Tive que me controlar para não sair no começo do filme, que é ótimo, mas pega na veia. Fui até o fim com o estômago na boca e recomendo o 'Cinco graças (Mustang)', filme passado na Turquia de hoje que conta a história de cinco meninas. O resto fica para quem for ver.
Outro dia, num documentário numa das TV educativas, um historiador soltou algo que parece mais que sensato, óbvio: o surgimento e evolução da humanidade é fruto de mulheres - literalmente. Os homens saíam para a caça e elas é que ficavam paradas, digamos assim, em casa, portanto é muito mais provável que tenham sido elas que descobriram como se planta e como se domestica animais.
Partindo deste simples parâmetro é possível fazer uma incrível revisão na história da humanidade, meio que virar de ponta cabeça. Hoje ninguém tem mais dúvida que ter tempo para pensar faz milagres e as mulheres sempre tiveram muito mais tempo para observar, sentir, pensar e estruturar a sociedade, sem se expor, o que pode ser sido uma grande vantagem. Sabe-se que a história é dos vencedores, portanto dos homens; mas será mesmo?
Cinco graças, e outras tantas.
Quem foi Maria Madalena? Em nossa história se pode começar a chutar o pau da barraca por ai.
Estive na Turquia em 2011 e fiquei impressionadíssimo com a tranquilidade, a organização, o bem estar geral, a limpeza e uma sensação de segurança impensável até em algumas capitais da Europa. A comparação com o Brasil é para morrer de vergonha. Ainda me faz pensar porque temos que viver nesta baderna, melhor dizendo, na baderna que já vivíamos naquela época e que nós, brasileiros, nos recusávamos a ver. Enfim, Turquia é um tapa na cara. E ai o 'Cinco graças' ganha um peso pesado, daqueles que nocauteia, principalmente quando se está procurando entender onde estamos e para onde será que vamos. A pergunta que me faço é qual é o custo da ordem e progresso, e qual o custo da liberdade que nós brasileiros buscamos? Onde está o ponto de equilíbrio? O que nos está escapando? Deve haver um óbvio grudado em nossos narizes, uma meleca enorme que recusamos a tirar com a ponta do dedinho. Minha mãe diria "meu filho, comporte-se!"
Acredito que a resposta está numa visão mais ampla, ou menos pobre, muito menos pobre, sobre a questão social da mulher. Desde que li um pouco sobre a história da relação da bicicleta com as revoluções sociais e principalmente feminina, que foi intensa, comecei a entender que a história que nos foi contada não é exatamente a correta. As sufragistas, filme que infelizmente perdi, conta um pouco desta batalha pela liberdade. Sufragistas foram as mulheres que lutaram pelo direito ao voto, e a bicicleta entra ai porque as ciclistas e os ciclistas tiveram um papel muito importante em todo o processo. A história da bicicleta foi e continua em parte abafada, e a história da relação da bicicleta com as mulheres, crucial na vida delas, mais esquecida ainda.
Que a história é a dos vencedores, isto já sabemos; mas qual a importância dos bastidores, isto é outra história, um bom caminho para a verdade mais ampla. Robert Darnton, Historiador e Diretor Executivo da Biblioteca de Harvard, colocou no Roda Viva que ele dá muita importância às fofocas e piadas, que normalmente são esquecidos pelos historiadores. Estamos falando sobre a vida reservada de mulheres?
Estou lendo Feminismo e Política, dos Cientistas Políticos Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli, que mostra com foi a história do feminismo e suas vertentes. É uma rara e rica bomba de ideias. Vale a pena a leitura, mas tem que ter saco porque é uma escrita acadêmica, pesada, não raro chata, daqueles excelentes trabalhos que parecem voltados só para intelectuais. Ver o Cinco graças, uma história de meninas no meio das tradições islâmicas, no meio da leitura de Feminismo e Política vira um massacre, uma piada ou motivo para que me internem de vez.
Não é o caso de Streghe, de Lilli Gruber, que é leitura deliciosa, mas trabalhosa para meu parco italiano. O pouco que li me fez ficar mais apaixonado ainda pelas bruxas (streghe).
No meio desta confusão toda houve uma mesa de meninas e mulheres ciclistas ligadas a vários movimentos feminista e LGBT que confesso que tinha muito interesse em ver. Infelizmente fecharam o evento e não permitiram homens. Entendo por um lado e não entendo pelo outro já que tenho uma leitura social delas como a ponta de uma revolução, ainda não sei bem qual. Pelo que me foi dito ficaram com vergonha. Ops?