terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Ou eu ou as bicicletas

Ontem foi aniversário de meu caro amigo Valter, um apaixonado por bicicletas. Faz muito tempo ele teve uma namorada que um dia ousou indaga-lo "Ou eu ou as bicicletas!". Sem responder, sem mudar a expressão, levantou-se da sala onde tomava calmamente seu cafezinho com bolo de fubá, foi até o quarto dos dois, pegou uma mala, abriu as gavetas, cuidadosamente colocou as roupas dela na mala, fechou-a, passou em silêncio e tranquilo pela por ela, desceu a longa entrada dos carros, abriu o portão, colocou a mala na calçada, deixou o portão aberto, voltou sereno e impávido, sentou-se e continuou tomando seu cafezinho com delicioso bolo de fubá sem dizer palavra ou mudar de expressão. Foi-se a namorada.
Logo depois da saída da namorada ele me ligou e com a voz de todo dia me convidou para tomar um cafezinho fresco, comer o delicioso bolo de fubá que só ele sabe fazer e ver um farolete que estava restaurando. Só depois de tudo servido e deliciado e em meio a conversas triviais sobre bicicletas ele contou o ocorrido. Quase caí da cadeira de tanto rir, principalmente porque ele não moveu uma ruga de constrangimento ou pesar, e olha que ele gostava da moça.

Nunca cheguei a tanto, nem ouvi o "ou eu ou a bicicleta", pelo menos não me lembro ou não quero lembrar, mas passei bem perto de me colocaram esta questão simples de responder. Creio que teria sabedoria para dizer calmamente e sem rodeios "OK, sem sombra de dúvida as bicicletas". Eu e minhas bicicletas e você e as tuas, isto se quiser! Soy macho, muy macho! Ou a coisa teria parado na justiça como disputa aquelas brigas pelo cachorro ou gato da casa. Garanto que seria uma luta feroz, afinal bicicleta não caga nem solta pelos! 

Não faço a mais remota ideia de quantas bicicletas já tive, mas sei que é um número um tanto irracional. A família até me mandou para tratamento e só a segunda psicóloga me aceitou. A primeira disse que eu ultrapassava sua capacidade e conhecimento e recomendou que eu fosse internado (literalmente). "Ou as bicicletas ou você vai internado". Sem minhas bicicletas jamais! Família, mulher e amigos apavorados com minha reação acharam melhor mudar para um "Ok, tá tudo bem, pode ficar com as bicicletas. Você quer mais alguma coisa? Um Chicabom?". 
Força do vício (e da insanidade) mais uma vez em minha casa só falta ter bicicleta em cima da privada, fogão e minha cama. Pequeno exagero, mas está quase. Tem uma no box do chuveiro. Fico ofendido toda vez que me perguntam quando foi o último banho que tomei. Antes de dormir tenho que ajeitá-las para deixar um caminho entre o quarto e o banheiro, o que é ótimo porque nesta rearrumação diária acabo fazendo academia. Como a cozinha fica lotada durmo com uma caramanhola entre as pernas. Por favor, não tirem conclusões erradas. Se o colchão amanhecer molhado foi a caramanhola que vazou. Fraldão não! Bermuda de ciclismo! Posso estar velho, mas ainda tenho dignidade! Só minhas bicicletas me entendem.
Contei no outro blog (https://escoladebicicletacorreio.blogspot.com/2019/10/revivendo-duas-bicicletas-mortas.html) que comprei uma Haro Impasse feminina linda que mui provavelmente iria para o lixo e a recuperei. Aliás, preciso pedalar um pouco com ela; ainda falta uns ajustes. Faz dias estou com uma Soul que acabo de ressuscitar pela segunda vez, a primeira depois de meses na mão de bike couriers (bicicletacidas!) e agora pela segunda vez porque ficou abandonada por quase dois anos. Seu ex-dono foi também intimado pelo "eu ou a bicicleta" e, acreditem, está casado. Os amigos quiseram interná-lo. A Soul desolada foi deixada para trás pelo cônjuge, cá entre nós e sem fofoca, que sua senhora não me ouça, saudoso do pedal. Que seja, mais duas bicicletas em minha casa. Pedalo todas elas, umas mais, outras menos, mas todas recebem a justa e merecida atenção. Faz um bom tempo entraram mais outras: uma Ceci a espera de restauro, uma Cruiser Ventura... Bom, esquece. Não, não me peça para contar quantas bicicletas são, muito menos quantas foram. 

Quem conhece cachorro sabe que eles são o reflexo mais perfeito de seu dono porque mostram o mais profundo da alma. Com bicicleta é igual. O problema é que tenho muitas e amo todas. Se bicicleta é reflexo do dono serei eu mulherengo? Preciso entrar no ATA (Associação dos Tarados Anônimos)? Não vou cair na besteira de entrar nesta seara porque aí não terei direito sequer ao "ou eu ou as bicicletas". Separar da mulher é fácil, das bicicletas definitivamente não.

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