partes do planeta.

O fato é que a bicicleta sempre esteve por aí, mesmo antes dos 400 km de Haddad. A diferença é que a bicicleta aparecia em extensas áreas não periféricas de São Paulo, e esta era a grande novidade. Na periferia a bicicleta sempre esteve presente, muito antes de Haddad. Aí é estranho que as esquerdas nunca tenham falado uma palavra sobre estes ciclistas, a maioria trabalhadores.

Saudoso Sérgio Luiz Bianco
numa vistoria em Grajaú
para o GEF Banco Mundial
Faço minhas críticas sobre a forma como foram implantados e ao resultado dos 400 e tantos km. A verdade é que antes de Haddad e seu pessoal já estava rolando muita coisa e tinha muito ciclista nas ruas, muito mesmo, mas eram invisíveis. Martha assinou o Projeto GEF Banco Mundial (2005 - 2006), que só foi para frente com Serra, e aí a administração pública descobre e entende a importância da bicicleta, colocando-a em pauta de maneira correta, mas pouco conseguiram implantar, o que fizeram foi na pancadaria interna. Kassab, melhor dizendo, Walter Feldman implantou a Ciclo Faixa de Domingo; e na administração Kassab não aconteceu praticamente mais nada. Não resta dúvida que a administração Haddad colocaram definitivamente a bicicleta na ordem do dia, com erros e acertos; alguns erros graves que até hoje não foram investigados ou corrigidos. Foi e está sendo importante para o futuro de São Paulo.

O que falta é uma política de estado para as mobilidades, ou seja, ter continuidade. Personalizar, politizar, ou pior, ideologizar só arrebenta este país.

Desculpe se não cito o projeto "Pró-Ciclista" dos anos Maluf e Pitta, que foi muito atuou forte, mas praticamente não fez diferença. Gunter Bantel, seu diretor, teve importância sim na redação do novo CTB, onde incluiu várias leis relativas às bicicletas e ciclistas. Mas praticamente não mudou o número de ciclistas circulando em São Paulo.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Fim do seguro obrigatório DPVAT

O trânsito brasileiro não foge da regra deste país: é uma perigosíssima baderna, baderna que mata. Os últimos Presidentes deste país, sem exceção, só fizeram piorar a situação. Neste atual governo os disparates vêm desde os primeiros dias e atos presidenciais quando Bolsonaro simplesmente disparou contra os radares móveis. Agora Bolsonaro dispara e abate o DPVAT, Seguro Pessoal Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres.

Esperei um pouco para ler as opiniões sobre o fim do seguro obrigatório DPVAT e só então escrever a respeito. Depois de ter lido no Metrópole do O Estado de São Paulo, pag. A7, 13 de Novembro de 2019, "Trânsito, Seguro extinto é acionado anualmente por 460 mil, em média, em 250 mil caso, acidentes envolve motos. Governo alega fraude, custo de regulação e serviço semelhante ao SUS, mas especialistas dizem que até os dados de acidentes serão prejudicados”. em subtítulo, tendo como título principal “Motociclistas respondem pela maior parte das indenizações do DPVAT”. Aí estão apresentados os números do DPVAT no período entre 2008 e 2019:
·        pagamentos por morte 510.295;
·        por invalidez permanente 3.275.815;
·        para despesas médicas 818.028. 
Mesmo para quem acompanha segurança no trânsito estes números são impressionantes. Na mesma página o artigo "Um erro monumental que deixará milhares sem proteção" do Antônio Penteado Mendonça. Concordo em grau, gênero e número com ele que é uma sacanagem com a população de baixa renda.
O que assusta é que muitos jornalistas e matérias dão que a medida foi tomada para afetar um dos desafetos de Bolsonaro, o presidente do PSL Luciano Bivar, dono de uma das corretoras de seguro que trabalha com o DPVAT.

