A lua no horizonte parece uma
banana da terra de tão grande e amarelada. Está baixa, próximo a linha dos
telhados e árvores. Linda. O céu está limpo pelo vento e é possível ver as estrelas
mais brilhantes. Não consigo mais me lembrar como era este mesmo céu na minha infância,
mas lembro claramente quando foi instalado um farol para minha pequena
bicicleta. Levava uma pilha imensa, praticamente não iluminava nada, mas tinha
uma buzina acionada por um botão vermelho que ficava ao alcance do dedão. A
temperatura da noite era parecida com a desta noite. Devia haver um céu maravilhoso,
mas certamente não olhei. Fico feliz por estar pedalando numa noite de
temperatura amena de mais um outono. Fico feliz por ter límpido na memória aquela
minha fuga para experimentar o farol com buzina de lata em forma de foguete. Poderia
ter tomado um tombo enquanto pedalava porque não parava de olhar para o presente
luminoso e barulhento.
A
bicicleta estava parada do lado de fora da garagem. Surpresa, das bem boas, de pai,
que instalou e foi para dentro ler e não me avisou de nada. Peguei a bicicleta,
acendi o farol, dei uma volta no cimentado e antes de começar a segunda volta
vi o pesado portão de madeira aberto. Em silêncio fugi. Dobrei a direita,
passei pela frente de casa sem ser visto; cheguei ao vizinho e a partir de lá
me senti livre, tão livre quanto me sinto olhando para a banana da terra
pendurada no céu de hoje. Dobrei a esquina buzinando, desci pedalando forte
pela calçada irregular só olhando o farol. Um pouco a frente a calçada ficava escura
por causa da grande árvore que cobria a luz do poste e deformava o piso com
suas raizes. Meu farol funcionava, provavelmente iluminando muito pouco, mas
aos olhos dos meus sonhos de criança... Cheguei quieto e feliz. Fui dormir como
se não me lembrasse de antes ter entrado tão leve numa cama. Estou voltando para
casa e talvez pelo friozinho as ruas estejam vazias e quietas, como era comum
em minha infância. A lua banana da terra aparece inteira nas esquinas e
entrecortada pelas copas das árvores no meio dos quarteirões que se seguem. O
jantar com meu pai foi ótimo, como normalmente o é, mas sempre comemos muito. Depois
de aposentado o velho decidiu fazer cozinha gourmet e a faz para valer. Salada
fresca e crocante, maravilhoso risoto ao funghi com osso buco, compotas de
peras, café e limoncello geladérrimo de saída. Chic! Voltar de bicicleta
debaixo da lua. Banho quente, leitar e pegar um livro. Talvez um chá quente
antes de apagar as luzes. Feliz. Boa vida...
Pela manha foram divulgadas as imagens de Victor Hugo Deppman
sendo assassinado na porta de casa. Param um segundo antes de sua cabeça ser
atingida. O assassino completou 18 anos três dias mais tarde. Entregou-se a Polícia
consciente que era “de menor” e logo saiu pela porta da frente. É a lei. A
família de Victor, em entrevistas, diz que a morte do filho não pode ser em
vão. Não se faz apostas sobre tais barbáries, mas certamente não mudará nada.
Nem no próximo. Nem no próximo. Nem no próximo. Nem no próximo. Nem no próximo....
Nem no próximo
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