Quando propús leis para o CTB de 1998 eu incluía uma que dizia que pessoas responsáveis por acidentes por bebedeira, excesso de velocidade ou fazendo uma barbaridade injustificável, perderia seus direitos frente ao SUS. É óbvio que não foi para frente. A intensão seria deixar claro o famoso e funcional "errou, pagou", tão necessário para evitar acidentes e mortes no trânsito. Conduzir é um direito concedido pela sociedade e seus representantes do poder público através de leis e não um direito assim sem mais nem menos. Continuo com a mesma posição até porque ninguém aguenta mais tantas mortes e inválidos. Não queremos um Brasil melhor? Sem responsabilidade não teremos. Quanto custa a nossa brincadeira está nos números acima.
E justifico: Nunca soube de alguém que tenha pago pelos estragos causados, não interessa que tenha sido um gramado, uma árvore, um poste, uma casa, ou até parar metade de uma cidade por alguns meses porque não viu a placa de altura da ponte. Se tiver que pagar multa nunca corresponde ao valor real do estrago causado. No país das leis que colam ou não colam, o sujeito faz uma barbaridade, causa um acidente, prejudica um monte de gente ou meio mundo e ainda é tratado como vítima. Como assim? Não faz muito tempo foi divulgado que em São Paulo eram realizadas uma média de 70 atendimentos de emergência no trânsito por dia. Sim, 70 por dia; parando por exemplo... uma Marginal Tiete em horário de pico. Todos nós, todos sem exceção, pagamos a conta, que a bem da verdade pesa mais no bolso da população carente. 

O mesmo Antônio Penteado Mendonça, que fala sobre seguros toda manha na Rádio Eldorado sempre diz que o seguro não pode ser pago quando o segurado infringiu a lei ou as regras do contrato. Absolutamente correto. Não conheço o que diz o DPVAT, mas deveria ser igual. DPVAT deveria beneficiar única e exclusivamente quem é vítima. Daí a acabar com o DPVAT vai um longo caminho de discernimento

domingo, 10 de novembro de 2019

As empresas e a responsabilidade social


A ideia deste texto veio depois que li dia 31 de Outubro de 2019 no Espaço aberto do O Estado de São Paulo o texto "Responsabilidade social das empresas" de autoria do Roberto Teixeira da Costa.
Escrevo este texto sobre responsabilidade social das empresas, esperando não cometer deslizes. A bicicleta deveria estar completamente inserida neste contexto de responsabilidade tanto social quanto empresarial.

O início da história da revolução industrial, do início de 1700 até quase 1900, mostra, em linhas muito simplistas, dois lados: por um lado trabalhadores quase escravizados e fábricas poluindo sem limites; por outro acabou dando a possibilidade de que cada dia mais e mais pessoas tivessem acesso a produtos e benefícios que melhoraram e muito a qualidade de vida. Dizia-se que os benefícios gerais justificam os custos, o que fazia algum sentindo até mesmo porque então não se levava em consideração uma série de fatores que entraram no cálculo do custo/benefício recentemente. 
A bicicleta teve um papel importantíssimo na luta dos direitos individuais de trabalhadores na virada do século XIX para o XX, quando trabalhar, principalmente numa indústria, era estar sujeito a um sistema que se pode considerar escravagista remunerado, num ambiente desagradável, hostil, com turnos longuíssimos, de domingo a domingo, com altos índices de acidente de trabalho, salários de fome e sem qualquer garantia individual. Começava ali uma longa luta pelo que hoje se chama responsabilidade social. 
A poluição no meio ambiente, ou seja, no ambiente externo às indústrias, passou a ser levada a sério quando Londres teve uma inversão térmica e a poluição, não só das indústrias, acabou matando 12 mil e deixando doentes mais de 100 mil, fenômeno que ficou conhecido como Big Smoke. Não foi a primeira vez que o problema ocorreu, mas foi o basta. 
Nestas últimas décadas a responsabilidade das empresas tem se ampliado, evoluindo da responsabilidade com seus funcionários para a responsabilidade ambiental e por consequência para a responsabilidade com toda a sociedade, país e planeta. Os custos dos mais diversos problemas gerados pela falta de cuidado ou mesmo atenção com o social chegaram a um ponto que não permitia outra alternativa que não fosse mergulhar no que se chama qualidade total (e aqui uso o termo de maneira livre).
Um dos empecilhos para reverter processos danosos é a falta de consciência da própria população que quer produtos baratos, não importando as consequências do custo não aparente. "O que não vejo não é comigo..." Um produto com custo irreal, como exemplo os 1,99, só é possível pulando etapas de qualidade ou sonegando impostos. A maioria destes produtos acabam sendo descartados rapidamente, o que gera um custo ambiental imenso. Ótimo exemplo são os guarda-chuvas baratinhos que no primeiro vento terminar no lixo ou entupindo bueiros. 
O conceito responsabilidade social incorretamente compreendido traz deformações para todo o sistema (de um setor econômico e social), impactando inclusive nas tomadas de posição das empresas. Concorrência desleal torna impossível sobreviver jogando limpo. Contam que a fabricante inglesa de bicicletas Phillips, de alta qualidade, que rodavam décadas sem dar problemas, acabou morrendo porque se recusou a fabricar bicicletas frágeis num momento que o importava era o preço.
A matemática correta da responsabilidade social só chega quando a população sabe o que esta realmente significa e sabe o que é correto para seu futuro. Quando isto acontece a empresa que não for responsável, ou melhor, que não cumprir seus deveres vai perder mercado, podendo até desaparecer. 
Empresas só conseguem sobreviver jogando o jogo e ao ritmo do baile. Se o país é uma baderna, as leis confusas, se a sociedade não sabe o que quer, ou quer errado, se a sociedade não responde, se os que pressionam pela responsabilidade o fazem por outros interesses, se..., se..., se..., fica difícil ou até impossível chegar à responsabilidade social.

"Pense globalmente, aja localmente" começa a ser a lógica atual. Hoje diz respeito a pequenas ações individuais que podem, repito, podem levar a uma melhora global. Pesquisando descobri que o "Think globally, act locally" é de 1915, pensamento e posicionamento criado pelo biologista, sociólogo, filântropo e planejador urbano escocês Patric Geddes. 1915! "Ao socialismo se vai em bicicleta" é mais ou menos da mesma época.

Ter resultados globais não significa agir localmente varrendo para debaixo do tapete o que não interessa individualmente ou para um determinado coletivo. Também não significa o que leva a resultados imediatos e que por estar desajustado cria problemas futuros, o que aqui no Brasil é comum. De boa intenção o inferno está lotado.
Consegue-se resultados de fato quando há qualidade, quando todos os pontos convergem para o melhor resultado. Qualidade total, responsabilidade social.

A bicicleta teve seu pior momento no fim entre o final da década de 60 e começo dos anos 80, muito pela baixa qualidade oferecida. Ela só ressurge quando ganha qualidade e durabilidade.

Bicicleta diz muito sobre responsabilidade social.
Como está a qualidade da maioria das bicicletas, peças e acessórios fabricados e vendidos no Brasil, a maioria de preço popular? 
Qual é o custo real de uma bicicleta para a população de baixa renda (custo linear)? 
Qual é o índice de defeitos e falhas mecânicas das bicicletas populares vendidas no Brasil?
Qual é a responsabilidade social do setor da bicicleta?
Qual é a responsabilidade social neste processo dos atores civis pró bicicleta?

Mais bicicletas circulando, mais ciclistas nas ruas, melhor a responsabilidade social? 
Mais ciclovias melhor será a responsabilidade social?
Mais ciclovias, mais ciclistas, verdade?

Responsabilidade social envolve um número alto de fatores, uns óbvios, outros nem tanto, e mais outros bem complexos. Nada a ver com análise simplista.